segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Fundamentos Comportamentais do Novo Pensamento Econômico

Foi publicada em 9 de agosto de 2019 um artigo reproduzindo uma versão editada de uma entrevista conduzida pelo Professor Eric Beinhocker, diretor executivo do INET (New Economic Thinking) da Oxford University, com o professor Sanjit Dhami da Universidade de Leicester, autor de Análise dos Fundamentos da Economia Comportamental. Este livro foi lançado em 9 de maio de 2019 na Universidade de Oxford.

As questões propostas pelo professor Beinhocker cobrem um amplo terreno interdisciplinar. Trata de:

  • as importantes contribuições da Economia Comportamental e o caminho a seguir;
  • a inércia na profissão de economistas dificultando aceitar a nova pesquisa interdisciplinar;
  • o método científico;
  • a interação entre cultura, comportamento e instituições;
  • o papel das normas; e
  • uma crítica da Ciência da Complexidade aos modelos baseados em agentes.

A publicação desta entrevista contribui como fosse um documento de trabalho para promover o debate e a reflexão entre economistas e outros cientistas a respeito de algumas das questões “gerais” nas Ciências do Comportamento. Destaca o papel poderoso da Economia Comportamental ser capaz de desempenhar na iluminação de uma compreensão mais profunda da Economia e de outros sistemas sociais complexos. Faz uma avaliação da Economia Comportamental e seus desenvolvimentos.

Eric Beinhocker: Qual é a sua avaliação geral da economia comportamental hoje? Qual trabalho mais te excita e onde estão as áreas onde é necessário maior progresso?

Sanjit Dhami: Eu adoto uma abordagem bastante holística da Economia Comportamental. Eu a vejo como Economia enriquecedora usando ideias da Psicologia, Sociobiologia, Sociologia, Antropologia, Neurociência, Complexidade e Aprendizado de Máquina.

Sem ser atraído para uma definição formal, Economia Comportamental é qualquer emenda à Economia Neoclássica capaz de introduzir uma imagem mais empírica do comportamento humano e torna falsificável as previsões baseadas em uma teoria rigorosa, certamente não menos rigorosa se comparada à economia neoclássica.

A teoria neoclássica, como originalmente prevista por seus criadores, sem dúvida tinha um escopo mais amplo que a versão atual dos modelos neoclássicos. Por exemplo, expectativas adaptativas e outras preferências, além de papéis para a história e a cultura faziam parte do discurso, de alguma forma, hoje desconsiderado. Para não haver confusão, quanto ao seguinte, quando me refiro à Economia Neoclássica, me refiro à prática real do assunto, e não ao escopo inicial previsto por seus fundadores.

Uma abordagem de Economia Comportamental requer, como componentes essenciais, o seguinte.

  • Testes rigorosos das previsões da teoria proposta, usando laboratório, pesquisa de campo e recursos neuroeconômicos como evidências.
  • A disposição de abandonar ou modificar a teoria se, tendo esgotado todos os possíveis conflitos de teste, a evidência não estiver em conformidade com a teoria.

Nisso, inspiro-me nas boas práticas das Ciências Naturais. Ao introduzir a Teoria Relatividade para os leitores do The London Times, em 28 de novembro de 1919, Einstein fez três previsões específicas e, em seguida, para colocá-lo em preto e branco disse: se sua teoria falhasse em qualquer dessas previsões, seria insustentável.

Portanto, grande parte do apelo da Economia Comportamental para mim é o seu método científico, baseado em uma abordagem popperiana, tomada emprestada muito ds Ciências Naturais (Popper, 1934, 1963; Lakatos, 1970). Essa abordagem é central para a Física, como disse o físico, vencedor do Prêmio Nobel, Feynman (1965): “Estamos tentando provar se estamos errados o mais rápido possível, porque somente dessa maneira fazemos o progresso mais rápido”.

Uma segunda parte do apelo para mim é até que ponto a Economia Comportamental resolveu problemas importantes e notáveis ​​da Economia em um curto espaço de tempo. Deixe-me expandir sobre este tema abaixo.

A visão dominante na metodologia econômica está associada ao nome de Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Nessa visão, os modelos econômicos precisam apenas ser verdadeiros em um sentido: como se boas previsões fizessem um bom modelo, ou seja, mesmo sendo as suposições descaradamente incorretas e irrealistas (Friedman, 1953). Se as previsões acabarem sendo corretas, afirma o argumento, podemos legitimamente concluir as pessoas agirem como conforme as premissas da teoria.

