quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Um Viva à Rainha… e a quem nunca apoiou um AI-5

Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor e integra a equipe que fundou o jornal. Foi editor-chefe de “O Estado de S. Paulo” e editor de Economia em várias publicações. Gosto de seus artigos. Comentou (Valor, 27/11/19) com fina ironia as últimas declarações ameaçadoras do Estado de Direito por parte do governo reacionário, isto é, dedicado a reagir contra o avanço da história social brasileira e retroagir à ditadura militar. Reproduzo-o abaixo.

Meio ficção, meio realidade, a série “The Crown”, da Netflix, traz boas lições de democracia. Na 3a temporada, conta a história de um “Golpe” – esse é o título do episódio 5 -, que teria sido tentado pelo então presidente do Banco da Inglaterra, Cecil King.

O Reino Unido estava em frangalhos em 1969. Falido, recorrendo ao FMI, libra em desvalorização havia três anos, segurança em farrapos e, principalmente, povo nas ruas protestando contra o governo trabalhista.

Cecil King bolou então um plano para “devolver o país aos trilhos”. Chamou alguns empresários, banqueiros e políticos para “salvar” o país da infiltração russa (comunista), que estaria sendo tramada pelo então primeiro-ministro Harold Wilson, do Partido Trabalhista.

As cenas da reunião são impagáveis. Lorde Mountbatten, tio do príncipe Philip (marido de Elizabeth II), foi chamado para chefiar a operação, porque tinha larga experiência no tema – havia sido ministro da Defesa no governo conservador.

Mountbatten, dez anos mais tarde assassinado pelo IRA, na Irlanda, decepcionou os golpistas. Disse que uma insurreição, para triunfar, precisava ter cinco elementos- chave:

1) controle da mídia;

2) controle da economia;

3) captura de cargos administrativos;

4) lealdade das Forças Armadas e da polícia;

5) legitimidade.

“Em uma economia desenvolvida como a do Reino Unido, esse golpe não tem a menor chance”, disse. “A menos que” – acrescentou, provocando silêncio na seleta plateia – “tenhamos o apoio da rainha.” A Coroa tem à disposição poderes constitucionais únicos e pode, em circunstâncias especiais, declarar Estado de Emergência, que lhe daria todos os poderes, disse o lorde.

Autorizado, ele foi então tentar convencer a sobrinha-rainha de que as circunstâncias dramáticas do país exigiam a medida de força. “Conspiração não é solução”, reagiu Elizabeth II.

“Vossa Alteza está protegendo o primeiro-ministro?”, perguntou o lorde. “Não, estou protegendo o primeiro-ministro, a Constituição e a democracia”, respondeu a rainha. “Mas se uma pessoa no centro da democracia tenta destruí-la devemos simplesmente esperar sem fazer nada?”

“Sim, devemos aguardar que as pessoas que o elegeram não o reelejam. Isso se realmente elas decidirem fazer isso.”

God Save the Queen” e todos aqueles que nunca pensaram em AI-5 como solução.

Brasil do Futuro

Mudando de assunto, mas não muito, aí vão perguntas relevantes: Que Brasil queremos ter daqui a dez anos? Quais objetivos pretendemos atingir? Vamos batalhar apenas para ter uma Previdência sem déficit, um Estado pequeno, uma economia privatizada?

Essas pretensões certamente são insuficientes para o país. Seria recomendável que o Brasil, como todo país em desenvolvimento, tivesse metas de criação de empregos. Claro que há um futuro nebuloso nessa área, porque os avanços tecnológicos exterminam postos de trabalho. Mas o país não tem opção a não ser entrar nessa “briga”: ter um programa que garanta empregos e que qualifique os brasileiros para as novas funções. Pelo que se vê, o governo vai na contramão, chegando ao absurdo de taxar o salário-desemprego.

As necessidades brasileiras vão bem além de cortar despesas públicas, diminuir o déficit do governo e privatizar estatais. Fiscalistas acham que, resolvidos esses problemas, o mercado resolverá automaticamente o resto. Mas seria bom que país pensasse, por exemplo, o que fazer com a indústria. Vai continuar despreocupado com a desindustrialização, com a falta de incentivo para tecnologia, com a “commoditização”?

O preâmbulo acima abre espaço para a citação de uma entrevista ao suplemento EU&Fim de Semana, do Valor, concedida pelo economista L. Randall Wray (*), professor do Bard College e pesquisador do Instituto Levy, de Nova York. O jornalista Diego Viana perguntou se ele defende “a volta do planejamento”. Resposta: “Toda economia é planejada, a questão é quem faz o planejamento e quem se beneficia”.

Primeiro, Wray se referiu aos EUA. Disse que “a economia americana é planejada, mas infelizmente quem a planeja é Wall Street, para beneficiar Wall Street”. Depois falou do Brasil. “O problema aqui é maior por causa da desigualdade e porque quem faz o planejamento está no topo da pirâmide.”

Wray acha que é necessário tirar planejamento das mãos dessa turma e entregá-lo a representantes eleitos. O problema é que os representantes, uma vez escolhidos, entregam o planejamento nas mãos de Wall Street, nos EUA, e da Faria Lima, no Brasil.

E a mídia tradicional ajuda nesse processo. Tanto lá quanto cá, ela ouve, venera e destaca as ideias e propostas de Wall Street e da Faria Lima.

Aumento do Imposto de Renda para a Classe Média

Mudando de assunto novamente, vêm aí, se não houver pressões insuperáveis, mais reformas que desta vez atingirão a classe média, nos seus vários níveis. A declaração do Imposto de Renda, que já é um calvário para os assalariados, vai ficar ainda mais dolorida. Haverá, segundo estudos do governo, redução das tradicionais deduções de despesas com saúde e educação, itens que sempre aliviam o “imposto a pagar” e proporcionam às vezes bem-vindas “devoluções”.

Para sustentar a mudança, o discurso é direto. Ao permitir deduções com educação e saúde, o governo está desviando recursos que poderiam ser arrecadados e utilizados nas duas áreas para beneficiar as populações mais pobres.

Vem aí também um aumento da alíquota máxima de Imposto de Renda, que hoje é de 27,5%, para não se sabe quanto. No discurso, a elevação é para aumentar a carga sobre os ricos. Perfeito: quem é rico tem que pagar mais Imposto de Renda. Mas será preciso ver com qual definição de rico trabalharão os especialistas da equipe econômica e da Receita Federal. Estão também na prancheta a tributação de dividendos e o aumento da taxação de rendimentos financeiros.

Discutir tudo isso é muito bom, mas o assunto exige planejamento dedicado para que não se cometam injustiças. E que esse planejamento não fique nas mãos da Faria Lima.

Um Viva à Rainha… e a quem nunca apoiou um AI-5 publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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