quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Taxa de Juro Real Negativa e Disparada da Cotação do Dólar e Ouro

Hugo Passarelli (Valor, 09/11/2020) informa: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de outubro de 2020 subiu 0,86%. Isto confirmou pressões mais disseminadas no curto prazo além do grupo de alimentos. Também há sinais de alerta com a alta de preços no atacado. Ela deve chegar aos consumidores nos próximos meses.

No entanto, parte de O Mercado, submisso à propaganda enganosa do ex-banqueiro de negócios inerte no cargo de ministro de Economia, ainda reza para a inflação ficar perto da meta de 3,75% em 2021. Está crente a ociosidade da economia poder manter controlada a trajetória dos preços se o risco fiscal for contido. É a mesma ladainha neoliberal de sempre: a estupidez de fazer ajuste fiscal em Grande Depressão, quando a renda e, em consequência, a arrecadação fiscal cai em termos reais.

Após deflação em abril e maio e leituras fracas até agosto, o IPCA voltou a acelerar em setembro e outubro, refletindo choques simultâneos de demanda e oferta. Isso porque consumidores voltaram às compras com a reabertura de parte dos serviços e a ajuda do auxílio emergencial. O grupo alimentação no domicílio subiu 2,6% em outubro, um número alto, mas abaixo dos 2,9% do IPCA de setembro. Em 12 meses, a inflação de alimentos em casa foi de 15,4% para 18,4%.

No setor produtivo, executivos de diferentes setores relatam com frequência a escassez de produtos devido aos gargalos introduzidos pela pandemia. Logo, as pressões inflacionárias serão sentidas até o primeiro trimestre do ano que vem. Em 12 meses, o IPCA acelerou de 3,14% para 3,92% em outubro de 2020, perto da meta perseguida pelo Banco Central (BC) neste ano, de 4%.

Nesse contexto, s bens industriais aceleraram para 1,02% em outubro, de 0,59% em setembro, também em razão da desvalorização do real. No acumulado em 12 meses, a inflação de produtos industriais no IPCA subiu de 0,80% até agosto para 1,9% até outubro. Já os preços dos serviços também subiram, de 0,17% para 0,55%. O índice de difusão, que mostra o percentual de itens em alta, passou de 63,4% em setembro para 68,2% em outubro, acima da média histórica de 61,3%, segundo a MCM Consultores Associados.

Em novembro, porém, já é esperada alguma descompressão do IPCA, com alta estimada em torno de 0,4% por alguns ilusionistas.

Há projeção de inflação em 2020 de 3,2%, por causa da elevação de expectativas sobre os preços de despesas pessoais, artigos de residência e vestuário. Para 2021, a consultoria manteve projeção de alta de 3,6%.

Apesar da visão recente mais altista para os preços, a LCA reconhece: o fim do auxílio emergencial diminuirá a massa de rendimentos, e a diminuta recuperação do mercado de trabalho, sobretudo no setor de serviços, contribuirão para mitigar reajustes. Por isso, a inflação de 2021 ainda deverá ficar abaixo do centro da meta para o período, de 3,75%.

A inflação maior entre 2020 e 2021 é explicada por uma aceleração dos serviços, com relaxamento das restrições de circulação, e dos preços monitorados, diz a LCA. O grupo de alimentação e bebidas, uma das fontes recentes de pressão, deve só desacelerar o ritmo de alta, ainda sem observar queda. Não espera devolução dos preços agropecuários no atacado em seu conjunto, mas sim moderação em 2021. Poderá ter pressões via o fenômeno climático La Niña e pela demanda firme global ligada à superação (ainda que gradual) da pandemia.

Também na sexta-feira, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), que acelerou de 3,3% em setembro para 3,68% em outubro, com peso das matérias-primas brutas, o que sugere contágio para as cadeias de produção. Em 12 meses, o IGP-DI acumula alta de 22,12%, a maior nessa base de comparação desde os 24,14% de julho de 2003. As matérias- primas brutas subiram 64,08% nos 12 meses até outubro.

De todo modo, a aceleração da inflação no segundo semestre e com provável arrasto para 2021 não deve exigir ação do BC na taxa de juros. O preposto do ministro argumenta com base na ociosidade muito grande na economia, seja mensurada pelo hiato do produto ou pelo desemprego.

A deterioração do quadro fiscal é, hoje, o que poderia tornar mais duradouras as pressões inflacionárias de curto prazo, diz obviamente o diretor do departamento de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs. “O não atendimento das preocupações com a sustentabilidade fiscal de médio prazo pode gerar pressões sobre a conta de capital, desancorar a moeda e as expectativas de inflação e, por meio desses canais, contribuir para deteriorar o que até agora tem sido um cenário de inflação bastante benigno.” Argh

Além do estrago feito nos aluguéis, a disparada do IGP-M está impondo um custo maior na dívida pública. De janeiro a setembro deste ano, o gasto com encargos (juro e correção pela inflação) na parcela do endividamento bruto atrelado ao IGP-M dobrou em relação a igual período do ano passado, atingindo a marca de R$ 20 bilhões. O volume já supera o registrado em todo ano passado.

