The Economist (20 de novembro de 2019) informa: a Web Summit anual em Lisboa a cada ano é Woodstock para geeks. Em três dias de novembro, 70.000 fãs e investidores de tecnologia se reúnem em população do tamanho de uma cidade pequena. Tal como estrelas do rock, o chefe da Wikipedia ou o presidente da Huawei desfilam no palco principal. Em outros lugares, as pessoas fazem fila para comprar jeans impressos em 3D ou assistem a lançamentos de startups. Gerentes de dinheiro anunciam rodadas deslumbrantes de financiamento. Os participantes do painel preveem um futuro sem dinheiro, enquanto contemplam uma enorme bola de cristal. Um magnata do cartão de crédito prepara macaroons da cor da empresa.
No entanto, o hype esconde um crescente nervosismo entre os participantes de fintech. Depois de anos de timidez, a Big Tech, com bilhões de usuários e um gigantesco baú de surpresas, finalmente parece disposta a superar a barreira à entrada no sistema bancário.
“É o único grupo de quem todos têm medo”, diz um banqueiro. Cada um dos membros do quarteto denominado GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple) está fazendo movimentos. A Amazon introduziu um cartão de crédito para compradores sub-bancarizados em junho. A Apple lançou seu próprio cartão de crédito em agosto. O Facebook anunciou um novo sistema de pagamentos em 12 de novembro, embora sua debatida moeda Libra tenha perdido muitos de seus apoiadores e enfrente rígido escrutínio regulatório. No dia seguinte, o Google anunciou o início de oferecimento de contas correntes nos Estados Unidos em 2020.
Individualmente, cada iniciativa é relativamente pequena. Juntas, porém, elas demarcam a aceleração drástica de uma tendência capaz de remodelar o setor financeiro.
Os GAFAs há muito tempo têm interesse em finanças. Até recentemente, eles se concentravam nos pagamentos, cada um à sua maneira. O Apple Pay e o Google Pay são carteiras digitais: possuem uma versão digital dos cartões de crédito, mas não processam transações. Nenhum dos comerciantes cobra taxa. Eles simplesmente armazenam tudo em um só lugar e tornam os pagamentos mais seguros, ocultando os detalhes do cliente. O Google coleta dados de transação; a Apple não. Caso contrário, segurar um telefone em um terminal sem contato seria semelhante a usar um cartão.
O Facebook Pay simplesmente armazena os detalhes do cartão para uso nos vários aplicativos do grupo (Facebook, Messenger, Instagram e WhatsApp), para os clientes não precisarem inseri-lo sempre. O Amazon Pay faz o mesmo e também salva os detalhes do cartão para pagamentos nos sites parceiros. Exclusivamente, ele “processa” pagamentos, uma tarefa deixada pelos outros para empresas especializadas. Quando uma compra é feita através do Amazon Pay, ele pergunta ao emissor do cartão se há fundos suficientes. Se a resposta for sim, a loja libera as mercadorias (o dinheiro em si geralmente se move no final do dia).
O que esses sistemas compartilham é seu sucesso limitado. Após oito anos, o Google Pay possui apenas 12 milhões de usuários nos Estados Unidos, em um mercado de 130 milhões de residências. Apenas 14% das famílias do país com cartão de crédito usam o Apple Pay pelo menos duas vezes por mês. Em outubro, o número de clientes do Amazon Pay era apenas 5% do número usuário do PayPal.
Isso contrasta com o crescimento explosivo do WeChat Pay e Alipay, os “super aplicativos” da China. Eles permitem os compradores pagarem quase tudo, do chá aos táxis, digitalizando um código QR. Lançados em 2013, eles agora têm mais de um bilhão de usuários cada. Eles processam transações equivalentes a um terço dos gastos de consumo da China e se tornaram grandes financiadores por direito próprio (ver gráfico).
Mas a comparação é injusta. A China conseguiu pular à frente do mundo por causa da regulamentação permissiva e da falta de métodos de pagamento digital existentes. O mundo rico já tinha um sistema decente de cartão de crédito, limitando a atração por novas soluções. A burocracia financeira também supervisiona mais fortemente no Ocidente. Para operar como instituições de pagamento em toda a América, os recém-chegados precisam de uma licença em todos os estados.
