sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Ainda a propósito de Bolha de Ações sem Bons Fundamentos Micro e Macroeconômicos

A imprensa econômica brasileira mantém sua característica chapa-branca, tal como é pautada por porta-vozes oficiosos de O Mercado. Quem planta vento (ilusão), colhe tempestade (perda de capital). Anuncia com extrema boa-vontade: “o consumo começou a impulsionar o mercado interno”!

A taxa de desemprego e a massa real de salários permanecem praticamente as mesmas. Os efeitos de fôlego curto — saque de micharia no FGTS — não se sustentará. Portanto, no máximo, garantirá certa estabilidade em maus fundamentos internos, quando o medo de uma guerra comercial externa atingiu em cheio os preços das commodities, reduziu a demanda nos mercados globais e interferiu no câmbio.

Se no primeiro e no segundo trimestres as empresas de capital aberto falaram muito de expectativas novamente frustradas, quando se referiam à melhora do mercado doméstico, no terceiro trimestre a retomada começou a aparecer muito levemente nos balanços, sobretudo no caso das empresas de setores dependentes da economia doméstica como consumo, varejo, energia e saneamento e construção civil.

Foi o primeiro trimestre desde o fim de 2017 onde o resultado líquido consolidado das incorporadoras deixou de cair, puxado pelo desempenho das companhias de média e alta rendas. Afinal, os juros caíram, então, alguns incautos observam o custo de oportunidade e preferem o consumismo

As fabricantes de bens industriais, como máquinas e equipamentos e implementos automotivos demoram mais tempo para acusar alguma recuperação da economia. Tiveram diminutos aumentos de receita e encomendas no mercado doméstico.

A variação cambial, com o dólar batendo em R$ 4,16 no fim de setembro de 2019, teve impacto forte na última linha dos balanços com a marcação ao valor de mercado das dívidas em moeda estrangeira. No entanto, esse baque costuma ser minimizado como ilusório, simplesmente, por ser “sem efeito caixa”, não deve tirar a atenção: a recuperação operacional sustentada continua sendo adiada.

O lucro líquido combinado de julho a setembro de 269 companhias não financeiras com ações negociadas em bolsa recuou 28%, na comparação com os mesmos meses de 2018, para R$ 16,5 bilhões. As despesas financeiras subiram quase 38%, para R$ 28,8 bilhões, com a variação cambial. Os jornalistas “brigam com os números” e escrevem o inverso do visto neles!

O lucro operacional, antes do efeito do dólar, cresceu 1,1%, para R$ 51,7 bilhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA na sigla em inglês), muito usada pelo mercado, cresceu de 9,3%. A receita líquida avançou 2,6% no período, para R$ 429,7 bilhões.

A análise exclui Petrobras, Vale e Eletrobras (ver tabela com e sem acima) para evitar distorções por causa do tamanho das três companhias. A Oi também ficou de fora, porque não publicou os resultados do terceiro trimestre.

Quem depende mais do cenário interno do que do externo, no terceiro trimestre, o Efeito Trump, no exterior, pegou de jeito empresas de siderurgia e mineração, como CSN e Gerdau, e de papel e celulose, como Suzano, por causa do recuo nos preços de seus produtos. Outras companhias não perderam receita, mas começaram a notar os primeiros sinais da desaceleração na encomenda de clientes estrangeiros.

Para os próximos trimestres, a expectativa de o consumo continue sendo o motor da recuperação doméstica não se sustentará, tendo em vista a impossibilidade do governo oferecer estímulos fiscais e a permanência de incertezas. Elas fazem os investimentos em capital não sejam feitos de forma mais consistente. Logo, não há retomada sustentada do crescimento da renda e do emprego e tampouco do consumo massivo popular.

No terceiro trimestre, a retomada do consumo influenciou o aumento de 10,4% na receita líquida consolidada de 29 companhias ligadas à produção e à venda de bens de consumo de varejo de alta renda como varejistas de moda e lojas de shoppings.

O avanço foi quase três vezes se comparada com a baixa inflação do período. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou em 2,89% no acumulado de 12 meses até setembro. O lucro no caso específico dessas companhias recuou 1,2%, em um ritmo bem menor que no consolidado das empresas.

