Alex Ribeiro e Mariana Ribeiro (Valor, 08/10/2019) informam: o projeto de lei de liberalização cambial enviado pelo governo ao Congresso dá o primeiro passo para a abertura às fintechs do mercado de remessas internacionais, quebrando a exclusividade hoje em vigor de perto de duas centenas de bancos com carteira de câmbio.
A proposta também avança nas agendas de:
- conversibilidade da moeda, simplificando os fluxos de ingresso e saída de dólares do país;
- internacionalização do real, permitindo a atuação de bancos correspondentes; e
- permissão para pessoas físicas terem contas em moeda estrangeira.
A legislação hoje em vigor permite o ingresso e a saída de moeda estrangeira do país serem feitos apenas por bancos com autorização para operar no mercado de câmbio. O projeto de lei mantém essa determinação mais geral, mas abre espaço para o BC autorizar outros tipos de instituições a efetuar essas operações, obedecendo a diretrizes baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Hoje, são 187 bancos autorizados a operar em câmbio, num sistema restritivo que garante maior controle sobre as remessas. O diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, lembrou: em outros países, as fintechs atuam nesse mercado, barateando as operações. Daí, o monopólio de bancos na área cambial vai acabar.
Um estudo publicado pelo BC no seu Relatório de Economia Bancária mostra que os bancos operam com grandes margens nesse mercado. O spread mediano das operações é de 0,9%, considerando a diferença entre os valores de compra e venda de moeda de empresas pelos bancos e as cotações no interbancário.
Uma fonte da área bancária argumenta: o spread é elevado devido aos diversos custos regulatórios da legislação atual. Não só as fintechs, mas todos operadores neste mercado, poderão oferecer produtos a preços mais competitivos para os seus cliente daqui por diante.
O projeto de lei, enviado ao Congresso, no dia 05/10/19, cria uma legislação mais enxuta e simplificada para as operações cambiais, nelas incluídas o ingresso e a saída de capitais estrangeiros e os fluxos de comércio exterior e serviços.
Com apenas 26 artigos, ele consolida mais de 40 leis antigas que haviam sido editadas desde 1920, com mais de 420 artigos. Isso muitas vezes traz insegurança jurídica para os diversos players do mercado. Então, um dos objetivos é consolidar em um único projeto, com muito menos artigos, uma legislação que hoje está dispersa.
O texto basicamente prevê princípios das operações de câmbio, estabelecendo que as transações com moeda estrangeira poderão ser livremente contratadas, desde que respaldadas pela legislação em vigor e por fundamentação econômica. Os detalhes e como irá, de fato, operar esse ambiente de maior liberdade cambial serão definidos por uma legislação infralegal, por meio de diretrizes fixadas pelo CMN e normas editadas pelo BC.
É o caso, por exemplo, das contas em dólares. Hoje alguns segmentos já podem ter conta em moeda estrangeira. O projeto não permite a pessoa física ter conta em dólar. Isso não está no radar de curto prazo. Mas no médio/longo prazo sempre vamos estar abertos a fazer aperfeiçoamentos. Nesse caso, a permissão poderia ser concedida por meio de regulamentação infralegal.
Uma das principais críticas à possibilidade de pessoas físicas e empresas em geral deterem contas em moeda estrangeira é o risco de dolarização da economia, sobretudo nos períodos de aceleração inflacionária. Na exposição de motivos apresentada no projeto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizem: “essa permissão para ampliar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil será conduzida de forma gradual e prudente, alinhada ao processo de aprofundamento dos fundamentos macroeconômicos e financeiros da economia”.
A permissão de contas em dólares no país não é a medida mais importante do projeto de lei. Essa faculdade já existe para alguns setores, como o de energia e de emissões de cartão de crédito internacional.
A proposta autoriza empréstimos e financiamentos bancários a não residentes, permitindo o financiamento de importadores de produtos brasileiros por bancos brasileiros. Também será concedida maior liberdade para a gestão dos recursos mantidos no exterior por exportadores, permitindo inclusive a realização de empréstimos para subsidiárias ou terceiros.
