sábado, 26 de outubro de 2019

Políticas Monetárias Inócuas sem Política Fiscal Ativa

Phillip Arestis prossegue, no primeiro capítulo da coletânea de ensaios “Economic Policies since the Global Financial Crisis, International Papers in Political Economy” (University of Cambridge, 2017), tratando de instrumentos heterodoxos adotados pela política monetária, desde a Crise Financeira Global (GFC) até a subsequente Grande Recessão (GR).

As políticas do BCE não ajudaram nem a estabilidade nem a retomada do crescimento na área do euro. Assim, o Presidente do BCE na sua conferência para a  imprensa, após a reunião do Conselho de Governadores do Banco sugeriu não haver mais “senso de urgência” para mais estímulos.

O estudo do Banco Mundial (2015) sugere as taxas de juros negativas provocarem bancos a comprar ativos, em vez de manter reservas líquidas em títulos de dívida pública, pressionando os preços desses ativos e diminuindo a pressão sobre as taxas de juros, incluindo títulos do governo. Isso produz condições de crédito mais fáceis e suporta um crescimento maior. Se o governo pagar menores taxas de juros em sua dívida, no entanto, pode prejudicar ainda mais a lucratividade do banco, a diferença entre as taxas de empréstimos e depósitos dos bancos comerciais é reduzida. E reduzir a taxa de depósito para negativo é indesejável pelos bancos. Assim, acaba dificultando as condições de crédito.

Outro problema relevante é as taxas de juros negativas poderem levar os bancos a assumir riscos excessivos e procurar rendimentos positivos mais arriscados, criando assim bolhas de ativos. Riscos financeiros para a estabilidade surgem assim.

O estudo do Banco Mundial (2015) também sugere taxas de juros negativas, especialmente na Europa, poderem muito bem promover fluxos de capital para os países em desenvolvimento.

Um estudo mais recente do Banco Mundial (Arteta et al. 2016) conclui as taxas de juros negativas apresentarem complicações:

  • sua eficácia pode ser limitada;
  • poderia arriscar estabilidade financeira;
  • poderia corroer a lucratividade dos bancos e outros intermediários financeiros; e
  • poderia produzir riscos excessivos.

Além disso, os efeitos de transbordamento de taxas de juros negativas são semelhantes nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Beck e Malkhozov (2016) alertam para ‘grande incerteza’ se as taxas de juros permanecerem negativas por um período prolongado. Se mais e mais bancos centrais usarem taxas negativas como ferramenta de estímulo, existe a preocupação dessa política acabar levando a uma “guerra cambial” de desvalorizações competitivas.

Os mesmos autores argumentam ser realmente desconhecido como os mutuários e poupadores reagem a taxas de juros negativas. Além disso, é duvidoso os canais, através do qual a taxa de juros do banco central produz efeitos, operarem normalmente.

Beck e Malkhozov sugerem a esse respeito os bancos poderem não repassar taxas mais baixas do banco central aos mutuários, e, perversamente, restringir seus empréstimos, pois sua lucratividade sofre significativamente.

De fato, e como relatado no Financial Times (10 de março de 2016), banqueiros seniores advertiram o BCE sobre os “perigos de taxas de juros negativas”. O argumento deles é como as taxas de juros negativas não podem ser repassadas aos clientes, teriam “efeitos incapacitantes” em seus lucros. Eles também estão preocupados com a potencial fragilidade da estabilidade financeira na área do euro, aumentando assim a ameaça de outra crise financeira, forçando os credores a empreender demais em risco e, assim, criar o tipo de problema de ‘engenharia financeira’ dos EUA.

A resposta do BCE, conforme relatado no Financial Times (24 de março de 2016), é “os bancos devem ser mais eficientes” na tentativa de evitar os problemas com os quais eles estão preocupados. The Financial Times (13 de abril de 2016) também cita o Presidente do Bundesbank do Banco Central Alemão. Ele, em apoio às políticas monetárias do BCE, argumenta: “O debate não focaliza o suficiente nas consequências macroeconômicas mais amplas da política. As pessoas não são apenas poupadoras: elas também são funcionários, contribuintes e devedores, como tal, beneficiando-se do baixo nível de juros”.