O volume de vendas do varejo restrito cresceu 1,6% no terceiro trimestre, na comparação com os três meses imediatamente anteriores, segundo o IBGE. Em comparação ao terceiro trimestre do ano passado, o avanço foi maior, de 2,6%, com as vendas mais intensas na maioria das atividades, com destaque para móveis e eletrodomésticos e tecidos.

No comércio varejista ampliado, incluindo as atividades de veículos e materiais de construção, o avanço no volume de vendas foi de 1,4% no terceiro trimestre, frente aos três meses anteriores, com ajuste sazonal. Na comparação com o mesmo período do ano passado, a alta foi de 4,4%.

A expectativa de melhora na concessão de crédito é a liberação dos saques das contas do FGTS impulsionar mais o consumo. No terceiro trimestre, o saque das contas já teve efeitos positivos, ainda não mensurados.

Em contraste, as incertezas no cenário externo devem mudar pouco, com baixa perspectiva de crescimento na Europa, estabilização na Ásia e incertezas em relação às decisões de política externa dos Estados Unidos.

Uma mudança no perfil, com a redução da participação de investidores estrangeiros na bolsa e o aumento do investidor brasileiro pessoa física, fez a reação aos resultados do terceiro trimestre ser mais intensa em relação à vista nos trimestres anteriores. Os investidores brasileiros têm um perfil mais ativo e reagem de forma rápida às notícias. Já o estrangeiro tem a estratégia de comprar e manter a posição por um longo período. A mudança de participação na bolsa gerou esse efeito colateral de fortes reações especulativas a boatos ou rumores espalhados inclusive pela “imprensa chapa-branca”.

A participação do investidor estrangeiro na bolsa brasileira caiu de 48,9% em 2018 para 45,3% em 2019, considerando dados da B3 até 13 de novembro. A participação de pessoa física passou de 17,9% no ano passado para 18,2% atualmente.

O aumento da liquidez na bolsa de valores, com mais investidores locais buscando a renda variável e inflando uma bolha de ações descolada dos maus fundamentos micro e macroeconômicos, beneficiou praticamente todos os setores dentro do Ibovespa ao longo de 2019. As companhias de proteína animal, as construtoras e as empresas expostas diretamente ao setor de saúde, entretanto, mais colheram valorização entre todas as demais do índice no acumulado do ano até o momento.

O valor de mercado conjunto de JBS, BRF e Marfrig praticamente dobrou em 2019, saindo de R$ 52,8 bilhões no fim do ano passado para R$ 106,6 bilhões agora. Já no setor de construção, MRV e Cyrela valem juntas, hoje, R$ 18,2 bilhões na B3, contra R$ 11,7 bilhões no fim do ano passado – um ganho de 56%. A alta do Ibovespa em 2019 é de 20,4% até agora; no dia 19/11/19, o índice estava nos 105.864 pontos.

Empresas expostas ao setor de saúde, como operadoras de planos e fabricantes de medicamentos, também foram destaques dentro do índice. A necessidade de busca por alternativas com o envelhecimento da população explicam a disparada de 61,8% do valor de mercado conjunto de Qualicorp, Intermédica e Hypera no ano até agora, para R$ 62,7 bilhões.

Grande aposta para 2019, com a promessa de retomada da economia brasileira, o setor de varejo entregou um bom ganho de valor de mercado, embora abaixo dos outros: 27,8% no acumulado do ano, saindo de R$ 449,9 bilhões no fim de 2018 para R$ 575,1 bilhões agora. Nesse caso, estão incluídas todas as empresas diretamente ligadas ao ciclo de economia doméstica: B2W, CVC, Lojas Americanas, Lojas Renner, Magazine Luiza, Natura, Localiza, Pão de Açúcar, Via Varejo, Raia Drogasil e Ambev.

Quem ficou mais para trás em termos de rentabilidade no ano foram os setores bancário e de commodities (petróleo, minério e celulose). Os bancos do Ibovespa – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e BTG Pactual – valem hoje R$ 937,7 bilhões na bolsa, o que representa ganho de 7% em 2019.

