No livro Modern Money Theory: A Primer On Macroeconomics For Sovereign Monetary (University of Missouri-Kansas City, US. – 2nd Edition; 2015), L. Randall Wray afirma um ativo financeiro de um ser o passivo financeiro de outro agente econômico. É um princípio fundamental da Contabilidade, para todo ativo financeiro existir um passivo financeiro igual e contrário de modo compensatório. O depósito de verificação (também chamado de depósito à vista) é o financiamento financeiro ativo de uma família, compensado pelo passivo do banco (ou IOU).
Em outras palavras, os depósitos são ativos domésticos e responsabilidade do banco. Títulos de dívida pública ou privada é um ativo doméstico, mas representa um passivo do emissor, seja governo, seja corporação emissora de debêntures.
A família tem algumas responsabilidades, também, ao assumir empréstimo para estudante, uma hipoteca residencial ou um empréstimo de carro. Esses são mantidos como ativos pelo credor. Ele pode ser um banco ou qualquer tipo de instituições financeiras, como fundos de pensão, hedge funds ou companhias de seguros.
A riqueza financeira líquida de uma família é igual à soma de todos os seus ativos financeiros (igual à sua riqueza financeira) menos a soma de seus passivos financeiros (todos os IOUs denominados em dinheiro emitidos). Se isso é positivo, possui riqueza financeira líquida positiva.
Riqueza Interna versus Riqueza Externa
Muitas vezes, é útil distinguir entre diferentes tipos de setores na economia. A distinção mais básica é entre o setor público (incluindo todos os níveis do governo) e do setor privado (incluindo famílias e empresas). Se tivéssemos de contabilizar todas as emissões privadas de ativos e passivos financeiros, é lógico a soma de ativos financeiros deverem ser iguais à soma dos passivos financeiros.
Em outras palavras, a riqueza financeira privada líquida teria de ser zero se considerarmos somente IOUs do setor privado, exceto se o governo estiver mantendo algumas das dívidas privadas. Isso às vezes é chamado de “riqueza interna” porque é “dentro” do setor privado. Para o setor privado acumular riqueza financeira líquida, deve ser na forma de “riqueza externa”, ou seja, reivindicações financeiras em outro setor.
Dada a nossa divisão básica entre o setor público e o setor privado, a riqueza financeira externa assume a forma de IOUs do governo. O setor privado mantém moeda de emissão governamental (incluindo moedas e papel-moeda), bem como o valor total de títulos públicos (títulos de curto prazo, títulos com vencimento mais longo) ou ativos financeiros líquidos como uma parte de sua riqueza líquida positiva.
Uma Nota sobre Riqueza Não Financeira (Ativos Reais)
O ativo financeiro de um é necessariamente compensado pelo passivo financeiro de outro.
No total, a riqueza financeira líquida deve ser igual a zero. No entanto, os ativos reais representam uma riqueza que não é compensada pelo passivo de outra. Portanto, no nível agregado, a riqueza líquida é igual ao valor dos ativos reais (não financeiros). Para ser claro, você pode ter comprado um automóvel por meio de endividamento. Seu passivo financeiro (o empréstimo tomado para adquirir o carro) é compensado pelo ativo financeiro mantido pela empresa de empréstimo automático. Seu IOU é frequentemente chamado a “nota”, ou seja, uma promessa de pagamento. Como esses líquidos são zero, o que resta é o valor do ativo real: o carro.
Na maior parte da discussão a seguir, Randall Wray estará preocupado com ativos e passivos financeiros, mas lembre-se de o valor dos ativos reais fornecer lucro líquido para a riqueza, tanto no nível individual, quanto no agregado. Quando nós subtraímos todos os passivos financeiros do total de ativos (reais e financeiros), ficamos com ativos não financeiros (reais) ou patrimônio líquido agregado.
Riqueza financeira privada líquida é igual à dívida pública
Os fluxos (de receita ou despesa) se acumulam nas ações. A acumulação de ativos financeiros líquidos pelo setor privado ao longo de um ano só é possível porque seus gastos são menores em relação à sua renda durante o mesmo período. Em outras palavras, ele vem economizando, permitindo acumular um estoque de riqueza sob a forma de ativos financeiros.
Em exemplo simples, considerando apenas com um setor público e um setor privado, esses ativos financeiros são passivos governamentais, ou seja, moeda do governo e títulos do governo.
Mais adiante, Randall Wray fará uma discussão sobre reservas do Banco Central. Elas são passivos do banco central e ativos dos bancos. Em muitos aspectos, elas são como moeda do governo. Geralmente são consideradas como “dinheiro de alta potência” ou títulos públicos para lastrear operações de overnight, pagando juros estipulados pela Autoridade Monetária.
As IOUs do governo, por sua vez, são acumuladas pelo setor privado quando o governo gasta mais além do recebido na forma de receita de imposto. Este é um déficit do governo. Ele é o fluxo do governo ao gastar mais em relação ao fluxo de receita tributária do governo, medida pelo dinheiro da conta durante um determinado período, geralmente, um ano. Esse déficit acumula sob forma de um estoque de dívida do governo igual aos títulos de dívida pública possuídos pelo setor privado como lastro de sua acumulação de riqueza financeira no mesmo período.
