segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Saques de Papel-Moeda no Varejo Comercial

Sérgio Tauhata (Valor, 23/10/2020) informa: o uso do dinheiro físico pode até se tornar mais presente no comércio com a chegada do Pix, o sistema de pagamentos instantâneo do Banco Central – pelo menos, para uma parcela da população que transaciona frequentemente com numerário ou recebe em espécie, como os informais. A estreia operacional da ferramenta está programada para dia 16 de novembro.

Um dos impactos esperados do sistema é, justamente, o de desestimular o uso de cédulas de papel nas transações. Isso porque a transferência digital não terá custo para as pessoas físicas e estará disponível 24 horas nos sete dias da semana. No entanto, a combinação do Pix, do open banking e das novidades regulatórias dos últimos anos, como o incentivo às fintechs, com as iniciativas da própria indústria bancária vai ajudar a quebrar uma tradicional barreira física do sistema financeiro.

A possibilidade de saques no varejo reduz vantagem de bancos com capilaridade de rede física de agências.

As inovações vão permitir que qualquer banco digital ou fintech tenha capilaridade de pontos físicos para saques em dinheiro e pagamentos de contas que até então apenas as grandes instituições de varejo conseguiam por meio de redes de agências e caixas eletrônicos. O BC já anunciou que pretende liberar, no primeiro semestre do próximo ano, o saque Pix no varejo. Na prática, a facilidade vai permitir que as pessoas físicas façam retiradas de dinheiro em qualquer loja, supermercado ou de serviços, como salões e outros estabelecimentos.

Para as empresas, as vantagens vão desde diminuir custos com armazenagem e transporte de papel moeda e ampliar a segurança com menos numerário dentro do ponto físico até atrair o cliente para dentro da loja.

Apesar do avanço do pagamento eletrônico, o uso de dinheiro ainda está muito presente no dia a dia de grande parte da população, como mostra uma pesquisa do BC. Quase um terço ou 29% dos trabalhadores brasileiros recebiam em espécie em 2018, no dado mais recente disponível. Em termos de classes, 51% dos integrantes da C declaram usar cédulas e moedas como principal meio de pagamento. Na B, a fatia cai para 30% e nas D e E, a 14%. No topo da pirâmide, o percentual é de apenas 4%.

O levantamento indica ainda que o dinheiro físico ainda é muito utilizado em estabelecimento de pequeno porte, como restaurante, bares, lojas, mercados, salões de beleza, padarias e outros. O papel ainda é usado em maior ou menor grau por 96% da população e aparece em 82% das transações de valores até R$ 20.

Aquela vantagem competitiva das agências dos bancos tradicionais, da grande capilaridade, hoje não é mais vantagem, mas custo”. Agora não precisa mais ter agência e nem ser correntista de banco para fazer transferências, receber e sacar dinheiro.

Não vai mais diminuir o acesso aos serviços prestados pelos bancos, mas o que vai mudar é a maneira como consumimos esses serviços, sem ficar presa a uma única instituição. O impacto das transformações tecnológicas não é algo exclusivo do setor financeiro. A concorrência digital está aumentando em todas as indústrias.

A possibilidade de clientes poderem fazer saques e eventualmente pagar contas no varejo ajuda também a inclusão de mercados que hoje estão fora do radar dos incumbentes. Existem 1,5 mil cidades que não têm agência bancária, ou seja, não tem serviços bancários, isso dá 11 milhões de pessoas. Ainda existe outro patamar de cidades pouco assistidas pela indústria bancária, então tem bastante mercado a ser explorado.

Quando tem um novo produto a gente sempre tende a pensar que a nova solução vai tomar o espaço da antiga, mas penso o contrário. Está ampliando o mercado, vai aumentar seja pela questão do uso do dinheiro e de outros meios de pagamento.

O pacote de inovações regulatórias que têm impulsionado a concorrência no sistema financeiro e no setor de pagamentos vai além do Pix. O BC nos últimos anos, dentro da agenda BC+ e atual BC#, tem realizado inúmeras mudanças normativas, como a criação de novas figuras de instituições financeiras, as sociedades de crédito direto (SCD) e as sociedades de crédito entre pessoas (SEP), além de uma nova segmentação para bancos com cinco níveis de peso regulatório.

