O atendimento bancário on-line ganhou um empurrão com o isolamento social. Somente no Bradesco, o volume de transações nos canais digitais, que reúnem interações por celular e outros dispositivos portáteis, avançou mais de 30% no período da pandemia. “Pelo menos dois milhões de usuários que não eram digitais passaram a ser”, destacou o vice-presidente executivo André Cano, durante mesa redonda do evento “Next Banking Generation”, promovido pela IBM e Valor.
Além de maior adesão dos clientes a facilidades que dispensam o contato físico, especialistas apostam que, nos próximos dois anos, a indústria financeira vai avançar rapidamente em nichos como inteligência artificial (IA), open banking e operações em tempo real.
“Prova disso é o início do funcionamento do PIX [previsto para novembro], sistema de pagamentos instantâneos coordenado pelo Banco Central”, lembra Leandro Vilain, diretor de política de negócios e operações da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Uma preocupação crescente com a segurança dos dados dos correntistas também tomou conta da agenda do setor.
O sistema bancário nacional ocupa um lugar de vanguarda no mundo, em termos de novas tecnologias, e o usuário local é conhecido por ser receptivo às inovações. O tempo de adoção de ferramentas nas relações entre empresas e clientes deve cair um terço do que era previsto antes da pandemia, e o esperado acontecer em cinco ou seis anos, em termos de transformação digital, vai ocorrer em dois.
As instituições financeiras estão respondendo às novas demandas dos consumidores com velocidade porque o setor investiu cerca de R$ 20 bilhões ao ano, nos últimos anos, em infraestrutura de atendimento. Foi por isso que não houve instabilidade no sistema bancário, mesmo com o aumento no volume de transações, nas últimas semanas.
Somente as concessões de crédito somaram R$ 472,6 bilhões no país entre 16 de março, início da pandemia do novo coronavírus, e o fim de abril. O valor inclui novas operações, renovações e prorrogações de contratos. A Febraban não informou a variação em relação ao mesmo período do ano passado.
Na área de IA, a aposta é as aplicações inéditas evoluírm não só no atendimento a correntistas, mas nas operações internas dos bancos – o que a indústria financeira costuma chamar de “atrás do balcão” (“back office”, na expressão em inglês). Para se ter uma ideia, a BIA (Bradesco Inteligência Artificial), plataforma de atendimento virtual lançada em agosto de 2017, já ultrapassou a marca de 200 milhões de interações, sendo 75% do total realizadas apenas em 2019.
A ferramenta começou tirando dúvidas dos funcionários do próprio Bradesco, passou a interagir com clientes e agora entra em uma fase “pré-transacional”. Iniciou procedimentos possíveis de ajudar, por exemplo, a fazer uma transferência pelo celular ou no internet banking. Nas rotinas internas da instituição, a IA é explorada em análises de crédito, avaliações de propensão de consumo de produtos financeiros e checagem de processos jurídicos.
Combinada com tecnologias como ‘analytics’ [análise de dados avançada], computação em nuvem e robótica, a IA consegue personalizar produtos e garantir mais eficiência operacional aos bancos. A IBM é conhecida por ter criado o sistema de IA Watson. Ela tem incorporado mais funcionalidades, como a classificação automática de cláusulas em contratos. A inteligência artificial não vai substituir o ser humano, mas aumentará a capacidade de trabalho de pessoas e empresas.
O avanço da quantidade de operações digitais nos bancos reforça a importância da IA, principalmente quando usada na auditoria de dados e no apoio a decisões estratégicas. “No ano passado, tivemos cerca de 90 bilhões de transações em canais on-line, sendo 40 bilhões somente na área de mobile [celulares].”
Os especialistas também confiam na chegada do open banking para desenhar novos serviços e dar maior transparência às operações. O sistema faz o compartilhamento de dados e serviços por instituições financeiras e companhias autorizadas pelo BC por meio da integração de plataformas de informação.
Na prática, deve incrementar a concorrência e reduzir custos para os correntistas. Com a circulação de registros entre os atores do setor, um usuário com problemas de saldo em um banco, por exemplo, pode receber ofertas de outro banco ou de uma fintech, com taxas de juros menores.
O calendário do BC para a implementação do open banking é dividido em quatro fases. Incluem a divulgação dos serviços a serem prestados e o compartilhamento de dados autorizados pelos clientes. Começa em 30 de novembro de 2020 e vai até outubro de 2021, quando o regulador espera o modelo estar no ar.
O cronograma definido é agressivo, mas a instituição bancária já vislumbra oportunidades no horizonte. Poderá oferecer nossos produtos em outras plataformas digitais, ser um agregador de serviços de terceiros e ampliar o número de parceiros de negócios.
