quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Softbank

O SoftBank é um conglomerado multinacional com foco em tecnologia, com valor investido acima de US$ 400 bilhões. Entre os maiores investimentos do SoftBank estão empresas como Uber, Alibaba, ARM e mais de 90 outras empresas de internet e tecnologia disruptiva.

O Softbank vem comprando uma série de participações em startups brasileiras, como parte de seu plano, anunciado em março deste ano, de investir US$ 5 bilhões em negócios na América Latina. O conglomerado japonês, que é sócio do aplicativo de transporte 99 e da empresa colombiana de entregas Rappi, tem destinado recursos à área de mobilidade urbana.

Em junho, liderou, ao lado da Microsoft, um investimento de US$ 150 milhões na empresa de logística paulista Loggi (na qual já tinha aplicado US$ 100 milhões no ano passado). Em outubro, integrou um grupo de investidores que fez aporte na Buser, uma espécie de Uber para viagens de ônibus.

A companhia também é sócia da varejista on-line de artigos para casa MadeiraMadeira, da startup de locação de imóveis QuintoAndar, da empresa de assinatura de academias Gympass, do Banco Inter (14,94%), da plataforma de empréstimo Creditas, entre outras startups brasileiras. Mais aportes estão por vir. Em setembro, o principal executivo da companhia no país, André Maciel, afirmou, em um evento em São Paulo, olhar para cerca de 40 empresas no país.

Arash Massoudi, Kana Inagaki e Leo Lewis (Financial Times, 05/11/2019) afirmam: enquanto a elite empresarial mundial desertava de uma conferência sobre investimentos na Arábia Saudita há um ano, depois do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi por agentes sauditas, o fundador do SoftBank, do Japão, viajava discretamente a Riad para um encontro reservado.

Masayoshi Son e seu principal auxiliar, Rajeev Misra, foram encontrar-se com Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro saudita que os havia ajudado a se tornarem os mais influentes investidores em tecnologia do mundo. Quase metade dos US$ 97 bilhões do Vision Fund, criado pelo SoftBank para investir no setor de tecnologia, veio do fundo soberano da realeza saudita – o maior volume de dinheiro privado já captado.

A mensagem deles ao príncipe foi clara: o SoftBank não iria abandoná-lo, segundo fontes a par da conversa. O príncipe prometeu nunca esquecer a lealdade deles.

Passado um ano, a força desses elos está sendo colocada à prova, uma vez que os tão aguardados planos para repetir um novo Vision Fund estão em sérias dúvidas.

Armado com capital do Golfo Pérsico, o SoftBank percorreu cada canto da economia digital e financiou algumas das empresas de capital fechado mais bem avaliadas no mundo. Seguindo conselhos de Son, muitas delas queimaram o caixa em uma busca febril para, acima de tudo, ganhar escala e participação de mercado.

Mas, o quase colapso da empresa de compartilhamento de escritórios WeWork – a maior aposta do SoftBank – e a forte queda no valor de outros negócios do fundo, abalaram fortemente a fé nas apostas de Son em tecnologias revolucionárias e em sua genialidade para investir.

Se os problemas no SoftBank e no Vision Fund evoluírem para uma crise, como temem alguns, haveria repercussões por todo o mundo, abarcando Vale do Silício, Mumbai, Pequim, e os centros financeiros de Londres, Nova York e Tóquio.

Ao voltar a Riad na semana passada para a nova edição da conferência saudita, conhecida como a “Davos no Deserto”, Son deparou-se com uma sala quase vazia para seu grupo de discussões. O bilionário de aspecto cansado, que pareceu a certa altura ter caído no sono, frisou que vai continuar oferecendo capital para startups que queiram “crescer muito mais e muito mais rapidamente”.

“Identificamos os empreendedores que têm a maior ambição para solucionar o insolúvel”, disse. “Eles precisam ter a maior das paixões. E, então, nós fornecemos o dinheiro para a luta.”

A queda da WeWork tem sido uma experiência de humildade. “Foi embaraçoso para ele”, diz uma pessoa que trabalha próxima a Son. “Ele precisa repensar sua abordagem”.

As ações do Softbank caíram 26% nos últimos três meses. Nesta semana, Son deverá divulgar baixas contábeis multibilionárias, juntamente com novos esforços para reforçar os padrões de governança em seus negócios. O SoftBank não quis comentar as informações.

As dificuldades expuseram a cultura do Vision Fund, de abrir caminho passando por cima do que estiver pela frente. O fundo, comandado por Misra, é visto como algo repleto de desconfianças internas, confrontos entre executivos e desorganização gerencial.