O governo não emite mais a NTN-C (título em mercado atrelado ao IGP-M) desde 2006. Mas ainda faz algumas emissões diretas atreladas a esse índice no âmbito do FIES (financiamento estudantil). De qualquer forma, a parcela dos papéis ligados ao IGP-M na dívida bruta é pequena: 1,7%. Em setembro, só o estoque de NTN-C na dívida interna era de R$ 99 bilhões, com a maior parte (R$ 59 bilhões) vencendo só em 2031, e o restante, no ano que vem.

Apesar de o IGP ser pouco representativo no total da dívida, o movimento de alta nos encargos chama a atenção. Esse indicador de inflação acumulou alta de 14,4% no ano até setembro. Ele sofre muita influência da taxa de câmbio. Esta teve forte desvalorização, neste ano, e se reflete nos preços no atacado, antes de eles chegarem ao consumidor final.

Procurado, o Tesouro destacou: em “termos reais”, ou seja, descontando a inflação, os encargos desses títulos foram menores neste ano do que em 2019.

Apesar da disparada do IGP-M, os encargos da dívida atrelada à inflação de forma geral cresceram pouco neste ano. Isso se deve ao fato de que a maior parte dela está vinculada ao IPCA. Antes, o acumulado do ano até setembro estava ainda bem comportado, com alta de apenas 1,34%. Esses papéis vinculados à inflação ao consumidor tiveram recuo em seus encargos de quase R$ 9 bilhões, de janeiro a setembro, totalizando R$ 62,9 bilhões no período.

Mas nos últimos três meses (julho, agosto e setembro) essa conta de despesas com juros ficou superior a iguais meses do ano passado, já refletindo as surpresas negativas do IPCA. Só nesse período, o gasto com juro na dívida atrelada ao índice oficial de inflação foi R$ 6,4 bilhões maior.

O repique inflacionário tem, além do aumento nos encargos decorrentes da indexação, outro impacto negativo na dívida. Isso ocorre porque, com as altas de preços acima do esperado, os investidores cobram mais prêmios para adquirir títulos públicos.

Esse efeito ajuda explicar a maior “inclinação da curva de juros”, jargão econômico para explicar taxas mais elevadas nos diferentes prazos de vencimentos dos títulos. “O fato de a inflação ter subido afeta a inclinação porque, à medida que a inflação surpreende para cima, espera-se ajuste na política monetária no futuro”. O juro básico no Brasil está abaixo do que deveria.

Contudo, o principal motivo para as taxas mais elevadas nos títulos de médio e longo prazos é a incerteza fiscal. “Um juro real cada vez mais negativo não é condizente com situação fiscal do país”, afirmou o economista neoliberal.

Outro neoliberal, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, disse: o custo maior da dívida na parcela atrelada ao IGP-M reflete a conjuntura macroeconômicas negativa, com muita instabilidade. O BCB está deixando a inflação acelerar, por causa da taxa de câmbio. É uma situação preocupante, pois aumenta o custo da dívida nessa parcela, embora o custo total da dívida em uma trajetória mais longa esteja caindo.

Ele também chamou a atenção para a questão fiscal como elemento necessário para reduzir o custo de novas emissões de dívida. É preciso avançar na construção do Orçamento de 2021, ainda incerto, com medidas para “apagar o incêndio” e viabilizar o teto de gastos para o próximo ano. “É preciso dar uma sinalização de médio prazo, está faltando saber qual o horizonte de sustentabilidade da dívida e quais instrumentos serão usados para isso.”

Além do impacto na dívida, a alta recente da inflação promete fazer outro estrago para o governo. Com as recorrentes surpresas negativas, os preços mais altos devem levar também a uma elevação na despesa primária obrigatória mais relevante: a Previdência. Isso porque o INPC (índice de preços ao consumidor que referencia esses benefícios) estimado no projeto de Orçamento enviado em agosto será revisto para cima em pelo menos um ponto percentual – hoje está previsto em 2,4% para 2020.

Essa revisão pode significar cerca de R$ 12 bilhões a mais de despesas. Além de significar mais aumento na dívida, isso será um dificultador para a gestão pública. Com o teto de gastos outras despesas precisarão ser cortadas na mesma magnitude para o limite constitucional não ser estourado — e o lastro da riqueza financeira (títulos de dívida pública) não sofrer abuso.

Taxa de Juro Real Negativa e Disparada da Cotação do Dólar e Ouro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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