Mas, de fato, nenhuma das economias com o padrão não ortodoxo da medida de política de juros negativos retornou a um crescimento robusto. King (2016) sugere: “O fracasso em reconhecer a necessidade de um ajuste real na maioria das grandes economias e a contínua confiança na política monetária como o “único jogo possível” constituem um erro tanto da teoria como da prática e são a causa do crescimento fraco de hoje” (p. 49).

Não admira um o estudo do FMI (2016a) advertir: a economia global está oscilando em torno de uma tendência de crescimento muito baixa por muito tempo. A recuperação atual é muito lenta, silenciosa e muito frágil. Há um sério risco de baixo crescimento persistente ter sérios efeitos econômicos prejudiciais em muitos países. O FMI (op. cit.) alerta a economia mundial estar cada vez mais vulnerável a “riscos de queda”, principalmente tendo em vista o baixo crescimento desde o GFC, principalmente, na UEM.

Sob tais circunstâncias, não surpreende o FMI (2016a) apelar aos formuladores de políticas nas grandes economias para identificar e implementar políticas capazes de aumentarem o crescimento e conterem riscos. Tais políticas, nessa visão, deveria incluir reformas estruturais, apoio fiscal, argumentado por ser a mais valiosa nesta fase, e uma política monetária frouxa para elevar as expectativas inflacionárias.

Acima de tudo, é claro, estimular a demanda agregada é mais importante, para cujo propósito a política fiscal expansionista é fundamental. De fato, a coordenação fiscal com política monetária é o melhor caminho a seguir (Arestis 2015).

Até agora, a discussão pública também se refere à “estabilidade financeira”. Ela surgiu como um novo objetivo da política monetária. Isso, então, requer explicações adicionais.

Arestis discutiu e focou neste capítulo questões monetárias relevantes para iniciativas políticas desde a CGF e a GR. A política monetária, desde então, abandonou o principal instrumento político, nomeadamente a manipulação da taxa de juros para atingir a meta inflacionária por parte do banco central. Essa foi a principal política com um instrumento só para alcançar o único objetivo político: a estabilidade de preços.

Ela estava muito na moda antes do GFC. Tendo em vista a taxa de juros ter sido reduzido a quase zero em muitos países após o CGF, e ficar lá desde então, na maioria dos casos, os formuladores de política monetária introduziram meios não convencionais para obter ainda uma meta inflacionária – e se justificarem.

O QE foi introduzido junto com taxas de juros próximas de zero e negativas em alguns casos. Uma nova meta foi introduzida como um objetivo adicional, nomeadamente a estabilidade financeira, mas a meta inflacionária ainda está por aí para ser alcançada por meio dos novos instrumentos “não ortodoxos” de política monetária, nomeadamente QE e juro quase zero, senão taxa de juro negativa.

Arestis discutiu a estabilidade financeira para concluir: pouco progresso real é evidente. Ele debateu esses desenvolvimentos no caso das principais economias mundiais, nomeadamente os Estados Unidos, o Reino Unido e a UEM.

Sua principal conclusão é os instrumentos não-ortodoxos não estarem sendo eficazes em termos de alcance de seus objetivos, especialmente se considerar elevar a taxa de inflação para alcançar uma meta prévia. Para que isso?! Para não fechar o Banco Central?!

Em termos de estabilidade financeira, embora tenham propostas para alcançá-lo, não há muito evidência de haver implementação dessas propostas e, assim, evitar uma crise futura do tipo GFC.

No entanto, os bancos centrais conseguiram contornar um colapso completo de seus sistemas financeiros e suas economias reais após o surgimento da GFC e da GR. Além disso, como Blinder e Zandi (2010) demonstram, “a Grande Recessão deu lugar à recuperação tão rapidamente, em muitos lugares, em grande parte por causa das respostas sem precedentes dos formuladores de políticas monetárias e fiscais”.

No entanto, as políticas monetárias têm sido muito ineficazes em restaurar uma recuperação robusta. A enorme expansão da base monetária teve pouco efeito sobre os agregados monetários e de crédito mais amplos, muito menos sobre inflação e nível de atividade econômica. A sugestão de Arestis sobre isso aspecto é a coordenação adequada das políticas monetárias e fiscais com estabilidade financeira ser o melhor e provavelmente o único caminho a seguir para produzir e manter um crescimento saudável da economia.

Este é o be-a-bá keynesiano, uma receita conhecida desde a Grande Depressão dos anos 30s do século passado. Noventa anos depois, ainda há economista vacilão…

Políticas Monetárias Inócuas sem Política Fiscal Ativa publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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