sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Aumento da Alavancagem Financeira graças à Securitização

Diz Robert Skidelsky no livro “Money and Government: The Past and Future of Economics” (New Haven; Yale University Press; 2018): Securitization poderia ser traduzida por “titularização”, mas já virou um anglicismo. Securitização é o nome genérico para o uso da engenharia financeira transformar ativos ilíquidos em títulos líquidos. É o processo de agrupar ativos ilíquidos, como empréstimos para automóveis, empréstimos para estudantes, dívida de cartão de crédito, hipotecas e assim por diante para formar “títulos lastreados em ativos” ou Asset-Backed Securities (ABSs). Eles são vendidos a vários investidores por dinheiro líquido.

Todos esses ativos têm em comum o fato de estarem associados a um fluxo de caixa – os mutuários devem reembolsar o empréstimo com apoio baseado em garantia concedido para o comprador do título em caso de inadimplência.

A explosão da securitização foi possível pelo enorme aumento no poder de computação. Era um caso clássico de bancos criarem dinheiro para crédito a partir de quase nada.

Os diferentes tipos de ABS são os seguintes.

MBSs (Mortgage Backed Securities)

Estes constituem um tipo de segurança suportada por ativos protegida por uma coleção de hipotecas. Possibilitou os bancos ‘originarem e distribuírem’ um modelo de empréstimo hipotecário. Porém, teve um papel fatídico no desencadeamento da crise. Em vez de manter empréstimos imobiliários em seus livros contábeis, em longo prazo, os bancos criaram pacotes de diferentes empréstimos hipotecários com diferentes níveis de risco, para serem vendidos aos investidores, geralmente a longo prazo. Muitos desses títulos foram financiados por hipotecas subprime americanas, ou seja, eram empréstimos típicos para tomadores de alto risco.

A motivação por trás do agrupamento de hipotecas era diminuir o risco de inadimplência de todo o portfólio, ou seja, “diversificar” o risco e reduzir o efeito de “discrepantes estatísticos”, isto é, movimentos de ativos não correlacionados. As carteiras imobiliárias, como um todo, foram consideradas de pouco risco, porque seus retornos vieram de uma ampla variedade de proprietários de hipotecas.

O padrão por qualquer devedor único não teria um impacto enorme no portfólio como um todo, então presumia-se os dividendos para os investidores serem lastreados em estabilidade de fluxos de entrada caixa. Assim, os títulos lastreados em hipotecas tiveram baixo risco ponderação e puderam ser usados como garantia, conforme detalhado antes por Skidelsky.

No entanto, isso se baseava no pressuposto de os padrões das hipotecas não estarem altamente correlacionados entre si, porque naquele momento havia dados históricos insuficientes sobre a taxa de inadimplência, principalmente em hipotecas subprime. Descobriu-se depois os padrões de hipoteca estarem altamente correlacionados, inclusive geograficamente. Padrões em uma área foram considerados não correlacionados com padrões em outra. Porém, essa diversificação de portfólio deixa de ser o caso de segurança em caso de colapso do mercado imobiliário nacional, isto é, de risco sistêmico confirmado para todos. Portanto, na preparação inadequada para evitar uma crise sistêmica, o risco de MBSS foi significativamente subestimado.

Obrigações de dívida colateralizada: Collateralized Debt Obligations (CDOs)

As obrigações de dívida colateralizada formam uma categoria distinta, mas se sobrepõe de MBSs. Os CDOs podem ser apoiados por qualquer forma de dívida – hipotecas, títulos corporativos e até outros ABSs – e são divididos em “tranches” de risco e maturidade variados, de modo a oferecer aos investidores mais escolha. A parcela superior, chamada de parcela “sênior”, tinha o título aos primeiros pagamentos, embora tenha gerado os menores retornos para o investidor, por ser de baixo risco. A parcela inferior produziu o maior retorno, mas seria pago apenas com o dinheiro restante do pagamento das outras tranches.

CDSs (Credit Default Swaps)

O desenvolvimento de Credit Default Swaps (CDSs) aumentou enormemente o escopo e o poder destrutivo da securitização. CDSs são semelhantes apólices de seguro onde uma parte (o comprador) paga uma taxa regular para outro (o vendedor) – e este pagará no caso de inadimplência do empréstimo. Como tal, os contratos CDS eram uma maneira adicional de remover ativos arriscados dos balanços dos bancos e liberando capital para ser usado em outro lugar.

A principal diferença com uma apólice de seguro tradicional era o comprador de um CDS não precisar necessariamente deter um correspondente empréstimo em seus livros, ou seja, qualquer pessoa poder comprar um CDS, mesmo compradores sem se segurar do instrumento colateral de empréstimo. Isso é chamado de padrão de crédito de “compra nua”. Assim, uma instituição pode comprar um CDS emitido por outra instituição, mesmo quando não tenha feito um empréstimo, apostando essencialmente esse ser o padrão de confiança vigente entre parceiros de O Mercado.

Claramente, isso exacerbou o problema do risco moral: os bancos estavam “segurados”, de modo não haver incentivo para impedir esses empréstimos-padrão. Em vez disso, eles tinham um incentivo para emprestar cada vez mais a clientes não dignos de crédito porque eles pagariam altas taxas de juros.

O primeiro-ministro grego Papandreou comparou essas “compras nuas” de CDSs com a compra de seguro contra incêndio na casa de um estranho, esperando ela acender em chamas. Sua compra, então, incentivou o incêndio financeiro.

O motivo foi, como os swaps de inadimplência eram “sintéticos” – o que significava não haver nenhum ativo (forma de manutenção de riqueza) subjacente nos livros contábeis da instituição – não havia limite para quantos pudessem ser vendidos. Além disso, esses também podiam ser securitizados.