Já Petrobras, Vale, Gerdau, Usiminas e CSN se valorizaram 10,4% em 2019, avaliadas em R$ 699,4 bilhões hoje. Suzano e Klabin colheram uma alta de 17,4% no ano, valendo juntas R$ 71 bilhões.

No setor de proteína animal, a peste suína africana na China fez aumentar a demanda no país pela morte de diversos animais e explica boa parte dos ganhos. Fator adicional no caso da BRF é o melhor ciclo da produção de carne de frango do Brasil, porque a empresa dona da Sadia e da Perdigão é líder nas exportações mundiais nesse segmento. Já a exposição ao mercado de carne bovina nos EUA coloca a JBS em boa posição, porque o mercado americano já é, hoje, o grande foco da empresa.

Já no caso das companhias de construção, o grande motivador foi a confiança dos investidores com a melhora da economia brasileira – uma aposta que começou mais forte no início de 2019 e deu lugar a certa frustração com o passar do tempo. Agora, mesmo com a perspectiva majoritária do mercado de retomada a partir de 2020, não é uníssono no mercado a rentabilidade adicional das empresas desse setor.

Construtoras devem registrar bom crescimento com a atividade melhorando no próximo ano, mas não há como antever uma economia mais forte além de 2021. O preço das ações já parece adequado aos indicadores medíocres até agora.

Mas analista de O Mercado confessa: desde quando começou sua carreira no mercado financeiro há 30 anos, a frase recorrente colocada nas apresentações para clientes por parte dos gestores para convencê-los a comprar ações foi: “quando o retorno de renda fixa cair no Brasil, haverá uma megatransferência de recursos para renda variável”. 

Pois bem, hoje, com o juro real abaixo de 1%, o que está acontecendo? O discurso comum de todos os analistas era a alta de bolsa ser inexorável a partir de uma queda do juro real. Os números mostram um pouco dessa realidade, mas talvez não na magnitude esperada.

Na gestão Ilan Goldfajn, depois de 15 meses, a Selic saiu de 14,25% ao ano, em outubro de 2016, para 6,5% ao ano em março de 2018. Concomitantemente, o juro real (medido pelo swap de 12 meses versus a inflação anual projetada) saiu de 7% para 3,5% anuais. Nesse período, o Ibovespa experimentou uma valorização de 59 mil para 85 mil pontos (44% de alta).

Já no processo de afrouxamento monetário, produzido até agora por Roberto Campos Neto, a taxa Selic saiu de 6,5% (julho de 2019) para 5% ao ano (outubro de 2019) e o juro real chegou a inédito 0,8%. Nesse período, o Ibovespa avançou somente 7%. Enfim, nesse período de tempo, todo esse processo de afrouxamento monetário (14,25% para 5% ao ano) levou o Ibovespa a subir 85% em três anos. É muito?

Observando os dados relativos aos fundos de investimento, esse momento de realocação maciça de recursos para renda variável, na verdade, nunca ocorreu. Dados da Anbima mostram apenas 8% dos R$ 5,2 trilhões do patrimônio de fundos de investimentos estarem aplicados em produtos de renda variável. A participação mínima (5%) ocorreu durante o governo Dilma Roussef. Nos EUA, esse mesmo percentual é de 55%, enquanto na Europa é atingido o patamar de 30% do total da indústria de fundos investidos em produtos de ações.

Com patrimônio total de R$ 950 bilhões, segundo dados da Abrapp, os fundos de pensão detinham 29% de seus recursos investidos em renda variável em 2012 e viram esse número cair para os atuais 18% (nível estacionado há cinco anos). Os grandes fundos de pensão têm reduzido as posições em ações, enquanto os pequenos e médios têm aumentado.

Já os investidores estrangeiros colocaram R$ 25 bilhões em dois IPOs e 22 “follow- ons” em 2019, mas retiraram R$ 30 bilhões do mercado secundário, ficando com um saldo líquido negativo de R$ 5 bilhões neste ano. Aliás, definitivamente, os estrangeiros não estão vendo atratividade no país nesse momento. A saída de recursos de bolsa é prima da ausência de dinheiro externo no megaleilão do pré-sal. Resta analisarmos o porquê dessa falta de apetite pelo Brasil.

