quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Brasil à Venda

O governo com gestão privada não trata a “coisa pública” com a devida impessoalidade. Ele só sabe propor privatização, até de Universidade Pública e da Saúde Pública (SUS)!

Luiz Maciel (Valor, 29/10/2020) informa: após a súbita queda no consumo em março e abril, quando a pandemia de covid-19 se tornou uma emergência mundial e paralisou os negócios, o mercado de petróleo e gás segue em recuperação, embora ainda distante dos níveis de 2019. De abril a outubro deste ano, a cotação internacional do barril de petróleo subiu mês a mês, passando de US$ 23 – seu valor mais baixo em muitos anos – para os atuais US$ 42. Em relação ao preço médio da commodity em 2019, porém, em torno de US$ 65, há ainda muita distância — e ninguém se arrisca a dizer quando essa distância será percorrida, se é que será.

No Brasil, dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) indicam: o consumo de diesel, em relação aos mesmos meses do ano passado, caiu 14% em abril, 9% em maio e só iniciou a recuperação em junho e julho, com 1% de crescimento em cada um desses meses – em agosto, recuou 2%. Com a gasolina, muito mais usada em carros de passeio, o tombo foi bem maior: quedas de 28% em abril, 20% em maio, 8% em junho, 8% em julho e 10% em agosto.

O consumo geral de gás também continua abaixo do registrado em 2019, segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, a Abegás. Da mesma forma como ocorreu com o petróleo e derivados, a demanda por gás caiu bruscamente em abril e maio e foi se recuperando lentamente, à medida que as atividades econômicas foram reabrindo.

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Plataforma da Petrobras: produção pode ultrapassar 3,5 milhões de barris/dia em dezembro de 2022

Em julho, puxado pela retomada industrial, o consumo de gás foi 1,2% maior do que o de junho, mas ainda 14,3% menor do que o apurado em julho de 2019. O fornecimento de gás para residências foi uma exceção nesse quadro, também por causa da pandemia: com as famílias isoladas em casa, o consumo residencial aumentou 16,1% no período de janeiro a julho de 2020, em relação ao mesmo período do ano passado.

No caso do diesel, a queda no consumo só não foi maior por causa do e-commerce, nota Paula Arantes, da consultoria de logística e supply chain Ilos. “Com as pessoas saindo menos de casa, o comércio pela internet explodiu, aumentando o consumo de diesel nas entregas urbanas, uma operação que não era tão representativa anteriormente”, afirma. A produção agrícola, fortemente dependente do diesel, também contribuiu para que o impacto da pandemia não fosse tão acentuado no uso desse combustível, aponta Paula.

De acordo com a Associação Brasileira do Comércio Eletrônico, a ABComm, nos primeiros oito meses de 2020 as vendas pela internet somaram R$ 41,92 bilhões, um movimento 56,8% superior ao registrado no mesmo período de 2019. Com a reabertura do comércio de rua, esse índice tende a cair nos últimos quatro meses do ano, mas a entidade espera encerrar 2020 com um crescimento acumulado de 30% nas vendas – quase o dobro do que previa em janeiro. Na contramão dessa tendência, os deslocamentos em carros de passeio foram reduzidos, derrubando o consumo de gasolina – os gastos com os aplicativos de transporte Uber e 99 caíram 27,78% entre janeiro e setembro, por exemplo, segundo pesquisa com 47 mil usuários feita pela Mobills, startup de gestão de finanças pessoais.

A pandemia obrigou a Petrobras a reduzir para a faixa de US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões a previsão de investimentos no quinquênio de 2021 e 2025 (o plano de negócios anterior indicava US$ 64 bilhões entre 2020 e 2024), mas não interferiu no ritmo de crescimento da companhia na exploração e produção de petróleo e gás. A empresa responde por cerca de 75% da produção de petróleo e gás no país, índice que chega a 93% (no caso do petróleo) e a 95% (no do gás) quando se contabilizam os consórcios operados pela Petrobras.

No relatório de desempenho que acaba de divulgar, a Petrobras informa a produção de 2,9 milhões de barris/dia no terceiro trimestre, ante as médias de 2,75 milhões de barris/dia no segundo trimestre, 2,79 milhões de barris/dia no primeiro trimestre e 2,77 milhões em 2019. Essa evolução está em linha com recente estudo do grupo financeiro Goldman Sachs, segundo o qual a produção de petróleo pela estatal brasileira deve ficar próxima dos 3,3 milhões de barris/dia já no ano que vem e ultrapassar os 3,5 milhões em dezembro de 2022.

O que impulsiona esse crescimento é o pré-sal, cuja importância na produção de petróleo e gás no país aumenta a cada ano, conforme novas áreas para exploração em águas profundas são concedidas e novos poços entram em operação – 62,3% do petróleo e 57,9% do gás produzidos no país em 2019 saíram dessas reservas em alto mar.

Dos poços em produção no pré-sal, quatro fincados no campo de Búzios respondem, sozinhos, por 20% da produção brasileira de óleo e gás. “É a área mais produtiva no mundo, de onde se retiram 600 mil barris por dia. Vai chegar a 2 milhões de barris”.

O pré-sal deu ao Brasil a esperada autonomia nesse setor da economia, produzindo um excedente de petróleo bem superior ao volume que ainda precisa importar, ao mesmo tempo em que reduz progressivamente as necessidades de importação de gás. Em 2019, o país exportou o equivalente a 427,7 milhões de barris de petróleo e importou 69,1 milhões de barris. Produziu 49,7 bilhões de metros cúbicos de gás e importou 9,9 bilhões de metros cúbicos, a maior originária da Bolívia.

Nos últimos dez anos, a produção nacional de gás praticamente dobrou, segundo dados da ANP, e ao cabo de mais alguns anos garantirá a nossa autossuficiência.

Até quando o mundo continuará tão dependente do fornecimento de petróleo e gás? Como se tratam de recursos finitos e responsáveis por emissões de carbono prejudiciais ao ambiente, a substituição dessas fontes energéticas por outras de origem renovável é cada vez mais premente – mas segue sendo um grande desafio.

A participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial ainda é grande demais: chega a 81,1% segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Em 2019, o petróleo respondeu por 31,9% da geração de energia global, seguido pelo carvão (27,1%), gás (22,1%), biomassa (9,8%), energia nuclear (4,9%), hidrelétrica (2,5%) e outras fontes (1,6%, incluindo solar e eólica).

No Brasil, o peso dessas fontes não renováveis é menor, mais ainda substancial: 55,1% (36,4% do petróleo, 13% do gás e 5,7% do carvão mineral). Mais sustentável, a matriz energética do país inclui os biocombustíveis (17%, com clara predominância do etanol), energia hidrelétrica (12%), lenha e carvão vegetal (8%), energia nuclear (1,4%) e fontes revonáveis diversas (5,9%).

Ao menos no Brasil, e mais no mundo, principalmente na Ásia, os combustíveis fósseis continuarão movendo as máquinas por décadas. As petroleiras olham para o futuro e se preparam para atuar com outras fontes de energia, mas não tiram o pé da exploração e produção do petróleo e do gás, porque o mercado pede isso.

O pré-sal representa para a Petrobras – junto com o seu programa de desinvestimento, que continuará vendendo negócios que não fazem parte do core da empresa – a redução de sua dívida dolarizada (crescente em reais), a recuperação da capacidade de investimento e até mesmo um papel protagonista na transição para a era da energia sustentável. Um estudo da British Petroleum (BP), publicado agora em setembro, prevê que o Brasil chegará ao patamar de 5 milhões de barris/dia em 2030, e com reservas suficientes para manter esse nível de produção pelo menos por mais duas décadas.

“O Brasil tem um enorme potencial para desenvolvimento da exploração e produção de petróleo e gás, especialmente em águas profundas e ultraprofundas”, reforça Clarissa Lins, presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), que reúne as petroleiras que atuam no país. “Por isso é fundamental ter um ambiente de negócios seguro, previsível e estável, capaz de atrair investimentos vultosos de forma competitiva. Não custa lembrar que o Brasil compete com vários outros países na atração de tais recursos, tendo, portanto, que garantir que sua competitividade não seja erodida”, afirma.

A abertura à participação de empresas estrangeiras na exploração de petróleo e gás, fundamental para acelerar a produção brasileira, está para ser reforçada com a provável aprovação da Nova Lei do Gás, que já passou pela Câmara e está em análise no Senado. Em linhas gerais, a lei favorece a concorrência ao estimular a entrada de novos atores, permitir a utilização da rede de gasodutos por terceiros e simplificar as regras para a construção de novas instalações. Os mais otimistas preveem investimentos da ordem de R$ 43 bilhões, redução de até 40% no preço ao consumidor e a criação de 33 mil novos empregos em dez anos.

A francesa Engie, maior geradora privada de eletricidade no país, não esperou pela nova lei: em 2019, ao decidir entrar no mercado de gás, investiu R$ 33 bilhões no controle (65% das ações) da TAG, levando junto a mais extensa malha de transporte de gás natural do Brasil. “Nosso objetivo é expandir os investimentos em infraestrutura e em outros serviços, tais como armazenamento – um segmento que tende a crescer – e biogás, que já estamos estudando”, revela Maurício Bahr, CEO da Engie Brasil.

O executivo destaca o papel do gás natural como o combustível da transição energética, por ser complementar às fontes renováveis que não geram energia o tempo todo, como a solar e a eólica. “O uso do gás dá essa necessária estabilidade e complementariedade ao sistema elétrico. Por esses motivos, acreditamos que há espaço para uma pluralidade de fontes, cada uma com as suas vantagens”, nota Bahr. “Hoje o gás é um dos pilares da estratégia global da Engie. Nosso propósito é agir para acelerar a transição para um mundo neutro em carbono, através do consumo reduzido de energia e de soluções mais sustentáveis, conciliando performance com um impacto positivo sobre as pessoas e o planeta”, afirma.

Brasil à Venda publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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