Francisco Góes (Valor, 09/06/2020) informa: no começo de fevereiro de 2020, quando ainda não havia registros oficiais de mortes pelo novo coronavírus no Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu R$ 22 bilhões em ações ordinárias de Petrobras na maior oferta do gênero no país em uma década. A operação contou com o envolvimento direto do Conselho de Administração do BNDES.
Hoje, olhada em retrospectiva, a transação é considerada por agentes de mercado como um “marco” da postura mais ativa adotada pelo novo colegiado do banco, sob comando do administrador de empresas Marcelo Serfaty.
De fevereiro para cá, o Conselho do BNDES e, particularmente, Serfaty se aprofundaram nas discussões sobre medidas de apoio do banco para superação da crise. Serfaty coordena, a pedido do ministro Paulo Guedes, de quem foi sócio no banco Pactual, o comitê de bancos públicos e privados a discutir medidas setoriais para empresas aéreas e para as indústrias automotiva e de energia elétrica. O banco anunciou novas ações de combate aos efeitos econômicos e sociais da covid-19.
A atuação proativa do Conselho, porém, tem suscitado questionamentos até que ponto o colegiado do BNDES não estaria ingressando na gestão executiva, na operação da Diretoria do banco propriamente dita, o que Serfaty e conselheiros negam. No limite, o debate coloca em questão quem realmente manda no BNDES.
Serfaty diz: a operação de Petrobras, pelo seu tamanho, exigiu o acompanhamento pelo Conselho de Administração. Foi formado um grupo à época, com participação de representantes dos comitês de auditoria e de risco do banco. Eles seguiram a operação até o fim.
“O objetivo foi zelar pelo melhor tratamento do patrimônio público”, diz Serfaty. Já a criação do sindicato de bancos, no apoio a setores em dificuldades, foi uma ideia que partiu do próprio Serfaty e que terminou delegada por Guedes ao presidente do Conselho do BNDES.
Serfaty diz que a atuação dele no comitê de bancos está amparada pelo artigo 16 do estatuto social do BNDES. Ele prevê o Conselho opinar, quando solicitado pelo ministro da Fazenda, sobre questões envolvendo o desenvolvimento econômico e social do país.
Entre técnicos do banco, existe o reconhecimento de Serfaty ter imprimido novo ritmo ao Conselho do BNDES, aproveitando sua experiência de banqueiro de investimentos e trazendo pessoas qualificadas para o colegiado. Tem 11 assentos, dois dos quais estão vagos.
Mas há também preocupações de que, em alguns casos, o Conselho parece “avançar o sinal” no que hoje se considera boa governança, com limites definidos para a atuação da diretoria e do Conselho. Para Serfaty, a percepção de que haveria interferência é errada e resulta de visão de passado em que os conselhos do banco eram menos atuantes. “Causa impressão ter um Conselho de verdade”, diz ele.
A discussão se insere em um quadro mais amplo sobre o papel dos Conselhos de Administração das empresas na pandemia. O objetivo central de um Conselho é definir a política estratégica da companhia, seja ela pública ou privada, o que implica pensar médio e longo prazos.
Mas antes mesmo da crise os conselheiros vinham dedicando boa parte de seu tempo a tratar de temas da gestão das empresas, como mostra recente pesquisa feita pela consultora Sandra Guerra. Com a pandemia, essa tendência de o Conselho participar mais de temas da diretoria parece ter se exacerbado.
Além das reuniões ordinárias, Conselhos de empresas foram obrigados a fazer encontros extraodinários; os temas se multiplicam e o trabalho dos conselheiros também. Henrique Luz, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), diz que o princípio da governança “nose in, fingers out”, em livre tradução nariz para dentro, dedos para fora, continua válido. O ditado se refere aos limites da boa governança segundo os quais o Conselho participa da estratégia, mas a gestão do dia a dia cabe à diretoria da empresa.
“Com a covid, todos os agentes, diretoria e conselhos, estão irmanados, não para o conselho atuar na gestão, mas para ajudar”, diz Luz.
No BNDES, a discussão pode ser vista por diferentes lentes. Uma delas é sobre onde está o lugar de poder no banco. Há quem entenda o atual Conselho de Administração tem um poder inédito de interferência nas questões da diretoria, chancelado pela proximidade de Serfaty com Guedes.
A hipótese é descartada por um assessor de Gustavo Montezano, o presidente do BNDES. Ele vê cada instância de decisão – diretoria e conselho – com seu “locus” próprio de poder. “Há respeito entre ambos”, disse o assessor.
Outra forma de ver o assunto é por meio da comparação do atual colegiado com conselhos do BNDES em outros governos, algo destacado pelos conselheiros no cargo. O argumento é hoje o colegiado atuar como conselho “de verdade”, discutindo os assuntos de forma técnica e em profundidade.
A comparação, a priori, pode ser tomada com reserva dada a tendência, no governo Bolsonaro, de imprimir forte carga ideológica em muitos assuntos da administração pública. Seria assim, também neste caso, uma maneira de marcar diferença em relação a outros governos, especialmente os do PT, reiteradamente acusados pelo presidente Bolsonaro de serem ideológicos.
É preciso considerar, no entanto, a governança ser um processo contínuo. E também há de se reconhecer o BNDES estar evoluindo nos temas de governança, como deixa claro Walter Baere, segundo conselheiro mais antigo no conselho do BNDES depois de William Saab, representante dos empregados. Baere diz no passado ter havido Conselhos no banco formados, em sua maioria, por ministros. Eles se reuniam trimestralmente para “conversar”. “Não havia divulgação de atas: à medida em que o banco se torna mais transparente os mecanismos de compliance [conformidade] se tornam mais efetivos”, diz Baere.
Heloisa Bedicks foi diretora-geral do IBGC por 18 anos. Ela só aceitou o convite para ocupar assento no conselho do BNDES quando teve a garantia que não seria um colegiado “pró-forma”. “Queremos um Conselho que atue nas suas funções, sem interferir na gestão”, diz. O que os conselheiros têm solicitado, afirma, é serem informados sobre tudo que acontece no banco. “Mas há chinese wall [separação] entre Conselho e Diretoria”, afirma.
Estrutura de Poder no BNDES: Quem manda no Banco? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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