Se as informações anteriores não animam, o único dado a trazer alento são os 1,5 milhão de CPFs de investidores pessoa física cadastrados na bolsa, quase o dobro relativamente a 2018. Serão as pessoas físicas (já com 20% do volume negociado) a comandar voos mais altos do Ibovespa daqui por diante? O rendimento mensal das aplicações em renda fixa abaixo de 0,5% vai trazer finalmente uma onda de pessoas físicas para a bolsa?

Se, pelo lado da demanda, a situação não é animadora, pelo lado da oferta, ao avaliar pela teoria de “valuation”, o que está acontecendo com o Ibovespa, primeiro, o juro longo (medido pela NTN-B 2055: a referência para qualquer exercício de valuation), caiu fortemente de IPCA mais 6% para IPCA mais 3,3% ao ano nos últimos anos. O prêmio de risco é proporcional também à queda da taxa de juros de longo prazo (aumento da disposição do investidor à renda variável) e certamente também declinou de 6% para 5% ao ano.

O grande problema, no entanto, é a retomada do crescimento econômico sustentado. A taxa de desconto era de 16% ao ano e despencou para aproximadamente 12,5% anuais no período de três anos. Considerando um fluxo de caixa médio das empresas brasileiras e um crescimento de longo prazo de 5,5% ao ano (1,5% ao ano real), essa combinação significa um Ibovespa justo muito próximo ao nível atual (5% de “upside”).

Esse analista de O Mercado não considerou o argumento ingênuo de outro mantra. Ele indica que “o P/L [preço pelo lucro] para 2020 do Ibovespa em 13,2 vezes está caro porque está acima da média histórica de 11,8 vezes”. Esta situação é totalmente normal e deveria já ser esperada pelos analistas, dada a menor taxa de desconto prevalente no Brasil relativamente ao passado, quando essa média foi construída.

Falta o investidor institucional e o estrangeiro acreditarem no potencial do mercado e essa onda de pessoas físicas continuar. Só! 🙂

O juro real abaixo de 1% já é mais do que suficiente para quebrar o conservadorismo.

O Pregador reza: nosso dever de casa é precisarmos de indicações de crescimento mais forte para a confiança em bolsa ser retomada no Brasil. Esse é o calcanhar de Aquiles para o mercado de ações ganhe um gás de alta para inflar mais a bolha antes dela explodir.

Se substituirmos o crescimento nominal de 5,5% para 7% ao ano (crescimento médio de longo prazo de 3% reais), o potencial de alta do Ibovespa, pelo modelo, sobe para 35%. Beleza!

Resumindo, duas conclusões:

  1. pelo lado da demanda, o mantra prega uma megatransferência de recursos da renda fixa para variável está demorando a se concretizar, mas irá, inexoravelmente, acontecer se as atuais condições forem mantidas);
  2. pelo lado da oferta, o aumento de potencial de alta das ações brasileiras hoje depende menos de redução de risco (taxa de desconto já aconteceu) e muito mais de elevação da taxa de crescimento projetada da economia e, por conseguinte, do lucro das empresas, para descomprimir os preços das ações no Brasil. Só! 🙂

Num momento em que a remuneração mais baixa da renda fixa tem empurrado o investidor para a bolsa, uma forma de obter retorno extra para quem tem perfil de longo prazo é “alugar” as ações da carteira. Assim como os dividendos, o empréstimo de papéis traz um adicional em dinheiro para a posição que pode compor a rentabilidade total junto com a valorização dos ativos.

Quem, por exemplo, tinha ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Minerva no pregão do dia 18 e emprestou os papéis para outro investidor conseguiu uma remuneração média de 17,2% ao ano. Eletrobras ON teve contratos fechados a uma média de 5,5%; M.Dias Branco ON, a 5,38%; enquanto os negócios com JHSF ON saíram a 13,09%, com a unit da Renova Energia houve registro a 6,7% anuais, na média.