Apesar dos esforços para aumentar a escala e para amadurecer seu braço de investimentos, o SoftBank não foi capaz de livrar-se da cultura do “Velho Oeste” existente no fundo, cujo sede fica em Londres e cujas lutas por poder contribuíram para uma frequente perda de executivos, incluindo Mark Schwartz, diretor independente de longa data no conselho de administração do grupo.

Em 10 de maio, todos os olhos voltaram-se à bolsa de Nova York. O Uber estava abrindo o capital, marcando um grande triunfo para o SoftBank, que havia comprado 13% da empresa e ajudado a substituir seu impulsivo fundador [Travis Kalanick].

Mas havia um problema. Mesmo antes de começarem a ser negociadas formalmente, as ações já estavam em queda. No fim do dia, o Uber havia sofrido uma das piores desvalorizações na história de empresas americanas que levantaram mais de US$ 1 bilhão em sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês).

A estreia de um “unicórnio” do Vale do Silício na bolsa acabou transformando-se em uma dura resposta dos investidores a startups deficitárias – justamente o tipo de empresa que domina a carteira do Vision Fund.

O Uber, agora, acumula queda de 31% em relação ao preço de estreia e o SoftBank está sentado sobre um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões desde seu investimento.

Outros negócios também sofreram: o grupo de mensagens para empresas Slack caiu quase 45% desde seu primeiro dia de negócios em junho, enquanto a Vir Biotechnology recuou 30% desde sua IPO em meados de outubro. Apenas duas empresas financiadas pelo Vision Fund, a Guardant Health e a 10X Genomics, têm os papéis negociados acima de seu preço de IPO.

“Se o SoftBank diz que ali tem valor, até que ponto você deveria acreditar?”, diz Kirk Boodry, analista especializado no setor de tecnologia na Redex Holdings. Um investidor de fundo hedge diz que quando uma empresa tem algum financiamento do Vision Fund é “uma pista imediata para vender [os investimentos nessa empresa]”.

Uma constante procissão de IPOs supostamente validaria as apostas do Vision Fund em startups em estágio de desenvolvimento avançado e abriria caminho para retornos tão altos que fariam os grandes investidores clamar para poder injetar dinheiro no próximo Vision Fund. O grupo iria tentar abrir o capital de pelo menos duas empresas de seu portfólio por mês até 2020, disse Mistra neste ano.

De uma hora para outra, a lógica desse modelo foi posto em dúvida e, agora, o apoio do resto do mercado já não pode ser dado como certo.

O maior impacto veio de uma empresa cujo fundador havia sido elogiado por Son e a quem ele havia proporcionado bilhões de dólares desde 2017, dizendo que algum dia iria valer centenas de bilhões de dólares.

A relação próxima entre Son e o fundador da WeWork, Adam Neumann, começou a enfraquecer-se bem antes da desastrosa tentativa de abertura do capital em setembro. O ponto de virada se deu no fim de 2018.

Equipes do SoftBank e da WeWork vinham trabalhando em sigilo desde 22 de novembro, dia de Ação de Graças nos EUA, em um plano ambicioso chamado Project Fortitude, segundo o qual o SoftBank e o fundo comprariam todas as participações na WeWork a não ser a de Neumann por US$ 10 bilhões e injetariam mais US$ 10 bilhões na empresa.

Quando as negociações ruíram na época do Natal, Son ligou para Neumann para dizer que precisariam rever o negócio: o Vision Fund havia desistido e as ações do SoftBank estavam em queda, então ele acabaria investindo apenas US$ 2 bilhões em capital adicional em janeiro. Na teoria, o novo acordo elevou o valor da WeWork para US$ 47 bilhões. Mas como a empresa vinha gastando o caixa rapidamente, precisaria acelerar os planos de IPO.

Meses depois, a WeWork desistiu do plano de abrir o capital ao não conseguir alcançar uma avaliação de US$ 15 bilhões com os investidores. O engavetamento do IPO e a perspectiva de ficar sem caixa em meados de novembro obrigaram o SoftBank a entrar com um pacote de auxílio financeiro de US$ 9,5 bilhões para salvar a empresa. A operação avaliou a WeWork em apenas US$ 8 bilhões. Neumann, cujos direitos especiais de voto lhe davam influência, negociou um controverso pacote para deixar a empresa de US$ 1,7 bilhão, mesmo com 4 mil funcionários na lista de demissões.

“Criamos um monstro”, disse Son a colegas. “Demos a ele todo o capital”.

