domingo, 27 de outubro de 2019

Noções Básicas de Contabilidade Setorial e Relações com Conceitos de Estoque e Fluxo

No livro Modern Money Theory: A Primer On Macroeconomics For Sovereign Monetary (University of Missouri-Kansas City, US. – 2nd Edition; 2015), L. Randall Wray continua com a divisão da economia em três setores:

  1. o setor privado doméstico (famílias e empresas);
  2. um setor governamental interno (incluindo governos locais, estaduais ou provinciais e nacionais);
  3. e um setor externo (o resto do mundo, incluindo residências, empresas e governos).

Cada um desses setores pode ser tratado como se tivesse um fluxo de renda e de gastos ao longo do período contábil, considerado um ano civil. Não há razão para qualquer setor individual equilibrar seus fluxos de receita e despesa a cada ano. Se gasta menos de sua renda, isso é chamado de superávit orçamentário do ano. Se gasta mais além de sua renda, isso é chamado de déficit orçamentário para o ano. Um equilíbrio orçamentário indica a renda ter igualado os gastos ao longo do ano.

A partir da discussão, ficará claro um superávit orçamentário ser a mesma coisa de um fluxo de poupança e levar à acumulação líquida de ativos (aumento da riqueza financeira líquida). Da mesma maneira, um déficit orçamentário reduz a riqueza financeira líquida. O setor ao apresenta déficit deve degradar seus ativos financeiros acumulados em anos anteriores (quando os excedentes foram gerados) ou devem emitir novas IOUs para compensar seus déficits.

Na linguagem comum, ele “paga” por seu déficit de gastos trocando seus ativos por depósitos bancários (chamado “liquidação”), ou emite dívida (“tomando emprestado”) para obter depósitos bancários. Uma vez quando os ativos acumulados acabam, não há escolha senão aumentar seu endividamento, todos os anos, ao administrar um orçamento deficitário.

Por outro lado, um setor ao possuir um superávit orçamentário acumulará ativos financeiros líquidos. Esse excedente assumirá a forma de reivindicações (direitos ou haveres) em pelo menos um dos outros setores.

Outra nota sobre ativos reais

Surge uma pergunta: e se alguém usar a poupança (um excedente do orçamento) para comprar ativos reais em vez de acumular ativos financeiros líquidos? Nesse caso, os ativos financeiros são simplesmente repassados ​​para outra pessoa.

Por exemplo, se você gasta menos do possível com sua renda, pode acumular depósitos na sua conta corrente. Se você decidir não deseja guardar suas economias na forma de um depósito passível de ser transferido com cheque no futuro, você pode assinar um cheque de imediato para comprar, digamos, uma pintura, um carro antigo, uma coleção de selos, imóveis, uma máquina, ou mesmo uma empresa comercial. Você converte um ativo financeiro em um ativo real.

No entanto, o vendedor fez a transação oposta e agora detém o ativo financeiro. O ponto é, se o setor privado considerado como um todo gera um superávit orçamentário, alguém acumulará ativos financeiros líquidos (haveres em outro setor), embora as atividades no setor privado possam transferir esses ativos financeiros líquidos de um “bolso” para outro.

Conclusão: o déficit de um setor é igual ao superávit de outro

Tudo isso nos leva ao importante princípio contábil de, se somarmos os déficits geridos por um ou mais setores, isso deve ser igual aos excedentes pelo (s) outro (s) setor (es). Após o trabalho pioneiro de Wynne Godley, podemos afirmar esse princípio na forma de uma identidade simples:

Saldo Privado Doméstico + Saldo do Governo Doméstico + Estrangeiro = Saldo 0 (zero)

Por exemplo, suponhamos o setor externo gerar um orçamento equilibrado (na identidade acima, o saldo externo é igual a zero). Vamos continuar supondo que a renda do setor privado doméstico seja de US $ 100 bilhões, enquanto tem gastos iguais a US $ 90 bilhões, obtendo um excedente orçamentário de US $ 10 bilhões no ano. Então, por identidade, o déficit orçamentário do setor governamental doméstico para o ano é igual a US $ 10 bilhões.

A partir da discussão anterior, nós sabemos o setor privado doméstico acumular US $ 10 bilhões em riqueza financeira durante o ano, consistindo em US $ 10 bilhões em passivos do setor governamental.

Como outro exemplo, suponha o setor externo gastar menos de sua receita, com um superávit orçamentário de US $ 20 bilhões. Ao mesmo tempo, o setor governamental doméstico também gasta menos de sua receita, obtendo um excedente orçamentário de US $ 10 bilhões. Pela nossa identidade contábil, sabemos, durante o mesmo período, o setor privado doméstico deve ter operado um déficit orçamentário igual a US $ 30 bilhões (US $ 20 bilhões mais US $ 10 bilhões).

Ao mesmo tempo, sua riqueza financeira líquida cairá US $ 30 bilhões como vendeu ativos e emitiu dívida. Enquanto isso, o setor governamental interno terá aumentado sua riqueza financeira líquida em US $ 10 bilhões (reduzindo dívidas pendentes ou aumento de créditos sobre os demais setores), e o setor externo terá aumentado sua posição financeira líquida em US $ 20 bilhões (também reduzindo sua dívida pendente ou aumentando seus haveres contra outros setores).

É evidente, se um setor tiver um superávit orçamentário, pelo menos um outro setor deve ter um déficit orçamentário.

Em termos de variáveis de estoque, para que um setor acumular riqueza financeira, pelo menos um outro setor deve aumentar seu endividamento pela mesma quantidade. É impossível todos os setores acumularem riqueza financeira, gerando superávits orçamentários.

Podemos formular outro “dilema”: se um dos três setores ter obtido um excedente, pelo menos um dos outros deve apresentar um déficit. Apesar de tentativas, nem todos podemos executar excedentes simultaneamente.

É muito parecido com uma imaginária comunidade fechada onde supostamente todos estivessem acima da média. Para cada habitante acima da média deve ter um abaixo da média. Assim como para cada déficit deve haver um superávit – ou excedente.

Noções Básicas de Contabilidade Setorial e Relações com Conceitos de Estoque e Fluxo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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