O projeto de lei também procura avançar na internacionalização do real, o que o Banco Central tem chamado de conversibilidade. A proposta permite BCs estrangeiros e câmaras de compensação e custódia tenham contas em reais e em moeda estrangeira no país. Isso permitirá os bancos centrais de outros países invistirem em títulos públicos denominados em reais. O Banco Central foi procurado por bancos centrais estrangeiros para a compra de títulos públicos federais. Isso está sendo tratado na lei e avançando na possibilidade de BCs estrangeiros terem conta aqui.
O projeto aprimora as regras para a atuação de bancos correspondentes que operam com o real. Será permitido o envio ao exterior de ordens de pagamento de brasileiros a partir de contas em reais mantidas no Brasil e tituladas por bancos do exterior.
A permissão para a abertura de contas em reais no exterior é um passo importante no processo de internacionalização da moeda nacional. Muitas vezes, no âmbito no Mercosul, há demanda por contas em reais nos países com fronteira comum, para negociações do dia a dia.
A exposição de motivos argumenta ainda, apesar da maior liberalização cambial, estarem sendo mantidos os controles contra crimes de lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo.
O projeto de lei de liberalização cambial enviado pelo governo ao Congresso Nacional remove o “entulho legal” acumulado em décadas de controles criados quando o país vivia seguidas crises de balanço de pagamentos. Hoje, boa parte dessas medidas praticamente não tem função e impõe custos à economia.
Um exemplo é a lei 4.131, de 1962, que determinou o registro obrigatório de capitais estrangeiros no Banco Central, que será praticamente toda revogada com a aprovação do novo projeto. Essa legislação foi criada para dar garantias aos investidores estrangeiros de que, se eles ingressassem com recursos dentro do país, poderiam retirar mais tarde o principal e seus rendimentos, como lucros e dividendos.
Naquele período, o investidor estrangeiro que se aventurava no Brasil vivia sobre a incerteza das mudanças nas regras cambiais, sobretudo o fantasma da decretação de controles na saída de capitais nas crises internacionais.
Depois quando os controles de capitais começaram a ser relaxados no Brasil, no começo da década de 1990, esses registros passaram a ter menos sentido do ponto de vista de dar segurança para os investidores sobre a repatriação dos valores investidos no país.
Os registros continuaram a ser feitos, porém, sobretudo para compilação de estatísticas do balanço de pagamentos. Esse sistema impõe custos para os investidores, em especial para operações de menor valor. A ideia do BC é substituir esse sistema mais oneroso por um simplificado. Os detalhes, porém, ainda não foram revelados – isso ficará para a regulamentação infralegal, que deverá ser adotada no prazo de um ano depois da aprovação da nova regra.
O dispositivo mais antigo que o projeto pretende revogar é a lei no 4.182, de 1920, que determina a fiscalização para a prevenção e para coibir o “jogo no câmbio”. Também deve perder valor um decreto com força de lei de 1933 (no 23.258). Ela classifica como “ilegítimas” operações caso não transitem pelo mercado de câmbio.
São conceitos vagos. Criam insegurança jurídica para quem atua no mercado de câmbio, embora na prática o ambiente prevalecente seja de avançada liberdade nesse tipo de operação.
Talvez um dos passos mais importantes foi dado no governo Lula, em 2005, com a unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante e a adoção do princípio de todas as operações de câmbio serem autorizadas, caso fundamentadas economicamente e sigam a legislação.
Alguns dos dispositivos com pretensão de revogar tratam do monopólio do Banco do Brasil para adquirir dólares no mercado de câmbio. Em muitos períodos foi exercido em sistemas de taxas múltiplas de câmbio. Eles davam vantagens para alguns setores e puniam outros.
Ao mesmo tempo, enquanto revoga dispositivos criadores de incerteza jurídica, o projeto preserva a margem de manobra para o governo atuar nas eventuais crises do balanço de pagamentos.
No caso da Lei 4.595, por exemplo, foi mantido o inciso 18 do artigo 4o, que permite ao CMN “outorgar ao Banco Central da República do Brasil o monopólio das operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos ou houver sérias razões para prever a iminência de tal situação.”
Também trata de forma cuidadosa a revogação de alguns itens, como o que proibia a compensação privada no câmbio – alguém compensar um pagamento no Brasil com outro fora do país. O projeto mantém a proibição, mas diz o BC poder determinar as circunstâncias quando isso seria permitido e exigir a prestação de informações.
Liberalização Cambial: Risco de Dolarização da Economia Brasileira publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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