O socorro também incluiu termos que tratavam o Vision Fund favoravelmente, dando-lhe a chance de recuperar prejuízos decorrentes do investimento na WeWork mais rapidamente do que o SoftBank. Um executivo do SoftBank e outros próximos à empresa descreveram o tratamento como um “resgate emergencial”.

As condições desconcertaram os investidores do SoftBank, diante da perspectiva de que o caixa do grupo japonês possa ser usado para beneficiar o Vision Fund antes do que eles próprios.

Há temores quanto a outras empresas de capital fechado dentro da carteira de investimentos do Vision Fund. “A WeWork não é o único ativo fraco”, diz Atul Goyal, analista de renda variável do banco de investimento Jefferies. “Suspeitamos que há muitos investimentos ou ativos questionáveis dentro dos mais de 80 investimentos do Vision Fundo, do SoftBank”.

Uma empresa que vem provocando receio é a indiana Oyo, na qual o Vision Fund tem participação de 50%. A rodada mais recente de investimentos na rede de hotéis levantou US$ 2 bilhões e foi encabeçada por Ritesh Agarwal, fundador da Oyo, de 25 anos, em um negócio atípico, que dobrou a avaliação da empresa para US$ 10 bilhões e incluiu créditos a Agarwal em bancos japoneses próximos ao SoftBank.

Preocupações com a segurança dos passageiros da Didi Chuxing, a resposta da China ao Uber, limitaram seu crescimento em 2018. As repercussões do fraco desempenho do Uber também afetaram os valores da empresa chinesa no mercado secundário.

SoftBank tem US$ 160 bilhões em dívidas. Elas pagam juros, e seus papéis são considerados aplicação especulativa

Outras apostas, como o investimento de US$ 500 milhões na Improbable, uma startup britânica de simulação virtual, não deverão gerar nenhum retorno. A Fair, um serviço de assinatura de carros parceiro do Uber, anunciou recentemente planos para cortar 40% do quadro de funcionários, uma vez que enfrenta dificuldades para tentar tornar-se rentável.

“O dinheiro nas mãos certas, nos fundadores certos e nas plataformas com o potencial certo de longo prazo dá resultado”, disse Nikesh Arora, em evento da rede de televisão CNBC na semana passada. Arora era considerado sucessor de Son, mas renunciou repentinamente em 2016. “Mas não funciona indiscriminadamente em qualquer site de passeio de cachorros ou de aluguel de quartos de hotel”, acrescentou.

É difícil formular um quadro coeso do SoftBank e do Vision Fund, em parte pelos investimentos incessantes de Son, mas também pelos níveis extremos de engenharia financeira empregados por Misra.

O indiano ex-executivo do Deutsche Bank, um dos operadores de crédito mais poderosos da geração pré-crise de executivos de banco de investimento de Wall Street, é considerado por alguns como um guru das finanças modernas.

Ele foi elogiado em abril por Michael Milken, o rei dos bônus de alto risco nos anos 80, que acabou condenado por fraude de valores mobiliários e ficou preso por dois anos. “Não há ninguém que tenha o conhecimento dos mercados financeiros e mercados de capital e das centenas de diferentes tipos de instrumentos que você têm”, disse Milken, hoje autoproclamado filantropo, em conferência falando para Misra.

Para outros, porém, Misra é uma fonte de instabilidade crônica. Ele encheu o Vision Fund de antigos colegas do Deutsche Bank e de complexidades financeiras.

“O SoftBank e o Vision Fund são camadas de alavancagem sobre alavancagem”, diz um executivo de banco de investimento que trabalhou de perto no grupo e no fundo. Essa fonte e outras veem paralelos com o que aconteceu no Deutsche Bank, o banco agora em dificuldades, cuja falta de supervisão e de controles fez com que seu balanço patrimonial ficasse sobrecarregado com o tipo de produtos de risco nos quais Misra se especializa.

O SoftBank carrega US$ 160 bilhões em dívidas que pagam juros. Seus papéis são classificados como investimento especulativo. O Vision Fund tem uma estrutura única – criada por Misra – na qual cerca de US$ 40 bilhões em recursos de investidores externos estão na forma de ações preferenciais que funcionam como bônus e pagam juros anuais.

Quando o SoftBank quis devolver capital aos investidores do Vision Fund neste ano, Misra agregou mais uma camada de alavancagem. Captou um crédito de US$ 3,5 bilhões com lastro nas participações no Uber e na Slack.

Sob a supervisão de Misra, o fundo elevou o quadro de funcionários para mais de 400 pessoas, ao mesmo tempo em que tentou livrar-se da imagem de indisciplina, incrementando o controle em áreas como a legal, a de contabilidade e a de conformidade.