Randall Wray dará adiante uma explicação completa do processo de gastos do governo e os impostos. O que é necessário entender nesta questão é os ativos financeiros líquidos mantidos pelo setor privado serem exatamente iguais aos passivos financeiros líquidos emitidos pelo governo em nosso exemplo de dois setores.
Se o governo sempre executar um orçamento equilibrado, com seus gastos sempre iguais à receita tributária, a riqueza financeira líquida do o setor privado será zero. Se o governo funcionar continuamente com excedentes orçamentais, isto é, seus gastos serem inferiores às receitas fiscais, a riqueza financeira líquida do setor privado deve ser negativa. Em outras palavras, o setor privado ficará em dívida com o setor público.
Podemos formular um “dilema” resultante: em nosso modelo de dois setores, é impossível para o setor público e o privado executarem política de excedentes no agregado. E se o setor público gerasse excedentes, por identidade o o setor privado teria de ter déficits iguais. Se o setor público acumulasse excedentes suficientes, durante algum período, para resgatar todos os seus títulos de dívida pública, por identidade o setor privado geraria déficits equivalentes, diminuindo sua riqueza financeira líquida até chegar a zero.
Dívidas do resto do mundo são ativos financeiros domésticos
Outra divisão útil é formar três setores: um setor privado doméstico, setor público doméstico e setor “resto do mundo” (ROW). Consiste em governos, firmas e famílias estrangeiras. Nesse caso, é possível o setor privado nacional acumular créditos líquidos sobre ROW, mesmo quando o setor governamental doméstico gerar um orçamento equilibrado, com seus gastos no período exatamente iguais à receita tributária. A acumulação do setor privado doméstico de ativos financeiros líquidos caso é igual à emissão da ROW de passivos financeiros líquidos.
Finalmente, e de maneira mais realista, o setor privado doméstico pode acumular riqueza financeira líquida composta por passivos de ambos governos (nacionais e do resto do mundo), bem como passivos em linha com eles. É possível para o setor privado doméstico acumular dívida do governo (aumentando a receita de sua riqueza financeira líquida), além de emitir dívida contra o ROW (reduzindo sua margem de riqueza financeira). Em próxima seção, Randall abordará uma discussão detalhada sobre saldos.
Uma observação sobre a importância dos ativos internos
Alguns críticos afirmaram a MMT ignorar os ativos internos, pois enfatiza a riqueza financeira líquida. Isso não é verdade. A MMT tentou focar a atenção na fonte dos ativos financeiros líquidos do setor privado – ou riqueza externa – porque há muita confusão sobre a conveniência de déficits do governo. Insiste:
- em uma economia fechada, a única fonte dos ativos financeiros líquidos é o governo;
- em uma economia aberta, reivindicações sobre o resto do mundo é outra fonte.
No entanto, o setor privado doméstico por si só não pode criar ativos financeiros líquidos, porque todos os ativos criados e mantidos dentro desse setor são compensados por um passivo dentro do setor.
Mas isso não significa a criação do setor privado doméstico de ativos e passivos financeiros deverem ser ignorados. É claro importar quem está endividado e quem é o credor. Geralmente, o setor empresarial vai assumir dívida, a fim de expandir a capacidade de obter lucros. O setor familiar se endivida para comprar casas e produtos de consumo. Contudo, o setor doméstico é um credor líquido, pois acumula recursos financeiros em ativos, para poupar para pagar faculdade e manter padrão de vida durante a aposentadoria, por exemplo.
Se olharmos para dentro desses subsetores, descobrimos alguns segmentos serem fortemente endividados enquanto outros são credores líquidos. Por exemplo, descobrimos as famílias chefiadas por pessoas idosas são credoras líquidos, enquanto aquelas chefiados por pessoas mais jovens são devedores líquidos. Podemos encontrar altas concentrações de riqueza financeira entre brancos e pequenas acumulações de riqueza financeira entre negros e hispânicos. E encontramos crescentes concentrações de ativos entre os um por cento (top 1%) mais ricos.
Todas essas questões são importantes e têm sido cada vez mais estudadas nas últimas três décadas. O aumento do endividamento das famílias nos Estados Unidos e em grande parte da Europa contribuiu para a crise financeira global. Aumentar as concentrações de riqueza nas mãos de poucos levanta enormes problemas para as democracias ocidentais. Empréstimos de empresas para financiar especulações em vez de investimento produtivo, sobrecarregaram as empresas sem aumentar sua capacidade de lucrar com a produção. Todas essas questões têm a ver com riqueza financeira interna e riqueza financeira externa.
Estudiosos fora do MMT tendem a se concentrar nas distribuições de riqueza financeira no setor privado. A MMT tentou abrir a discussão sobre o impacto da austeridade fiscal na fonte da riqueza externa do setor privado. Estes são esforços complementares, não excludentes.
Noções Básicas de Contabilidade para Estoques e Fluxos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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