Na sua pior e, infelizmente, forma mais comum encontrada em Economia, a posição de Friedman foi usada como uma licença para construir modelos baseados em suposições ad-hoc justificadas usando o argumento “como se”. Mas as previsões muitas vezes nunca são rigorosamente testadas.

Por exemplo, a partir da observação de os pássaros voarem, podemos concluir eles agirem “como se” entendessem as leis da aerodinâmica e as leis relacionadas à hidrodinâmica. Pode-se então testar rigorosamente essa previsão deixando um pássaro debaixo d’água. Se a inferência estiver correta, o pássaro deve tentar mergulhar e nadar sob a superfície da água, mas a maioria dos pássaros (a menos tenham aprendido através da evolução a nadar debaixo d’água) tentam voar debaixo d’água e se afogam ainda mais rapidamente.

A agenda inicial de pesquisa em Economia Comportamental tentou mostrar como muitas das previsões neoclássicas centrais foram rejeitadas pelas evidências, mesmo no sentido “como se”.

De fato, isso foi central nos primeiros trabalhos de Kahneman e Tversky, na década de 1970, no programa de Pesquisa Científica referente às heurísticas e aos preconceitos (Kahneman e Tversky, 1972; Tversky e Kahneman, 1973, 1974). Esse trabalho continuou nas décadas de 1970 e 1980. Se houvesse maior aceitação do método científico em Economia, isso deveria ter estabelecido imediatamente o § de um exame importante e sério de um conjunto de premissas fundamentais na Economia Neoclássica.

Mas o trabalho de Kahneman-Tversky, e muitas vezes até sua própria existência, passa despercebido até hoje em dia na maioria dos cursos de Economia das Universidades. Isso certamente era verdade na minha própria universidade. Na melhor das hipóteses, essa é uma forma de auto deficiência na profissão de economistas melhor entendida como um desejo de preservar o status quo.

Nas últimas 2-3 décadas, à medida que a Economia Comportamental amadureceu, a agenda de pesquisa foi além de apenas refutar as previsões neoclássicas. A Economia Comportamental propôs um conjunto de modelos teóricos rigorosos, falsificáveis ​​e em quase todas as áreas da Economia. Ela oferece previsões mais empiricamente confirmadas em relação aos seus homólogos neoclássicos. Esta é uma grande conquista, mas certamente o melhor ainda está por vir.

Há muito para me entusiasmar na Economia Comportamental. Acho difícil escolher entre diferentes áreas, porque trabalhei na maioria delas. Puramente para ilustração, deixe-me escolher duas situações polares na Economia capazes de cobrirem um pouco da Teoria da Decisão Econômica Moderna (jogo contra a natureza sob risco, incerteza e ambiguidade) e Teoria dos Jogos (interação estratégica contra a natureza e outros atores).

Teoria da Decisão (Jogo contra a natureza): A teoria da perspectiva fortaleceu sua reputação por ser versátil e competente para lidar com situações de risco, incerteza e ambiguidade (Dhami, 2016, Parte I; Dhami, 2019, Vol. 1). A evidência para isso se encontra em todas áreas econômicas e suas previsões estão sendo cada vez mais confirmadas por diversas fontes.

Por exemplo, a aversão às perdas, a tendência de as perdas levarem a maior sofrimento (dor) se comparado com o prazer com ganhos equivalentes, é confirmado com seres humanos e macacos capuchinhos, de acordo com estudos neuroeconômicos. Tem a mesma magnitude mediana, cerca de 2,25, em humanos e macacos capuchinhos, sugerindo isso ser uma característica herdada de um ancestral comum vivente há mais de 35 milhões de anos atrás. Além disso, as taxas de disparo neural no domínio da perda também são de cerca de 2,25 em ganhos.

Embora exista uma heterogeneidade substancial da aversão à perda, relacionada à idade, experiência, contexto, e dependente da emoção, isso nos aproxima de algum tipo de leis universais da natureza humana. Elas estavam ausentes na economia neoclássica. Aplicações bem-sucedidas de aversão a perdas, e Teoria dos Prospectos, continuam a proliferar em diversas áreas da Economia, por exemplo, na Teoria dos Contratos, Teoria dos Objetivos, Problemas do Agente Principal, Organização Industrial e Economia do Trabalho.

Fundamentos Comportamentais do Novo Pensamento Econômico publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário