quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Submissão Infrutífera

John Paul Rathbone (Financial Times 05/11/2020) informa: ao longo de seus quatro anos no cargo, o presidente Donald Trump os chamou de “hombres maus”, “traficantes de drogas, criminosos e estupradores”, em uma torrente de insultos aos latinos.

Mesmo assim, ele melhorou seu desempenho entre os eleitores latinos, homens e mulheres, o que quase lhe rendeu o Arizona, garantiu-lhe o Texas e, mais importante, deu-lhe a vitória na Flórida, o que tornou a eleição uma disputa dramática. Como ele conseguiu isso?

Apesar de toda a sua diversidade, os latinos têm em comum certos traços culturais conservadores, como a importância que dão à família, à língua, à igreja e ao trabalho. George W. Bush explorou isso quando falou em espanhol e enfatizou questões como a fé em sua campanha eleitoral de 2000.

Para entender porque Trump conquistou mais eleitores latinos em 2020 do que em 2016 – ele ampliou seu resultado em 2 pontos percentuais nacionalmente, e em 15 pontos na Flórida – convém recapitular seu comício em Doral (Flórida), no fim de setembro.

Para um público de cubanos, nicaraguenses e venezuelanos da Flórida, todos fugidos de ditaduras socialistas, o presidente enfatizou um ponto simples: a suposta ameaça socialista do “castro-chavismo”. Trump mirou no mandato de Joe Biden como vice-presidente para apontar que “ele se encontrou com Maduro [da Venezuela]”, o que provocou vaias. O ex-presidente Barack Obama também “traiu o povo cubano e enriqueceu o regime de Castro”.

Sua mensagem contrasta com a de democratas como Alexandria Ocasio-Cortez, que adere ao rótulo “socialista democrático”. Isso também reverberou entre exilados em busca de novas vidas nos EUA, no lado melhor do “muro” de Trump. Votar no presidente teve o significado de “abandonar o país miserável que você deixou para trás [e] comprar a falsa imagem do magnata dos negócios como a salvação capitalista”, diz Michael Bustamante, da Florida International University. “A campanha de Biden nunca respondeu de forma efetiva às acusações de ‘socialismo’.”

Atitudes com relação a raça podem ter sido outro fator, pois as pesquisas sugerem que a maioria dos latinos não se identifica como sendo de cor. Bustamante acrescenta que, na esteira da morte de George Floyd, “as teorias da conspiração que ligavam o movimento Black Lives Matter [vidas negras importam] a uma vanguarda comunista mundial provocaram uma resposta a favor da ‘lei e da ordem’ especialmente virulenta”.

Obviamente, esses fatores têm menos força em outras comunidades latinas com histórias diferentes. Na Flórida, 47% dos latinos votaram nos republicanos, segundo as pesquisas, mas esse número caiu para 21% na Califórnia, onde a maioria dos latinos é mexicana.

Guerras culturais e socialismo não foram os únicos motivos a dar a vitória a Trump na Flórida. O presidente se aliou a uma poderosa máquina republicana, construída durante os anos Ronald Reagan e comandada pelo senador Marco Rubio, que antes se opunha a ele. Trump fez um trabalho de campo melhor, com comícios e caravanas.

Seu sucesso em Miami — uma cidade atingida duramente pela covid-19 e vulnerável às mudanças climáticas — é um alerta aos democratas sobre seu fracasso em atrair os eleitores latinos. “Os democratas nunca encontraram uma maneira de falar com os cubanos como os republicanos, ligando-os a uma batalha geopolítica maior”, disse Guillermo Grenier, da Florida International University.

Mais existencialmente, o sucesso de Trump levanta a questão de por que os emigrados latinos votam no mesmo autoritarismo de um homem forte de que fugiram. Minha conclusão, depois de ter crescido entre exilados cubanos e com meu filho que nasceu na Venezuela, é que os EUA, em sua divisão política e sua enorme desigualdade social, estão se tornando mais latino-americanos também.

Submissão Infrutífera publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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