Alex Ribeiro e Estevão Taiar (Valor, 01/06/2020) informam: o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quer convencer os investidores a olhar a dívida líquida do setor público como o principal termômetro da solvência fiscal do país, no lugar da dívida bruta do governo geral.
A dívida líquida é bem menor do que a dívida bruta, sobretudo porque abate as reservas internacionais dos passivos dos governos. Em abril de 2020, a dívida líquida fechou em 52,7% do Produto Interno Bruto (PIB), ao passo que a dívida bruta chegou ao valor recorde de 79,8% do PIB. Em abril, as reservas internacionais representavam um ativo equivalente a 24,9% do PIB.
Até uma década atrás, a dívida líquida era um indicador muito acompanhado pelos investidores, sobretudo os nacionais, entre outros motivos por ser mais abrangente do que a dívida bruta, já que inclui Estados, municípios, empresas estatais e o próprio Banco Central.
Mas esse indicador perdeu relevância principalmente no governo Dilma Rousseff. Os golpistas usaram como pretexto para romper com a democracia eleitoral brasileira ela fazer o que todos presidentes fizeram: um uso mais intensivo de políticas parafiscais por meio de bancos públicos.
A deterioração fiscal do período nao aparecia na dívida líquida, porque contabilmente os recursos injetados pelo Tesouro nos bancos públicos, para acelerar o crédito, sustentar o crescimento econômico e a arrecadação fiscal, são anulados por créditos do próprio Tesouro com os mesmos bancos. Isso não ocorre na dívida bruta.
Campos Neto vem argumentando dentro do governo e em eventos com investidores: depois de ter sido feita uma antecipação do pagamento ao Tesouro das operações parafiscais, iniciada no governo Temer, a dívida líquida voltou a ter a representatividade como termômetro de solvência fiscal. Um passo importante foi os bancos devolverem títulos públicos. Eles haviam sido injetados pelo Tesouro sob a forma de Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD). Em termos de PIB, representavam um percentual muito baixo.
“Eu tenho falado, batido nesse ponto, inclusive mesmo em debates com o ministro da Economia”, afirmou Campos Neto, em um recente evento do BTG Pactual. “O que a gente fez, já um pouco no governo Temer, mas acelerado neste governo, foi pagar todo o IHCD de volta. Aí sobram basicamente as reservas [como diferença entre a dívida bruta e líquida].”
O lado negativo da dívida bruta, argumenta ele, é ela ignorar as reservas internacionais, um ativo de qualidade e muito líquido. Para ele, é como olhar para o balanço de uma empresa apenas pelo lado dos passivos, sem considerar os ativos.
O endividamento público, porém, segue elevado mesmo pela ótica da dívida líquida, comparado com outros países emergentes. Ainda assim, fica mais distante do percentual de 80% do PIB que um estudo muito citado dos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff identificou com um gatilho para crises de solvência.
Em apresentação para investidores na sexta-feira, a diretora de Assuntos Internacionais do BCB, Fernanda Nechio, comparou a dívida líquida brasileira com as de outros emergentes. Ela usou um conceito diferente de dívida líquida, excluindo apenas as reservas internacionais da dívida bruta (a dívida líquida considera também outros ativos, como o FAT). Nessa base de comparação, o Brasil tem uma dívida líquida de 58% do PIB, acima do Chile (8%), Peru (11%), Colômbia (41%) e México (46%) e mais ou menos no mesmo patamar da África do Sul (55%).
O tamanho da dívida é importante, mas os investidores olham também a sua dinâmica, ou seja, se está crescendo ou caindo e com que velocidade. Entre os principais determinantes da dinâmica da dívida estão:
- o resultado primário do governo,
- as despesas com juros,
- o crescimento do PIB e
- as variações cambiais.
Os seguidos déficits primários do setor público são uma força a pressionar o endividamento tanto no conceito de dívida bruta como de dívida líquida.
A dinâmica da dívida líquida é influenciada positivamente pela depreciação cambial, porque aumenta o valor das reservas, quando expresso em reais. Uma alta de 1% na taxa de câmbio leva a uma queda de 0,17 ponto percentual do PIB na dívida líquida. No caso da dívida bruta, porém, ocorre o contrário: uma alta de 1% no dólar eleva a dívida em 0,1 ponto percentual do PIB.
Campos Neto fez um cálculo de cabeça rápido para estimar esse efeito na live do banco BTG Pactual. No começo da crise, as reservas respondiam por 20% do PIB. Como o dólar se valorizou cerca de 25%, a dívida líquida teve uma redução de 5% do PIB (as estatísticas do BC mostram, de forma mais precisa, um impacto positivo de 5,2 pontos do PIB de janeiro a abril).
Um estudo recente do BNP Paribas sobre dinâmica da dívida toca nesse ponto. “Nossa conclusão principal é, no caso do Brasil, não se poder simplesmente tomar o nível de dívida bruta como um indicador de dinâmica da dívida”, afirma o estudo. “Dado o nível reduzido de dívida externa e considerando o nível de reservas internacionais, uma depreciação cambial terá um impacto positivo na dinâmica da dívida.”
Depois do Golpe, Dívida Líquida em lugar da Dívida Bruta publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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