A recessão provocada pela pandemia de covid-19 vai reduzir o nível da renda per-capita no Brasil se comparada à da maioria dos países, mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), com base nas projeções mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI).
De acordo com o levantamento, o PIB per capita brasileiro – divisão do Produto Interno Bruto (PIB) pela população total – deve recuar para US$ 13.602 neste ano, 5,9% abaixo do ano passado. O valor leva em conta o critério de paridade de poder de compra (PPP, na sigla em inglês).
O resultado será pior do que 63% dos 192 países com previsões de PIB per capita acompanhados pelo FMI. Apesar disso, a posição do país no ranking global de PIB per capita pouco vai se alterar, passando da 87a posição em 2019 para 85a posição em 2020 entre 192 países.
A queda prevista para o PIB per capita brasileiro será mais intensa comparada às dos países emergentes como Rússia (-5,3%) e Colômbia (-3,3%), por exemplo. Outras economias podem mesmo crescer a renda per capita como China (+0,9%) e Índia (+0,5%).
O quadro se revela mais dramático sobretudo nos países desenvolvidos mais afetados pelo coronavírus. Projeções do FMI analisadas pelo pesquisador apontam para recuo mais intenso do PIB per capita da Itália (-8,9%), Espanha (-8,4%) e Estados Unidos (-6,4%).
Bruno Villas Bôas (Valor, 03/06/2020) informa: um terço das famílias das classes A e B solicitou o auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal nos últimos meses – e 69% foram aprovadas para receber o benefício. Isso significa 3,89 milhões de famílias mais ricas terem algum integrante recebendo a ajuda criada para apoiar trabalhadores pobres na pandemia.
A conclusão é de uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva. Ela ouviu 2.006 pessoas de 72 cidades de todo o país, no período de 20 a 25 de maio, uma amostra considerada representativa da população nacional. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
O auxílio emergencial é pago pela União para apoiar trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI) e desempregados (que não recebem seguro-desemprego). Para ser aprovado, é preciso ter uma renda per capita de até R$ 522,50 mensais ou renda familiar de até R$ 3.135 (três salários mínimos).
Para burlar as regras do programa e obter o benefício, integrantes dessas famílias de classes mais altas estão omitindo a renda familiar no cadastro no site da Caixa Econômica Federal. São esposas de empresários, jovens de famílias de classe média e servidores aposentados, mostram denúncias feitas nas últimas semanas.
Renato Meirelles, fundador e presidente do Instituto Locomotiva, realizou pesquisas qualitativas com integrantes dessas famílias de maior renda (mais de R$ 1.780 por pessoa por mês) que solicitaram o auxílio emergencial. Segundo ele, esses indivíduos não se consideram fraudadores do programa por diferentes motivos.
“O argumento, em geral, é algo do tipo: ‘Sempre paguei impostos e nunca tive nada em troca do governo’. Ou ainda que ‘a crise está difícil para todo mundo’. Essas pessoas de mau-caráter realmente acham ter o direito ao benefício por esses fatores. Não existe um sentimento de estarem cometendo fraude.
Solicitar e receber o auxílio emergencial com a declaração de informações falsas podem tipificar os crimes de falsidade ideológica e estelionato. Para o crime de falsidade ideológica, por exemplo, a pena varia de um a cinco anos de reclusão. Porém, a percepção de impunidade por essa “gente de bem” também é grande.
A pesquisa do Instituto Locomotiva mostra: as famílias das classes A e B também sofrem, claro, com a forte recessão econômica, provocada pelas medidas de enfrentamento da pandemia. Segundo a pesquisa, 55% das famílias das classes A e B relataram redução da renda por causa da crise econômica.
A sondagem mostra ainda: 36% dessas famílias de maior rendimento tiveram algum integrante com negócio fechado ou sem funcionar. Outros 18% relatam perda de emprego de alguém da família. E mais 8% tiveram que pegar dinheiro emprestado para enfrentar o pior período da pandemia.
Diferentemente das famílias mais pobres, porém, apenas 2% das classes A e B relataram falta de dinheiro para comprar alimentos e somente 3% falta de recursos para itens de higiene. Das famílias das classes A e B, 20% deixaram de pagar alguma conta por causa da pandemia.
A crise econômica atinge a todas as classes econômicas. Mas a questão é o que deve ser priorizado do recurso público. É um momento para oferecer apoio para a parcela da população mais vulnerável, mas o poder público mostrou muita dificuldade para fazer o dinheiro chegar a quem precisa.
Dados da Caixa Econômica Federal mostram: foram beneficiadas, até o fim de maio de 2020, 57,9 milhões de pessoas, com valores creditados de R$ 74,6 bilhões (incluindo a primeira e a segunda parcela).
Desse total, 19,2 milhões de pessoas estão no Bolsa Família e 10,5 milhões no Cadastro Único do governo federal.
Diante da maior recessão econômica da história republicana, a prorrogação do auxílio emergencial parece inevitável. Sua extensão, porém, é uma boa oportunidades para fechar brechas do programa, diz quem fiscaliza gastos realizados pelo setor público.
O problema é o governo federal ter diferentes bancos de dados e dificuldade para cruzá-los. É o caso de dados do Imposto de Renda da Receita Federal, de doações de campanhas eleitorais, de aposentados e pensionistas, de militares. Seria uma “colcha de retalhos”.
