terça-feira, 15 de outubro de 2019

Princípio do Fim para os Grandes Bancos?! Ora, ora…

Rodrigo Lowndes (Valor, 11/10/2019) foi presidente do Banco Morgan Stanley no Brasil e responsável pela empresa de private equity Southern Cross no Brasil. É sócio da empresa XPRT Consulting de assessoria financeira. Reproduzo seu artigo abaixo.

A tecnologia vem mudando significativamente a dinâmica de negócios tradicionais nos últimos 20 anos. Chegou a vez do setor financeiro. Em sua primeira onda, a tecnologia reduziu sensivelmente os custos operacionais dos bancos estabelecidos, através de caixas eletrônicos, internet banking e meios de pagamento digital. Esse movimento beneficiou inicialmente os grandes bancos, que conseguiram melhorar seus processos e reduzir seus custos. Mas essa redução de custos via tecnologia abriu caminho também para uma nova dinâmica de negócios no setor, permitindo a entrada de novos competidores.

Nesta nova fase, as mudanças tecnológicas vêm beneficiando enormemente novas plataformas financeiras digitais, seja através da redução do custo de captação de clientes ou novas formas de interação. Em seu primeiro movimento, as novas plataformas financeiras digitais estão buscando principalmente clientes mais lucrativos. Eles tradicionalmente compram produtos caros dos grandes bancos. Foi assim com as plataformas abertas de investimentos, como XP, Easynvest ou Genial, que trouxeram mais opções, melhores rentabilidades e menores custos de investimentos.

Foi assim também com as novas emissoras e processadoras de cartões de crédito, como a Nubank, Stone e PagSeguro, que utilizaram estratégias mais agressivas de marketing e precificação para ganhar mercado. Mais recentemente, os bancos digitais, como Inter, Nubank, Original e C6, vêm aumentando rapidamente o número de clientes, via facilidade de interação (completamente diferentes das plataformas digitais dos grandes bancos) e gratuidade de tarifas.

Em um futuro próximo, as plataformas digitais oferecerão, sem aumento de custos, serviços muito superiores aos atuais.

Por que preencher um formulário de perfil de risco se um algoritmo de inteligência artificial pode calcular seu perfil baseado em seus dados pessoais, situação familiar e profissional, estilo de vida (se a regulação permitir) e, subsequentemente, te oferecer os melhores investimentos, cartões e experiências?

Por que se acomodar com uma opção de financiamento oferecida pela concessionária de veículos ou loja de eletrodomésticos se um algoritmo pode instantaneamente analisar diversas ofertas de empréstimo disponíveis no mercado e te oferecer a melhor opção para financiar sua compra?

Por que as taxas de juros não variam dependendo do perfil de risco de cada pessoa buscando um empréstimo?

A competição, aliada à nova realidade de taxa de juros básica no país, vem reduzindo a rentabilidade de vários produtos tradicionais dos grandes bancos no Brasil. O “float”, isto é, a diferença de juros entre o dinheiro que fica parado em conta e a aplicação no mercado interbancário, está cada vez menor com uma Selic se aproximando de 5% ao ano. As taxas de administração de fundos de investimentos, de cartões de crédito ou manutenção de conta corrente vêm sendo pressionadas pelas plataformas digitais. Todos esses efeitos, apesar de ainda pequenos nos balanços dos grandes bancos, indicam uma tendência irreversível e crescente.

O último bastião de rentabilidade ainda não ameaçado dos grandes bancos é sua carteira de crédito, alimentada por custos de funding próximos a 5% e taxas cobradas dos clientes superiores a 200% a.a. Grande parte dos lucros reportados pelos grandes bancos é composta pela rentabilidade deste produto. Nesse momento, os grandes bancos ainda possuem uma vantagem significativa nos produtos de crédito, que ainda é muito dependente de dois fatores principais: inteligência de gerenciamento de inadimplência e custo/disponibilidade de “funding”. No entanto, ambos fatores têm claras perspectivas de mudanças nos próximos anos.

Do lado da inteligência de crédito, avanços como o cadastro positivo, open banking e algoritmos de inteligência artificial já estão melhorando o gerenciamento da inadimplência para os novos entrantes no mercado. Por outro lado, quanto mais participação de mercado ganharem as novas plataformas de bancos online, mais informações elas terão sobre seus clientes e menores seus custos de funding.

Alguns dos maiores bancos tradicionais já se preocupam em evoluir seus negócios. No início de setembro, o Itaú Unibanco participou de um encontro patrocinado pela Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), onde detalhou sua perspectiva de mudanças de mercado e o que o banco estava fazendo sobre isso. Dentre as iniciativas apresentadas, algumas delas, como ouvir seus clientes, procurar engajá-los, e reduzir paulatinamente seu custo com funcionários e agências, são muito positivas e certamente tornarão o Itaú Unibanco um banco muito melhor no curto prazo. Infelizmente, esta estratégia não evitará que o Itaú Unibanco se torne um banco menor e menos lucrativo no longo prazo.

