Phillip Arestis prossegue, no primeiro capítulo da coletânea de ensaios “Economic Policies since the Global Financial Crisis, International Papers in Political Economy” (University of Cambridge, 2017), tratando de instrumentos heterodoxos adotados pela política monetária, desde a Crise Financeira Global (GFC) até a subsequente Grande Recessão (GR).
O Quantitative Easing (QE) é uma medida pouco ortodoxa, mas também existe o juro com valor próximo de zero / negativo. Esse tipo de política de taxas de juros foi introduzido mais recentemente. Arestis discutimos ambos neste e no próximo post.
O QE inclui dois tipos de política:
- a de tipo convencional pela qual os bancos centrais adquirem títulos do governo; e
- a de tipo não convencional pela qual os bancos centrais compram títulos corporativos de qualidade emitidos como papel comercial.
O objetivo de ambas medidas é aumentar a oferta e a liquidez de dinheiro, melhorando a atividade de negociação nesses mercados.
Existem os seguintes canais possíveis de QE.
Canal de liquidez: aumentando as reservas de caixa das instituições, o que poderia potencialmente financiar novas alavancagens financeiras de patrimônio líquido com base em crédito. Os empréstimos bancários são assim influenciados, o que afeta os gastos. A compra de ativos do setor privado de alta qualidade é melhorar a liquidez e aumentar o fluxo de crédito corporativo.
Canal de portfólio: alterando a composição das carteiras, afetando preços e rendimentos de ativos, o que afeta tanto o juro em longo prazo com spread sobre as apólices (o prêmio a prazo) e os requisitos exigidos de retorno sobre ativos de risco em relação a ativos sem risco (o prêmio de risco). Assim, afeta a riqueza dos detentores de ativos. Isso também afeta o custo do empréstimo para as famílias e as empresas, o que influencia o consumo (também afetado pela mudança de riqueza) e investimento.
Canal de gerenciamento de expectativas: compras de ativos implicam, embora a taxa bancária seja próxima de zero, em o banco central estar preparado para fazer o que for necessário para manter a inflação definida como alvo. Ao fazê-lo, o banco central mantém as expectativas de inflação futura ancorada ao alvo.
O sucesso ou não do QE para alcançar um crescimento econômico saudável e atingir a meta inflacionária, depende de quatro aspectos:
- o que os vendedores dos ativos fazem com o dinheiro recebido em troca do banco central;
- a resposta dos bancos à liquidez adicional recebida ao vender ativos para o banco central;
- a resposta do mercado de capitais às compras de dívida corporativa; e
- a resposta mais ampla de famílias e empresas, especialmente às tentativas de influenciar as expectativas de inflação.
Há dúvidas quanto à sua eficácia, tendo em vista a combinação de QE e taxas de juros extremamente baixas não ter resultado ainda em retomada de crescimento econômico. Este é o caso quando as taxas de juros de todos vencimentos de dívida são zero.
Então, dinheiro e títulos do governo de longo prazo se tornam substitutos perfeitos (ambos são promessas do governo de pagar/resgatar o investimento, oferecendo por isso juros nulos) e a criação de um ao comprar o outro não faz diferença (King 2016, p. 183). Sob tais circunstâncias, é altamente improvável o investimento produtivo se materializar porquanto os investidores preferem ter mais dinheiro em lugar de investir, tendo em vista expectativas de crescimento deficientes e a incerteza radical quanto ao futuro.
Um outro problema é, se os fundos de QE fluírem para o mercado imobiliário. Se as taxas de hipoteca permanecerem baixas, a expansão de empréstimos e investimentos imobiliários poderiam acompanhar a alta da especulação, juntamente com a pressão sobre os preços da habitação, tornando-se assim o precursor de uma bolha imobiliária.
Contudo, uma vantagem é clara: o QE tornou mais fácil para os governos em termos de suas políticas fiscais, porque existe um comprador pronto para adquirir dívida do governo por conta do risco soberano. Dispõe-se até a pagar por ele. Sem essa facilidade, haveria dificuldades e poderia forçar os governos a conter o grau de suas iniciativas fiscais.
Há outra proposta relevante, semelhante à de Friedman (1969) de lançar “dinheiro de helicóptero” (ver, por exemplo, Bernanke 2016; Turner 2015). A presente proposta refere-se ao caso quando o financiamento de mais altos gastos do governo com impostos mais baixos se dá por conta de o Banco Central imprimir dinheiro em vez de o governo aumentar sua dívida.
Não requer aumento de empréstimos para funcionar. Portanto, os adeptos da proposta argumentam tal política não aumentar a carga tributária futura, dando maior impulso aos gastos das famílias, o que geraria a demanda agregada urgentemente necessária, além de inflação mais alta. Mais outra vantagem seria o dinheiro de helicóptero evitar as consequências distributivas da QE, pois ela alcançaria todos os lares, diferentemente do QE. Esta aumenta apenas o valor da riqueza dos proprietários dos ativos relevantes.
O problema dessa abordagem é a governança. Quem decide o sobrevoo e como prosseguir com o ‘dinheiro do helicóptero’ é uma questão muito importante. Para concluir bem, seria necessária uma coordenação das políticas monetária e fiscal, o que colocaria em risco a independência do banco central – se essa independência for desejável. Se tal coordenação não for possível, existe a subordinação da política monetária à política fiscal e a possibilidade de abandonar a política monetária para sempre.
Além disso, taxas de juros teimosamente baixas e o QE podem produzir o fim da independência do banco central. Isso seria muito natural, tendo em vista de sua incapacidade de gerar forte crescimento e não existir mais inflação a se combater. Além disso, a monetização da dívida pública é um objetivo contrário ao usual de um banco central independente.
Há também o ‘QE da cidadania’. Este é diferente do QE já realizado pelos bancos centrais. Apoiaria a infraestrutura, pela qual o governo realizaria um financiamento socialmente relevante através do empréstimo de certa quantidade de dinheiro depositado pelo banco central nas contas dos responsáveis pelas obras públicas.
A distinção entre QE cidadão e QE comum são os seguintes. O QE comum envolve a troca de um conjunto de ativos existentes por ativos monetários, enquanto o QE da infraestrutura envolve o uso de recursos reais, porque o dinheiro estaria “carimbado”. Além disso, se governos ou bancos centrais terem controle sobre o destino do processo monetário é outra distinção.
O “QE da cidadania” encerra a independência operacional dos bancos centrais, porque são os governos, não os bancos centrais, quem decidiria se aumentaria a oferta de dinheiro. Há, no entanto, mais um problema com esta proposta. Na verdade, isso equivale a uma monetização da dívida pública.
Um efeito poderoso sobre as expectativas públicas pode se materializar. Daí o risco é os mercados desestabilizarem, tendo em vista a tentação das autoridades fiscais continuarem usando-a com frequência. Pode causar instabilidade na administração da dívida pública. No entanto, se os mercados a apreciarem ou não dirá se é interessante o impacto de tais políticas no crescimento.
Políticas Monetárias Não Ortodoxas: Quantitative Easing publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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