“Junto com o pagamento instantâneo e outras iniciativas do BC, a possibilidade de os novos participantes do sistema financeiro terem uma licença mais soft, mais simples que a de um banco tradicional, ajuda a mudar a maneira como se consome os produtos do setor”, aponta Ingrid, da ABFintechs. “E não falamos só sobre pagamentos, mas mais crédito, democratização de acesso a serviços financeiros e melhora da experiência, possibilitados pela tecnologia, infraestrutura e facilidade de validação que as fintechs estão trazendo.”

A promessa é o Pix, somado a outras iniciativas como o open banking e o cadastro positivo, traga mais transparência, competitividade e principalmente aceleração da digitalização de micro e pequenos empresários. O próprio Pix integra a agenda da autoridade desde 2013.

Os “serviços financeiros serão cada vez mais um serviço de infraestrutura como telefonia”. O crescimento da cadeia de valor “permite que nossos estabelecimentos e parceiros possam vender mais, não é só transacional, mas de entrega de mais vendas”.

O novo ecossistema digital tem impulsionado a chegada de novos entrantes no mercado. A LiveOn, empresa que fornece infraestrutura para startups que desejam oferecer serviços financeiros, quintuplicou a base de clientes só neste ano. Segundo o CEO Lucas Montanini, a chegada do Pix e do open banking está por trás desse crescimento.

Mais de 20 empresas aderiram às soluções da LiveOn em 2020, o que aumentou o portfólio para 28 fintechs, das quais 27 são bancos digitais. De acordo com o grupo, o volume de transações na plataforma subiu de R$ 150 mil para R$ 40 milhões em três meses e deve terminar o ano em R$ 100 milhões.

Em uma plataforma ‘white label’ de ‘banking as a service’”, os serviços oferecidos incluem gestão de conta digital, cartão pré-pago e de débito, transferências e pagamentos, como o Pix.

Além das mudanças induzidas pelo Banco Central, a indústria bancária tem criado suas próprias ferramentas para acelerar a transformação digital em andamento. Um exemplo é o HubDigital, lançado há um ano pela TecBan, para conectar fintechs e novas instituições de pagamentos à rede de mais de 23 mil caixas eletrônicos do Banco24Horas espalhados pelo país.

Com a iminência da chegada do Pix, a rede de pagamentos instantâneos capitaneada pelo BC, e do open banking, ambiente que vai permitir a integração de sistemas e troca de informações entre as instituições, a plataforma da TecBan ganha tração. Hoje 32 startups do setor financeiro oferecem saques, pagamentos, transferências e outros serviços por meio dos terminais de auto- atendimento (ATM).

A quantidade vai aumentar. Já tem 45 contratos assinados dentro do Hub. Em 12 meses, foram realizadas mais de 709 mil transações, com R$ 126 milhões em saques pelas fintechs.

Houve no começo da pandemia um grande crescimento da procura pelo dinheiro. Montou o Hub justamente para facilitar o acesso a fintechs e do pessoal mais digital ao dinheiro físico. Tem uma demanda dos clientes por acesso a papel moeda.

Nos próximos meses temos um pipeline gigantesco de fintechs e até players maiores interessados em fornecer acesso ao dinheiro aos clientes. Com o impulso do HubDigital, cerca de um terço das instituições conectadas à rede Banco24Horas já é de fintechs.

A procura por cédulas e moedas tem levado o BC a aumentar a quantidade de dinheiro físico disponível. Tanto que a autoridade elevou em R$ 65,6 bilhões o montante em circulação em apenas quatro meses, do início da pandemia até junho. Com o impulso, o numerário disponível atingiu o recorde de R$ 319,3 bilhões, no maior valor nominal registrado.

Além do acesso aos caixas eletrônicos, a TecBan também tem atuado na implementação de estrutura para conectar as instituições quando o open banking estiver operacional, a partir de novembro. Em um primeiro momento, a gente está trabalhando fortemente para os bancos utilizarem a plataforma.

O grupo de tecnologia bancária também lançou a ferramenta de saque digital, que, segundo o superintendente de novas plataformas, “trata-se de um pagamento instantâneo físico”. A solução permite que uma pessoa receba no celular uma mensagem de código para ser digitada no caixa eletrônico. Daí é só ir no ATM, colocar o código, o CPF e sacar o dinheiro enviado.

O canal foi utilizado por um banco para pagar o auxílio emergencial. A TecBan lançou ainda há dois meses uma versão do saque no varejo. Estreiou em 15 localidades e já está indo para 420 cidades.

Saques de Papel-Moeda no Varejo Comercial publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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