terça-feira, 8 de outubro de 2019

Relação Positiva entre Economia e Ficção Científica (por Ha-Joon Chang)

William Davies editou o livro intitulado “Ficções científicas econômicas” (Economic Science Fictions. University of London; Goldsmiths Press; 2018). Ha-Joon Chang, no capítulo inicial, diz grande parte da Economia ser ficção científica no sentido negativo da palavra, mas isso não significa a relação entre Economia e ficção científica tem de ser negativa. Como ele mencionou no começo do seu escrito, tanto a ficção científica quanto a Economia podem se beneficiar de uma maior interação entre si.

Antes de tudo, os escritores de Ficção Científica poderiam ter uma compreensão mais sólida da Economia. Por exemplo, por mais brilhante que possa ser de várias maneiras, o Bring the Jubilee de Ward Moore falhou em convencer totalmente, porque seu futuro alternativo parte da premissa totalmente implausível de o Sul ter vencido a Guerra Civil Americana.

Ao contrário do pensado pela maioria das pessoas, a Guerra Civil Americana foi mais sobre a estratégia de desenvolvimento econômico do país em vez da escravidão como uma questão ética. A estratégia inicial de desenvolvimento econômico dos Estados Unidos foi ditada pelos então países economicamente mais poderosos do Sul. Era uma estratégia baseada na exportação de produtos agrícolas, especialmente algodão e tabaco produzidos por plantações do sul escravistas, e na importação de produtos manufaturados da Grã-Bretanha e de outros países europeus.

Nesse ambiente, era muito difícil o desenvolvimento das indústrias manufatureiras americanas, porque os produtos manufaturados europeus não eram apenas melhores, mas também mais baratos, inclusive incluindo o custo do transporte. Era muito alto na época.

A guerra anglo-americana de 1812, no entanto, convenceu muitos americanos de seu país não poder sequer garantir sua própria segurança sem uma economia forte. Eles perceberam uma economia forte só poderia se basear em um setor manufatureiro forte. Era o que estava permitindo a Grã-Bretanha se mover à frente de outros países.

Os estados do Norte usaram essa mudança no sentimento nacional como uma oportunidade para introduzir uma nova estratégia de desenvolvimento, com base na ideia de ‘proteção da indústria infantil’, ou seja, a ideia de o governo de um país economicamente atrasado precisar proteger e nutrir suas jovens indústrias de transformação contra concorrência estrangeira superior. A ideia muito interessante foi inventada por ninguém menos que Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos.

Como resultado, ao longo do meio século seguinte, as indústrias manufatureiras do Norte cresceram rapidamente atrás do muro de altas tarifas de proteção, chegando a 30 a 40% em média. Na década de 1860, quando a guerra civil começou, a disparidade de poder econômico entre o Norte e o Sul era tão grande a ponto de não haver como o Sul vencer a guerra. Rhett Butler, o personagem masculino principal em Gone with the Wind, de Margaret Mitchell, colocou isso de maneira brilhante quando disse a seus amigos do sul: os Yankees venceriam a guerra porque tinham “as fábricas, as fundições, os estaleiros, as minas de ferro e carvão – tudo o que [nós, os sulistas] não temos”. Dada essa realidade econômica, o livro de autoria de Ward Moore, imaginando o Sul vencer a guerra civil, é seriamente deficiente, mesmo como um enredo de ficção.

Dito isto, os escritores de Ficção Científica se beneficiariam de ter um melhor conhecimento de Economia, Chang acrescenta: os principais beneficiários da interação seriam economistas. Desde o início, o Ficção Científica tem sido uma maneira muito poderosa de imaginar realidades alternativas nas quais tecnologias muito diferentes mudaram nossas instituições e, portanto, indivíduos, forçando-nos a repensar as premissas sobre instituições e indivíduos dadas como certo pelos economistas ao analisar a economia.

Assim, por exemplo, inúmeros Ficções Científicas distópicas retratam um mundo onde a destruição de tecnologias modernas por algum desastre destruiu instituições modernas, como o Estado (democrático ou não), democracia, a proibição do sistema de classes ou outras formas explícitas de discriminação, ou normas morais capazes de restringirem o comportamento agressivo ou apático dos indivíduos. O retrocesso tecnológico é mais frequentemente o resultado de uma guerra nuclear, como nas Crisálidas de John Wyndham, na série Mortal Engines de Philip Reeve ou na animação de Hayao Miyazaki, Nausicaa of the Valley of the Wind.

Mas também pode ser causado por outros desastres causados ​​pelo homem, como o esgotamento do petróleo e das mudanças climáticas, como nos Bone Clocks de David Mitchell. Quase invariavelmente, nesses mundos alternativos, a vida é muito dura, porque a destruição das instituições modernas aproximou as pessoas dos racionalistas egoístas idealizados na Economia neoclássica – a representação mais extrema disso sendo os filmes de Mad Max.

Obviamente, mais ficções científicas retratam um mundo onde as tecnologias são muito mais avançadas em lugar de quando as Ficções Científicas foram escritas. De fato, para muitos, esse é o ponto principal dessa literatura: explorar como a ciência e a tecnologia mais avançadas alteram as instituições sociais e a natureza humana, ou imaginam um mundo alienígena, geralmente com tecnologias muito mais avançadas em relação à dos humanos, nas quais nossas suposições usuais sobre instituições humanas e moralidades não se sustentam.

Relação Positiva entre Economia e Ficção Científica (por Ha-Joon Chang) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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