Por exemplo, o CDO ‘Abacus’ consistia em um portfólio de swaps de inadimplência de crédito. Como resultado, em 2007, o valor bruto dos CDSs excedeu em muito o valor “real” dos títulos os apoiando em colateral. No pico do mercado de CDS, em meados de 2007, havia pelo menos US $ 60 trilhões de CDS pendentes. Os títulos subjacentes (contra cuja inadimplência o CDS forneceu seguro ou em cujo padrão o CDS permitia apostas a serem feitas) representavam uma pequena fração dos US$ 60 trilhões!

Em outras palavras, a maioria dos derivativos CDS foram comprados para fazer apostas, não para fins de seguro. Isso fez o mercado financeiro se tornar muito instável. É também um exemplo do aumento da intensidade do uso das taxas intra-financeiras durante o período antecedente à crise. O crescimento das atividades comerciais entre instituições financeiras excedeu muito sua interação com a economia real.

Os CDS removeram grande parte do risco das vendas a descoberto – apostas em uma ação diminuir de valor – porque eles forneciam seguro contra essa aposta dar errado. Eles incentivaram a especulação no curto prazo. Mas enquanto a compra de um contrato CDS era limitada ao risco, mas tinha potencial de lucro quase ilimitado, a venda de CDS oferecia lucros limitados, mas riscos praticamente ilimitados.

No período antecedente à crise, os bancos cometeram o erro crucial de descartar a possibilidade de a seguradora sem dinheiro solicitar para eles pagarem suas reivindicações. Foi o que aconteceu com seguradora AIG: precisou ser socorrida por US$ 182 bilhões pelo Federal Reserve em 2008 por não ter capital suficiente para sobreviver à onda de reivindicações sendo feitas contra ela.

O fato de as seguradoras poderem se tornar inadimplentes significava os bancos não haviam efetivamente baixado seu risco através do uso de crédito swaps padrão.

Veículos para Fins Especiais ou Special Purpose Vehicles (SPVs)

Os bancos criam entidades legais chamadas Veículos para Fins Especiais (SPVs) para manter ativos de risco fora de seus balanços. Legalmente, o SPV, não o banco, foi o emissor dos valores mobiliários. A ideia era, uma vez que um banco transferiu seus ativos de risco para seu SPV, poderia efetivamente considerá-los fora do balanço e correrem mais riscos, por exemplo emitir mais empréstimos – sem violar as regras de alavancagem. SPVs foram os instrumentos capazes de ativarem a tendência dos bancos ocultarem sua alavancagem embutida.

Os títulos lastreados em ativos, incluindo MBSs e CDOs, saíram dos balanços dos bancos usando SPVs antes de poderem ser vendidos para investidores. Os SPVs então reembalaram os títulos lastreados em ativos, em diferentes tranches, para criar títulos ainda mais complexos. Os investidores falharam em perceber, no entanto, é mesmo a mais segura parcela ‘sênior’ não estar isento de riscos. Isso ocorre porque os SPVs estão envolvidos na “ressegurização”.

Veja o exemplo dos CDOs. Um SPV pode pegar tranches de dois CDOs e agrupá-los para formar um novo CDO de CDOs. O resultado foi um novo derivado financeiro chamado “CDO ao quadrado”. Ele detinha os direitos aos reembolsos dos ativos de ambos os CDOs originais.

Era possível esse CDO ao quadrado ser combinado com outro CDO, por sua vez, este poderia ter sido combinado com outro CDO e assim por diante. Portanto, é possível ter CDOs em cubos e mais. O resultado foi uma alavancagem incorporada composta. Logo, tornou-se impossível medir o risco de um determinado CDO e saber onde estava o risco.

O financiamento de SPVs era problemático. SPVs eram geralmente financiados em suas compras de ativos de longo prazo (empréstimos, hipotecas e outros) por emissão de títulos de dívida em curto e médio prazo sob a forma de “garantia comercial garantida por ativos em papeis” ou ‘Asset-Backed Comercial Paper’ (ABCP). O ABCP foi visto como de baixo risco pelos investidores, porque era lastreado pelos ativos mantidos pelo SPV e, portanto, a taxa de juro era baixa.

Os SPVs usavam empréstimos de curto prazo com baixos custos de empréstimos para comprar ativos de longo prazo com taxas mais altas de retorno e assim obter lucro. Sempre quando a ABCP amadurecia, o SPV normalmente emitiria mais ABCP para “rolar” suas dívidas.

Mas essa incompatibilidade de maturidades significava os SPVs serem muito vulneráveis crises de liquidez. Quando a demanda no mercado por papel comercial secou, em 2008, porque os investidores perderam a confiança, os SPVs foram forçados a recorrer a outras linhas de crédito: a saber, a ‘linha de crédito rotativa’ definida pelo banco matriz. Isso significava o banco matriz estar sobrecarregado por duas vezes durante a crise: incorreu em perdas em seu próprio balanço e teve e pagar as perdas incorridas por seus SPVs.

Como exemplo da complexidade envolvida na análise de alguns CDOs, a estrutura CDO “Aquarius” tinha um total de 180 problemas por trás. Cada uma dessas questões possuía, em média, 6.500 empréstimos na origem. O CDO Aquarius teve exposição a cerca de 1,2 milhão de empréstimos.

Daí Warren Buffett gritar: os derivativos são ‘armas financeiras de destruição em massa!

Sua estrutura se tornou tão complexa de modo correr o risco tornou-se incomensurável e não rastreável. Todo o sistema financeiro passou a depender da proliferação dessas ‘incógnitas desconhecidas’.

Aumento da Alavancagem Financeira graças à Securitização publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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