Não houve melhora no emprego industrial, o déficit comercial industrial aumentou e a renda real do consumidor tem caído, pois passou também a arcar com os custos das tarifas de importação. Nem Trump nem seus assessores tinham a mínima ideia de como conduzir uma guerra comercial contra a China.
J. Bradford DeLong, ex-vice-secretário assistente do Tesouro dos EUA, é professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador associado do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Compartilho seu artigo (Valor, 30/10/2020)
Muita coisa estranha se ouve hoje em dia, especialmente porque “eles” (um termo complicado) têm provocado uma inundação de desinformação. Sem um conjunto compartilhado de fatos nos quais basear os debates éticos e econômicos, a democracia inevitavelmente desmorona. A virtude do sistema está em sua capacidade única de elevar e considerar uma ampla gama de ideias emanando da sociedade.
Perdemos, no entanto, uma das condições mais básicas para que esse processo funcione de forma adequada: uma esfera pública baseada na realidade. Embora sempre tenham existido divergências profundas, até intratáveis, no passado, as pessoas pelo menos falavam a respeito dos mesmos fatos. Era possível ver o debate entre Abraham Lincoln e Stephen Douglas e decidir quem era mais confiável e convincente sem ser assolado por uma onda de distorção e manipulação informativa.
Um caso de desinformação cada vez mais prevalecente sustenta os Estados Unidos terem se deparado com um conflito de escolha monumental no dia das eleições. Por um lado, votar em um democrata como presidente significaria os EUA não terem mais um governo para abduzar crianças e separar famílias permanentemente apenas porque tem poder para isso. Por outro, colocar os democratas no poder seria supostamente arriscado para a economia, porque o partido dos negócios escusos era o Republicano.
Ninguém é mais constrangedor para os EUA senão o presidente Donald Trump. O Partido Republicano não tem como reivindicar para si uma gestão econômica sólida.
Como mostraram os economistas Alan S. Blinder e Mark W. Watson, em estudo de 2015: a superioridade do desempenho econômico sob [governos] democratas em vez de republicanos é praticamente onipresente. Ele se sustenta quase independentemente de como você definir sucesso. Em vários aspectos, a diferença de desempenho é assustadoramente grande – tão grande, na verdade, que custa a crer.
Em termos do Produto Interno Bruto (PIB) real anualizado (ajustado pela inflação), por exemplo, Blinder e Watson concluem os democratas superarem os republicanos em “1,8 ponto percentual nos dados do pós-guerra cobrindo 16 mandatos presidenciais completos – de Truman a Obama”.
Se essa análise fosse estendida às eras de Hoover e Franklin D. Rossevelt, a diferença cresceria para cerca de 3 pontos percentuais por ano. Também vale notar, contudo, que, antes da crise da covid-19, Trump presidiu um crescimento atipicamente forte (para um governo republicano) durante seus primeiros três anos, quando a economia dos EUA igualou a expansão média anual de 2,4% atingida durante o segundo mandato de Obama.
Blinder e Watson dizem não saber explicar a causa dessa diferença. Levantam a hipótese dos papéis desempenhados por:
maior investimento em bens de capital,
maior otimismo do consumidor (e, portanto, maiores gastos em bens duráveis),
menos choques desfavoráveis do petróleo e
maior crescimento no exterior.
Esses fatores, porém, explicam menos da metade da diferença. E não, a resposta não é porque os democratas, ao contrário dos republicanos, tendem a ter políticas mais inflacionárias. Eles “pegam emprestado” crescimento das gerações futuras.
Quando me deparei pela primeira vez com o estudo de Blinder e Watson, suspeitei o fator petróleo fosse a questão-chave. Os governos republicanos de George H. W. Bush e, depois de George W. Bush, assim como os de Richard Nixon e Gerald Ford, com Henry Kissinger como secretário de Estado, mostraram-se altamente desorientados sobre o que seria melhor para um crescimento de renda real nos EUA, se um preço alto para o petróleo ou baixo.
Seja qual for o caso, a história dos EUA nos últimos 100 anos indica os republicanos simplesmente não terem ideia de quais políticas econômicas têm chance de funcionar bem em qualquer determinado período. Nos anos 2000, por exemplo, parece nunca ter passado pela cabeça de Bush ou de seus assessores que a falta de regulamentação poderia produzir uma crise financeira catastrófica.
Nos anos 80, parece nunca ter ocorrido a Ronald Reagan nem a seus assessores que criar déficits gigantescos nos orçamento federal levaria ao colapso dos investimentos ou a um aumento proporcional na captação externa. Foi nesse momento quando os EUA começaram a importar volumes muito maiores de bens industrializados transformando, assim, a base industrial do Meio-Oeste no “Cinturão da Ferrugem”.
Por fim, parece que nunca passou pela cabeça de Nixon e seus assessores as taxas de juros baixas combinadas a controles de preços e salários poderem manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos.
Em vista desses erros, Trump fez jus ao passado. Depois de chamar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês) de o pior acordo comercial na história dos EUA e a Parceria Transpacífico (TPP) de o segundo pior, seu governo meramente adicionou ao Nafta várias provisões da TPP, deu-lhe um novo nome e declarou que os EUA eram “grandes de novo”. Trump também iniciou uma guerra comercial total contra a China, prometendo que seria “boa e fácil de vencer”.
O que essas políticas conseguiram? Não houve melhora no emprego industrial nos EUA, o déficit comercial industrial aumentou e a renda real dos consumidores nos EUA tem caído, agora que estão arcando com os custos das tarifas de importação. Claramente, nem Trump nem seus assessores têm a mínima ideia de como conduzir uma guerra comercial.
Isso não deveria ser surpresa para ninguém. Os governos republicanos vêm fracassando na elaboração de políticas econômicas desde, pelo menos, os anos 20. A única escolha no dia das eleições tinha de ser entre
- a continuação da incompetência gritante ou
- a volta a uma gestão econômica sólida.
Tragédia Econômica do Populismo de Direita publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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