Não se combate uma revolução com uma evolução. Não se pergunta aos clientes o que eles querem quando se fala de inovação. Como dizia Steve Jobs, fundador da Apple, “não é função do cliente saber o que ele quer”. Os novos provedores financeiros digitais têm uma estrutura de custos e uma forma de atender o cliente completamente diferentes dos grandes bancos tradicionais. E não há como os grandes bancos evoluírem para uma estrutura de custos, sistemas, ou uma nova forma de interação com o cliente, sem destruir completamente seu negócio atual, porque seus clientes tradicionais ainda demandam interações tradicionais.

O processo de “destruição criativa” no mercado financeiro já começou. Diversas outras indústrias estão passando por estas mudanças, muitas de forma mais avançadas, como o varejo (Amazon), entretenimento (Netflix) e mobilidade (Uber). A única pergunta relevante para os bancos tradicionais é se eles mesmos vão destruir seus próprios negócios atuais, migrando controlada e progressivamente seu valor para novas plataformas, ou se eles deixarão que outros o façam.

Como uma avalanche, os movimentos iniciais são sutis para quem os observa na superfície: os efeitos da competição ainda são pequenos nos balanços atuais dos grandes bancos. No entanto, analisando o que vem acontecendo em outras indústrias, os planos estratégicos das novas plataformas financeiras digitais e seus resultados, fica muito claro que o impacto será crescente e muito significativo. O cenário bancário no Brasil será muito diferente em 2025.”

CONTRAPONTO:

As fintechsempresas financeiras de base tecnológica – são “muito bem-vindas” no mercado brasileiro, mas não vão resolver as questões regulatórias. Elas limitam a queda nas taxas de juros oferecidas ao cliente final no país, afirmou o economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, no seminário “Precisamos falar sobre juros”, promovido pelo Valor, pelo jornal “O Globo” e pela própria Febraban.

Presente ao evento, o presidente-executivo da entidade, Murilo Portugal, ressaltou o aumento da competição no setor bancário não ser condição suficiente para diminuir o spread, a diferença entre a taxa de captação no mercado e a cobrada dos clientes finais. “Somos completamente a favor de aumentar a concorrência no setor”, afirmou Portugal, no painel de abertura do evento.

E acrescentou: “Mas achamos só isso não bastar”. Entre os entraves à redução dos spreads bancários no país não afetados pela concorrência, há a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ela incide nas operações de crédito. As instituições financeiras precisam também aumentar a sua produtividade.

Presidente do conselho de administração do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o economista Sérgio Werlang afirmou: o sistema bancário brasileiro é concentrado, em boa parte, devido a decisões governamentais tomadas de forma consciente. A intenção das autoridades foi a de fortalecer o sistema, tese que se provou acertada na crise financeira internacional de 2008, disse Werlang, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC).

Werlang citou também o acordo de Basileia 3 de requerimento de capital do setor bancário, em fase de implementação, como outro fator que contribuiu para a concentração.

“Há uma diferença entre concentração e competição. E não necessariamente um setor concentrado quer dizer que não haja competição entre os agentes”, argumentou Rubens Sardenberg, da Febraban. “Quando a gente analisa outros países, vemos que não há essa correlação entre spreads e concentração.”

Sardenberg mencionou Austrália e Chile como exemplos de nações que, embora apresentem um setor bancário altamente concentrado, têm spreads bem mais baixos que o Brasil.

Na avaliação de Sardenberg, à medida em que se embrenharem no mercado de crédito, as fintechs vão enfrentar os mesmos problemas que os bancos tradicionais têm atualmente, principalmente no tocante à dificuldade de recuperação rápida de garantias de crédito. “As fintechs não vão resolver este problema regulatório”, afirmou o economista-chefe da Febraban, numa referência a fatores como impostos, custos administrativos elevados e depósitos compulsórios.

Para José Júlio Senna, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretor do BC, as fintechs contribuem de forma decisiva para ampliar a competição no setor financeiro na medida em que promovem uma injeção de tecnologia no negócio e possuem custos operacionais “baixíssimos”.

Entretanto, Senna e Sardenberg concordaram: a contribuição das fintechs no mercado de crédito tende a ser muito limitada dentro da regulamentação atual. Pelas regras atuais, os empréstimos feitos pelas fintechs só podem ser realizados com capital próprio ou na modalidade “peer-to-peer”, modelo de financiamento capaz de tomar dinheiro diretamente de uma pessoa ou grupo de pessoas.

Especificamente, a tributação da receita líquida de intermediação a que os bancos estão sujeitos e a insegurança jurídica são elementos para manter o spread bancário elevado no Brasil.

Princípio do Fim para os Grandes Bancos?! Ora, ora… publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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