Curiosamente, o jornalismo econômico brasileiro por boicotar “economistas heterodoxos”, isto é, “quem pensa fora-da-caixa neoliberal” não divulga ideias originais de vanguarda e/ou um debate plural com a crítica de ideias ultrapassadas dos “economistas ortodoxos”. Daí seus leitores erram por não conhecer alternativas estratégicas.
Por exemplo, os ortodoxos não explicam não explicam o motivo principal da estratégia bancária de disputar clientes pobres. Trata-se de tornar endógeno o multiplicador monetário digital dentro do próprio sistema de informações do banco. Ao não vazar papel-moeda do circuito, o multiplicador monetário chegaria ao infinito caso não houvesse recolhimento compulsório de percentual de depósitos à vista/prazo ou poupança. Melhor ainda para cada banco em particular é ter todos seus devedores de crédito e clientes internalizados em sua rede, senão física, melhor digital.
Outro ponto a se destacar: ninguém está fazendo análise sociológica da pobreza brasileira para avaliar o risco de crédito. O populismo de direita diz falar em nome do povo, mas desconhece o povo brasileiro…
Talita Moreira (Valor, 22/10/2020) informa: criado para o pagamento de benefícios sociais na pandemia, o aplicativo Caixa Tem se tornou estratégico nos planos da Caixa para atender um público empobrecido. Ele virou alvo do interesse crescente de bancos digitais e fintechs: a população de baixa renda.
O imbecil ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestou a intenção de fazer o IPO do braço digital da Caixa “nos próximos seis meses”. Este plano havia sido antecipado em julho por seu preposto, o presidente do banco estatal, Pedro Guimarães.
A disputa no setor bancário sempre esteve muito voltada às classes A, B e, em menor escala, C. Têm aumentado o interesse na prestação de serviços para os mais pobres pelas seguintes razões:
- a forte competição pelo topo da pirâmide,
2. a digitalização da economia (que reduz custos de atendimento),
3. o pagamento do auxílio emergencial e
4. a queda das taxas de juros .
Outro fator prestes a entrar em cena é o Pix. Ele vai abrir novas possibilidades de prestação de serviços para consumidores até então pouco atrativos. Trata-se de um alinhamento inédito de fatores que permitem atender essa população de forma rentável.
A Caixa tem uma vocação natural para atender o público de baixa renda por ser o distribuidor de benefícios sociais do governo. O pagamento do auxílio emergencial neste ano colocou nas mãos da instituição financeira 120 milhões de contas digitais, dos quais 33 milhões não tinham relacionamento bancário. É um contingente muito significativo.
No fim do ano passado, o Instituto Locomotiva estimava em 45 milhões o número de brasileiros “desbancarizados”. A conta certa é a seguinte: 70% da PIA mais 10% dos idosos somam 80% de 212 milhões de pessoas. Resulta em 170 milhões, subtrai 15 milhões ocupados na zona rural e 115 milhões de cartões de débito ativos, sobram 40 milhões desbancarizados.
“Fizemos, em tempo recorde, o maior projeto de bancarização e criamos o maior banco digital do mundo”, afirma o preposto da Caixa sem saber o que diz, ou seja, sem comparar com a digitalização na China e na Índia. Ridículo…
O desafio para a Caixa, agora, é reter esse público e transformar os usuários do aplicativo em clientes. Para isso, o recém-criado banco digital começa a oferecer microsseguros, prepara o lançamento de uma operação de microcrédito e está ampliando as operações de pagamentos. “Já temos uma marca conhecida e o relacionamento. Agora, vamos fazer um grande cross-selling”, diz.
Segundo Guimarães, o banco já vem fazendo testes com microcrédito. Serão empréstimos de até R$ 500, tendo como público-alvo cerca de 10 milhões de brasileiros. A expectativa é o serviço atender parte da população sem receber o auxílio emergencial em janeiro.
A Caixa, porém, não ficará sozinha nesse mercado. Bancos digitais e fintechs também têm olhado para a parcela menos favorecida da população – ou, melhor dizendo, para segmentos desse universo estimado em 150 milhões de pessoas.