Os sistemas do governo aparentemente não conversam entre si. O governo precisa resolver uma coisas simples [?!]: o cruzamento com diversos bancos de dados. Como o auxílio era uma emergência, o governo correu para pagar e depois foi verificar quem realmente tinha que receber.
O governo descobriu que um doador de mais de R$ 10 mil das últimas eleições recebeu a ajuda emergencial. Enquanto no mundo debate-se a inteligência artificial em diversos processos de automação, no Brasil ainda estamos tentando cruzar cadastros.
No fim de maio, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) informou que o órgão apura pelo menos 160 mil possíveis irregularidades no pagamento do auxílio emergencial. Entre eles, 17 mil sócios de empresas.
Apesar das dificuldades de colocar o programa de pé, o benefício vem sendo elogiado por especialistas como uma ferramenta acertada para amortecer o aumento da pobreza durante a pandemia. Somente no trimestre móvel até abril deste ano, 4,9 milhões de pessoas perderam suas ocupações no país.
Segundo projeções do Banco Mundial, mais 5,7 milhões de brasileiros poderiam entrar para a pobreza extrema (renda per capita de US$ 1,90 por dia) somente neste ano sem as medidas adotadas pelo governo federal, incluindo a flexibilização da jornada de trabalho nas empresas.
Procurado, o Ministério da Cidadania, responsável pelo auxílio emergencial, informou, por meio de nota, os cidadãos a burlarem a legislação precisarão ressarcir os cofres públicos dos valores recebidos, além das sanções civis e penais. E que as ilegalidades são informadas para a Polícia Federal.
Mais da metade dos moradores de favelas brasileiras conseguiram receber o auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal usou o recurso para ajudar financeiramente familiares e amigos, mostra pesquisa do Instituto Data Favela, parceria do Instituto Locomotiva com a Central Única das Favelas (Cufa), obtida pelo Valor.
De acordo com a pesquisa, realizada de 19 a 22 de maio e que ouviu 3.561 pessoas em 72 cidades, 56% dos moradores das favelas que receberam a primeira parcela do auxílio destinar parte do dinheiro para familiares e amigos. O destino principal do recurso foi a compra de alimentos (95% dos beneficiados).
Nas favelas ninguém morre de fome se o vizinho está comendo. É o contraponto da falta de solidariedade de quem está fraudando o auxílio emergencial. A elite bolsonarista tem a aprender com um morador de favela.
Outros itens básicos estão nas prioridades de compra com o uso do auxílio do governo. É o caso de produtos de higiene (91% de citações), limpeza (90%), pagamento de contas básicas (80%) e remédios (77%). Neste último caso, as menções são mais frequentes no Norte (86%) e Nordeste (85%) do país.
A pesquisa mostra ainda: dois em cada três moradores das comunidades do país solicitaram o auxílio emergencial, dos quais 39% não tiveram o pedido aprovado. O elevado percentual de insucesso nas solicitações pode ter relação com dificuldade para preencher corretamente o formulário no site da Caixa Econômica Federal.
Segundo Celso Athayde, fundador da Cufa, existe ainda falta de informação sobre o programa e seus critérios de elegibilidade dentro das favelas. “Há quem acredite que só os previamente cadastrados em programas sociais têm direito ao auxílio, como o Minha Casa, Minha Vida, Cadastro Único de programas sociais”, explica.
De acordo com a pesquisa do Instituto Data Favela, as comunidades brasileiras têm cerca de 13 milhões de moradores. Da população com 16 anos ou mais, 54% vivem de empreitadas individuais, como autônomos ou microempreendedores. Somente 30% são formalizados, com CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), mostra a pesquisa.
Athayde diz: a situação social nas favelas, já historicamente grave, está mais preocupante. Dos moradores de comunidades, 34% declararam na pesquisa que a renda da família foi a zero. Outros 56% perderam metade ou mais da metade da renda da família. São manicures, camelôs e prestadores de serviços afetados pelo isolamento.
Por meio da Cufa, Athayde tem conseguido atenuar parte desse quadro. Segundo o balanço mais recente da organização, foram distribuídos até aqui cerca de R$ 100 milhões em alimentos e produtos nas comunidades de todo o país, além de 7,1 mil toneladas de cestas básicas pelo projeto “Mães da favela”. As doações foram recebidas de cerca de 160 empresas do país.
Em uma semana, a Cufa foi responsável pela distribuição de 30 mil botijões de 13 quilos de gás para as mães de favelas, doados pela empresa Supergasbras, do grupo SHV Energy. Segundo a companhia, a ação beneficioumais aproximadamente 120 mil pessoas de 174 comunidades. Em Vitória, a Cufa também distribuiu cerca de mil cestas básicas para comunidades da região.
Segundo Athayde, os moradores das favelas continuam saindo de casa para trabalhar – porteiros, frentistas, caixas de supermercado, entregadores. Apesar disso, ele reafirma que as favelas estão evitando o pior cenário em número de casos e mortes por causa da pandemia.
Na questão sanitária, a situação está mais complicada. O noticiário não tem mostrado, porque não há uma medição correta do número de casos, por falta de testes. Sendo assim, não se sabe se o quadro não se agravou como inicialmente se imaginava. Mas essa talvez seja a realidade não só das favelas, mas também de outros lugares do país.
Mau Caráter de “Gente de Bem”: ⅓ das Famílias das Classes AB publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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