Esse é um segmento onde as transações são, na maior parte das vezes, feitas à moda antiga, no mercado de balcão – quando as corretoras cruzam doadores, os donos das ações, com tomadores, isto é, aqueles pegando os papéis emprestados – ou fechados bilateralmente, e por isso o spread entre as taxas mínimas e máximas é bem significativo.

Na ponta tomadora estão tesourarias que combinam ativos para estruturar, por exemplo, operações de hedge ou estratégias que resultem num retorno de renda fixa, ou os gestores de recursos que fazem arbitragem (“long short”). Quando acreditam que um ativo tem razões para cair no pregão da B3, vendem as ações emprestadas no mercado sob a expectativa de recomprá-las mais baratas à frente para devolvê-las ao donos dos papéis. Se o script seguir como esperado, o lucro com a operação se converte em renda extra para o fundo.

O gestor com perfil de valor, que carrega as posições por muito tempo, por sua vez, pode colocar suas ações para alugar e o retorno obtido vira um ganho adicional para os seus cotistas. A pessoa física, que vem construindo uma carteira de ações para o longo prazo, também pode se valer do empréstimo para dar uma vitaminada nas suas posições.

O investidor novato em ações muitas vezes não tem a noção de que, ao contrário de outros bens, ele tem três maneiras de ganhar dinheiro na bolsa:

  1. a apreciação do capital,
  2. o dividendo e
  3. o aluguel.

Compara-se a operação ao aluguel de um imóvel, com a diferença de o caixa extra entrar quando o contrato de empréstimo das ações é encerrado, muitas vezes em período inferior a um mês. A soma dos cheques pode ser relevante em relação ao ‘dividend yield’ [o retorno com dividendos].

Por exemplo, as ações ordinárias da Natura, alugadas por uma taxa média de 4,95% ao ano, representam 617,04% do dividendo esperado para os acionistas da empresa nos próximos 12 meses. Gol PN, a 4%, proporciona um retorno equivalente a 329,3% da projeção em dividendos em um ano. Nada mal para uma Selic em 5% ao ano.

É fundamental ter transparência nas ofertas porque os preços do aluguel variam muito, algumas vezes relacionados a eventos, como foi o caso das ações da Eletrobras. Da noite para o dia passaram de 5% para 15% em meio aos reveses sobre a capitalização da estatal. Magazine Luiza chegou a apresentar taxa superior a 25% quando anunciou sua oferta subsequente de ações, voltou para a casa dos 5% nos registros do último dia 18.

Se no passado era bastante comum encontrar remunerações de empréstimo de ações na casa dos dois dígitos, os valores mais módicos de hoje não deveriam inibir o investidor. Às vezes, a taxa está mais baixa, mas quando se olha a carteira como um todo há um grande valor. Dificilmente o investidor vai conseguir deixar a sua posição alugada o ano todo, mas se obtiver 0,5% ou 1% ao ano é algo relevante. Isso não resulta em ônus para quem emprestou porque quem está doando os papéis não tem nenhum custo.

O BTG criou há cerca de um ano e meio um serviço de custódia remunerada. Ele automaticamente aluga as posições dos clientes com perfil de longo prazo ao aderirem ao programa. Mais de 90% da base da plataforma digital está habilitada e há quem consiga ter um adicional de R$ 100 a R$ 200 por mês, quando o ano vira, se transformam em cerca de R$ 2 mil. O sistema usado pelo banco tem como referência as taxas médias dos contratos registrados na véspera na B3, a mesma tela onde o investidor enxerga quando consulta o site da bolsa.

Já é grande a presença do investidor individual. A queda das taxas de aluguel nos últimos anos tem relação com a participação da pessoa física. Ela se tornou bastante ativa. O aluguel é uma tremenda ferramenta de formação de preço e tem consequências econômicas. Quando se cria a possibilidade de outros players terem a disponibilidade de acesso, pode fazer os ativos espelharem o seu valor correto.

Segundo dados da B3, a pessoa física representava, ao fim de outubro, 17,9% dos doadores no mercado de aluguel, enquanto o institucional respondia por 51,12% e o estrangeiro, por 29,16%. Na ponta tomadora, os institucionais tinham 66,9%, enquanto o não residente ficava com 26,9%.