“Vou te contar a maior mudança em dois anos. Estamos aprendendo muito. Isso está virando um sexto sentido. Transferimos o que aprendemos para nosso portfólio de empresas”, disse Misra a Milken, destacando as boas práticas existentes nas empresas nas quais investiu.

A expansão dentro do Vision Fund camufla um ambiente no qual Misra e seus aliados bateram cabeça com quem está fora de seu círculo mais próximo. Os críticos dizem que essa cultura tóxica, para a qual Son tem feito vista grossa, poderia colocar em risco o futuro do fundo.

Dois altos executivos do SoftBank tiveram discussões graves com Misra que impactaram o equilíbrio de poder no Vision Fund e no grupo. Um deles, Alok Sama, ex-diretor de finanças do SoftBank International, que criticava o investimento na WeWork, saiu da empresa em abril. Sua ascensão dentro do SoftBank havia sido dificultada anteriormente por uma campanha anônima de acionistas que o impossibilitou de trabalhar no Vision Fund.

O outro, Marcelo Claure, mudou-se para Tóquio há um ano para trabalhar mais próximo ao Vision Fund, mas rapidamente foi impedido de ter voz direta nas operações. O bilionário boliviano, que é diretor de operações do SoftBank, foi para Miami, para gerenciar um fundo menor de investimentos na América Latina. Claure, a quem Son frequentemente recorre quando seus negócios têm problemas, havia sido trazido para comandar os esforços do SoftBank para recuperar a WeWork.

O SoftBank encarregou Schwartz, que era do Goldman Sachs, de supervisionar a investigação sobre a companhia contra Sama, para determinar se havia sido liderada por alguém de dentro da empresa. Um porta-voz do SoftBank disse que a investigação foi concluída sem que se descobrissem evidências de nenhuma irregularidade.

Ainda assim, Schwartz deixou o conselho de administração do SoftBank em maio, depois de 18 anos na empresa.

Ex-colegas do Goldman Sachs e outras pessoas descreveram Schwartz como uma “bússola moral” e que ele havia se impacientado com a mudança de cultura dentro do SoftBank e com os receios quanto à governança do Vision Fund e à dependência em relação ao dinheiro de Riad. Schwartz não quis comentar o assunto.

Um nome que até agora ficou afastado das lutas internas é Katsunori Sago, diretor de estratégias do SoftBank e que foi um alto executivo do Goldman Sachs no Japão. Sago trouxe pelo menos dez pessoas do Goldman Sachs, incluindo o veterano Hiroki Kimoto. Ele vem trabalhando para controlar o inchado balanço patrimonial do SoftBank.

Sua equipe opera separadamente da comandada por Misra. Opera uma unidade cujo foco é oferecer às empresas do Vision Fund opções de financiamento barato para comprar ativos, como imóveis e carros, usando créditos e o patrimônio do SoftBank.

Fontes próximas ao SoftBank sugerem a equipe de Sago poder agir como um escudo contra Misra, trazendo mais disciplina à forma como as empresas do Vision Fund e seus ativos são administrados.

“Nos últimos dois anos, estimulamos grandes melhoras em nossa cultura”, diz um porta-voz do Vision Fund. Outras pessoas próximas a executivos do fundo contestam isso.

Um segundo Vision Fund ajudaria Son a silenciar seus críticos. O lançamento desses planos no terceiro trimestre foi elaborado para mostrar a capacidade do SoftBank de atrair grandes investidores como a Microsoft. No entanto, nenhum investidor externo se inscreveu formalmente até agora.

Quase metade dos US$ 108 bilhões que o SoftBank espera levantar deverá vir da própria empresa japonesa e de seus altos executivos. Alguns funcionários, contudo, têm hesitado diante do que isso significa: um “teste de lealdade”, no qual eles precisam captar empréstimos no SoftBank equivalentes a até 15 vezes seu salário anual.

Executivos dentro do SoftBank e próximos ao grupo admitem que a renovação dos compromissos da Arábia Saudita e da vizinha Abu Dhabi são cruciais para a criação do segundo fundo. Ambos têm se mostrado lentos em comprometer fundos, mas executivos do SoftBank esperam que o príncipe Mohammed reinvista até US$ 30 bilhões com eles.

“Não vejo como se poderia fazê-lo sem eles”, diz uma fonte.

Assessores do príncipe herdeiros aconselharam-no a reduzir sua exposição ao SoftBank. Mas se acredita ele ainda querer honrar sua promessa a Son.

Softbank publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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