“Quero ser a primeira conta para concorrer com o Caixa Tem, oferecendo tudo o que o cliente pode fazer numa lotérica” afirma Roberto Marinho Filho, presidente da Conta Zap, que oferece serviços operados por meio do WhatsApp.
A fintech tem cerca de 850 mil clientes diretos e, agora, passou a firmar parcerias para expandir seu alcance. Já tem contratos com o clube de futebol Goiás e com a Oi – terá acesso a essa base mesmo com a venda fatiada da operadora de telefonia móvel, conforme os termos do contrato.
Marinho Filho aposta nas transações feitas por comando de voz como um atrativo para a baixa renda. Os clientes falam o que querem para um ‘bot’ que executa as transações. A Zap conseguiu autorização do Banco Central para usar esse mesmo modelo no Pix. “Consigo atrair clientes no habitat natural deles, que são os aplicativos de mensageria”, diz.
Na Neon Pagamentos, o foco recai sobre o que Jean Sigrist, presidente da fintech, chama de classe C expandida. “Nosso público tangencia a parte de baixo da classe B e pega uma parte importante da D”, diz.
Segundo ele, boa parte dos 9,5 milhões de clientes do Neon vem de pessoas que não estavam totalmente fora do mercado bancário, mas tinham o hábito de compartilhar uma conta com outras pessoas para rachar as tarifas. São pessoas que querem cartão de crédito para ter acesso a bens de consumo e muitos são pequenos empreendedores recém-formalizados. “Há um fenômeno grande de individualização das contas”, afirma. “Isso permite que as pessoas planejem melhor suas finanças.”
O potencial desse mercado também tem levado instituições com mais tempo de estrada a se reinventar. É o caso do Pan, cujo controle se divide entre BTG Pactual e Caixa. Tradicionalmente voltado ao crédito para as classes C, D e E, o banco lançou no início deste ano um aplicativo e uma conta, e agora se posiciona como uma solução completa para esse público. O crédito continua sendo o DNA e é uma necessidade grande desse público, mas agora o Pan diz ser uma plataforma completa.
Grande parte dos clientes do Pan já era bancarizada, mas não tinha uma boa experiência com serviços financeiros. A estratégia é oferecer um aplicativo amigável, produtos simples de investimentos, seguros e educação financeira. Além do atendimento digital, o banco ainda tem lojas e trabalha com correspondentes bancários.
A estabilização da economia torna mais atrativa a oferta de serviços para as classes C, D e E – universo de 150 milhões de pessoas, que, destaca o executivo, abrange vários perfis. “É um mercado grande, crescente e que utiliza cada vez mais o digital. Todo mundo tem um celular na mão e acessa redes sociais.”
Com foco mais amplo, a Caixa aposta na capilaridade como um de seus diferenciais. O banco está presente em todos os municípios brasileiros e, segundo Guimarães, ter uma rede física ainda é muito importante para atender a população que não tem acesso à internet e ainda não tem familiaridade com o digital.
O presidente da Caixa afirma que o intervalo de um mês imposto entre o recebimento das parcelas do auxílio e a permissão para saque em dinheiro acabou servindo como um “treino” para quem nunca havia feito uma transação digital. Isso porque, nesse período, só era possível fazer pagamentos de forma eletrônica, por meio do aplicativo. “Muita gente conseguiu criar o costume de uso”.
Esse treino, porém, também é visto no mercado como um possível trampolim para outros serviços. Clientes que aprenderam a usar o Caixa Tem, mas tiveram problemas com o aplicativo (não faltaram relatos de travamentos e dificuldades de uso), poderiam migrar para outras fintechs, nas apostas de alguns executivos do setor.
Para o preposto esnobe, a realidade é outra. Há uma grande parcela da população, diz ele, que não interessa às fintechs e que vai continuar recebendo benefícios sociais por meio da Caixa mesmo depois do auxílio emergencial. “Uma coisa é o banco digital da Faria Lima. Outra é o de Pacaraima (RR). Nós estamos em Pacaraima.”
Disputa pelos “pobres”?! publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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