Para inflar mais a bolha de ações, a B3 começou a testar um novo sistema de aluguel de ativos. Ele pretende tornar o segmento mais parecido com o mercado à vista de ações. O novo ambiente lista as ofertas dos papéis disponíveis para alugar e suas respectivas taxas em tempo real, encurtando o caminho entre os donos de ações, units, recibos (BDR) ou fundos de índice (ETF) e quem toma os papéis emprestados. Já há uma fração de contratos fechados de forma eletrônica, “em tela”, como se diz no jargão do mercado, mas a expectativa é a via on-line ganhar relevância quando todos os elos da cadeia – corretoras, custodiantes e gestores – estiverem prontos para integrar o sistema.

Hoje, a maior parte dos contratos de aluguel de ativos é fechada no mercado de balcão ou bilateralmente, sendo depois registrados na bolsa. Ela funciona como contraparte central de todas as operações e garante a liquidação do contrato de empréstimo em favor do doador.

Com a atualização da infraestrutura tecnológica, a direção da B3 espera dar mais transparência às transações e assim atrair um público com perfil de longo prazo. Ele subutiliza o mercado de aluguel: os fundos de pensão poderiam ser naturalmente grandes doadores de ações. O sistema de empréstimos redesenhado deve vir casado com um novo modelo de tarifação. Atualmente, quem toma ações emprestadas paga 0,25% ao ano sobre o total negociado para a bolsa, com um emolumento mínimo de R$ 10 por contrato. Quem doa os ativos não tem custo nenhum.

Do lado da bolsa, todos os desenvolvimentos foram concluídos e o sistema está em fase de certificação. Falta agora os participantes se plugarem à plataforma de negociação e finalizarem seus projetos para fazer os testes antes de o sistema entrar em plena operação. A previsão é ao longo de 2020 essa rede estar concluída.

A evolução do produto nos últimos anos se dá com a intenção de aumentar a utilização da tela, para fechar os contratos efetivamente, trazendo mais transparência na formação de preços e fechamento dos contratos. A B3 está criando um pool de liquidez centralizado e com isso deve aumentar a participação dos institucionais.

Com as transações de empréstimos automatizadas, a consequência deve ser a redução dos custos. Tem um novo modelo de tarifação e remuneração tanto do lado da B3 quanto dos intermediários. Haverá um ajuste na forma como se cobra os emolumentos dos institucionais, quando eles tomam ativos emprestados.

No sistema atual, se o gestor precisar de um lote grande de papéis, ter na outra ponta um investidor de varejo encarece demais a operação. No novo desenho, será possível juntar vários doadores na mesma boleta.

Outra melhoria prevista é o acesso direto pelos gestores de recursos. Por intermédio de uma corretora, vão transmitir suas ofertas assim como ocorre no mercado à vista. Eles serão identificados por uma espécie de conta transitória para operar suas estratégias ao longo do dia, fazendo a alocação nos respectivos fundos num segundo momento.

Essa mudança estrutural ampliará a liquidez da bolsa como um todo. O empréstimo pode ajudar a liquidez dos papéis e consequentemente mais e mais investidores tendem a vir para o mercado de capitais, é uma ferramenta importante para isso. Uma das apostas é haver um incentivo para os ativos empoçados nas carteiras das fundações serem ofertados para o aluguel. O diagnóstico é a falta de transparência na formação de preços desencorajar a atividade.

Pelos dados da B3, esse é um segmento com crescimento significativo nos últimos anos. Em uma década, o total de contratos em aberto passou de R$ 16,7 bilhões para R$ 61,8 bilhões, ao fim de outubro de 2019, um incremento na casa dos 270%. Comparando-se o tamanho do segmento à evolução da capitalização de mercado da bolsa nesse intervalo, a participação saiu de 0,73% para 1,44%. A movimentação alcançou R$ 83,9 bilhões no mês passado e é quase três vezes maior à observada em outubro de 2009, entre contratos novos e renovações.

 

Ainda a propósito de Bolha de Ações sem Bons Fundamentos Micro e Macroeconômicos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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