Isso torna os GAFAs ainda mais intrigantes. Desde a crise financeira, a provisão de crédito tornou-se uma das atividades mais regulamentadas do mundo. Restringe o retorno sobre o capital e os lucros: as avaliações voláteis dos investidores ocidentais representam uma fração do valor de mercado das empresas de tecnologia.
Por que a Big Tech gostaria de ser um banco? A resposta é dupla.
- Os gigantes da tecnologia ainda podem não saber exatamente o que querem.
- O Vale do Silício gosta de fazer apostas e verificar o que resta de ganho.
Eles provavelmente não querem ser bancos, se os consumidores não perceberem. No fundo, um banco é um balanço, uma indústria capaz de transformar capital em produtos financeiros (por exemplo, empréstimos e hipotecas) e uma força de vendas.
As duas primeiras funções – captações e empréstimos – são fortemente regulamentadas e a Big Tech não está interessada nelas. Por isso, os gigantes fizeram parcerias para os bancos fazer “as coisas tediosas”. O cartão da Apple é emitido pela Goldman Sachs e o da Amazon por Chase, Synchrony e American Express. As contas do Google são apoiadas pelo Citi e por um consórcio bancário.
Os gigantes da tecnologia cobiçam a distribuição, isto é, sistema de pagamentos. Isso poderia lhes render algo: seus sistemas mais inteligentes e a desnecessidade de rede de agências lhes permitiriam reduzir os custos de transações.
Mais importante, a venda de produtos em marketplaces bancários deve levar mais pessoas a usar seus sistemas de pagamento. A Apple e o Google querem mais um motivo para os consumidores “manterem o telefone debaixo do travesseiro à noite”. A Amazon usa pagamentos internos, para os usuários nunca precisarem sair do seu aplicativo.
Mas, acima de tudo, os GAFAs querem dados. Eles já são bons em inferir as preferências dos consumidores a partir de padrões comportamentais e localização de navegação.
Os padrões de gastos são a matéria-prima em dados mais úteis. Eles podem ser usados para avaliar o desempenho dos anúncios e/ou promover produtos. Os gigantes da tecnologia podem até começar a fornecer futuramente aconselhamentos financeiros por inteligência artificial.
Pode levar algum tempo para chegar lá. As contas correntes são “complicadas”: apenas 8% dos clientes de varejo americanos trocam de banco a cada ano. No entanto, eles deveriam gostar de ter mais opções. Regalias gratuitas e uma ótima experiência do usuário podem influenciá-los, principalmente se eles souberem o banco ser o responsável pelos bits sensíveis por algoritmos para adivinhar e atender suas preferências.
Os credores também receberão a Big Tech, pelo menos inicialmente. A distribuição responde por metade dos custos operacionais no típico banco de varejo dos Estados Unidos. Amarrar um GAFA seria uma maneira interessante de acessar novos depósitos, uma fonte barata de financiamento.
Quando a Big Tech começar a possuir relacionamentos com os consumidores, os bancos podem perder influência. Eles podem ser forçados a fornecer mais dados e ceder em exigências de altas tarifas. Eles poderiam se tornar utilitários ao fornecer canalização financeira com spreads menores. Mas margens apertadas podem causar uma onda de fusões e fechamentos. As empresas iniciantes [startups] digitais também sentirão a concorrência, especialmente se a Big Tech subsidiar suas ofertas financeiras.
Até agora, os reguladores viram os novos entrantes em serviços financeiros como um catalisador bem-vindo dos bancos de inovação disruptivas, embora não tenham ainda conseguido promover o anunciado. Isso pode mudar se os gigantes participarem.
Na Web Summit, Margrethe Vestager, o comissário de concorrência da União Europeia e um cético do GAFA, ponderou sobre os riscos para a democracia se as empresas de tecnologia se tornarem poderosas demais para as supervisionar e regular. “Podemos permitir alcançar todo o potencial de nova tecnologia”, disse ela à plateia animada em Lisboa. “Mas também podemos fazer algo para controlar os lados sombrios da inovação disruptiva”.
Big Tech mira no setor bancário de varejo de baixo lucro: os gigantes do Vale do Silício estão atrás dos seus dados, não do seu dinheiro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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