A Febraban estuda há mais de três anos o tema do open banking, inclusive com o exame de mercados pioneiros na adoção da modalidade, como o Reino Unido e a Austrália. Uma vantagem do sistema será o encurtamento dos prazos para o lançamento de ofertas bancárias. Graças à integração das interfaces de programação de aplicativos (API, na sigla em inglês), períodos de um ou dois anos, antes necessários para apresentar um produto, poderão ser reduzidos para duas ou três semanas.
Com as inovações a caminho, a segurança do fluxo financeiro e do uso de dados dos clientes saltou para o topo da lista de prioridades, segundo os executivos. Um monitoramento feito pela IBM em março indicou, com a ida das forças de trabalho para o home office, ter sido registrado um crescimento geral de 600% no envio de e-mails maliciosos, ante o mês anterior. Na comparação com grandes campanhas digitais, como a Black Friday, a quantidade de tentativas de fraude aumentou quase dez vezes.
Uma das alternativas para combater os criminosos virtuais é investir em tecnologias de prevenção e de reação imediata aos golpes. Um dos desafios é reforçar a conscientização sobre esse problema com o cliente, um dos elos mais fracos desse cenário, e que muitas vezes desconhece o que é fraude ou uma ação verdadeira dos bancos.
Em julho, a Febraban deve lançar um laboratório de segurança on-line que pretende operar com três frentes de trabalho: formação de pessoal especializado, simulações de ataques e pesquisas de riscos de incidentes. Será a primeira iniciativa setorial no campo da proteção cibernética.
Martha Funke (Valor, 15/06/2020) informa: a implantação do open banking no Brasil ganhou novo impulso com definições e cronograma editados pelo Banco Central em maio. A meta de integrar sistemas para compartilhar dados e serviços entre instituições reguladas, com permissão dos clientes, visa desconcentração, competição e simetria de informações no mercado, além da educação financeira.
O modelo envolve regulação, como obrigatoriedade da adesão por instituições de maior porte (segmentos 1 e 2), e autorregulação assistida em temas que vão de padrão tecnológico para interfaces e certificados de segurança até resolução de disputas e valores de ressarcimento. A expectativa é estimular a inovação e serviços mais baratos e personalizados.
O mercado vem se preparando há tempos. A Febraban contratou a consultoria Oliver Wyman para entender melhor o que funciona ou não e antecipar a necessidade de investimentos em infraestrutura. No pioneiro Reino Unido, por exemplo, com cerca de 1 milhão de clientes, os participantes registram 408 milhões de chamadas mensais de parceiros. No Brasil, isso pode ser multiplicado por dez, avalia o diretor de negócios e operações da Febraban, Leandro Vilain. Outro desafio é a sustentabilidade. Com a definição de 120 chamadas mensais gratuitas por cliente para cada participante, uma das saídas é a criação de APIs mais sofisticadas – e pagas.
Outra questão é a padronização de APIs (conectores de softwares) para a troca de informações. O tema será decidido por uma convenção de atores, a ser definida, e foi foco de prova de conceito (POC) pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC). O teste finalizado com os bancos Pan e Original e as fintechs GuiaBolso e Geru empregou uma espécie de integrador de APIs (middleware) para evitar a reescrita de códigos em padrão específico. “A troca de arquivos e dados atendeu a primeira fase do open banking”, relata Claudio Guimarães, diretor executivo da ABBC.
Bancos tradicionais, digitais e fintechs têm iniciativas em curso. Entre os líderes, o Banco do Brasil fez parceria em 2017 com o aplicativo corporativo ContaAzul. Depois, com o marketplace de consignados BxBlue. Hoje são 20 APIs e 30 parceiros. “São correspondentes bancários digitais”, compara a gerente de negócios digitais
Carla Sarkis, antevê possibilidades como o fornecimento de descontos a clientes do banco que, por exemplo, consumirem algo em loja parceira via API.
O Bradesco lançou em 2018 plataforma aberta com Sebrae, MarketUp e DicasMei e funcionalidades como fluxo de caixa e formalização de MEIs e emissão do documento de arrecadação do Simples Nacional (DAS). Já o BV (S2) apostou em compartilhamento e parcerias como estratégia de expansão e já tem mais de 400 APIs publicadas e 200 usuários, como o portal Solar, para financiamento de energia solar residencial, que decuplica a cada ano. “É uma área de negócio pequena e de margens baixas, mas de alto crescimento”, descreve o diretor de estratégia e inovação Guilherme Horn. A remuneração é por taxa por uso de API, ou compartilhamento de receita ou de lucro
Pan, Original e Digio estão entre as instituições não obrigatórias, mas interessadas na adesão ao sistema logo de início. O primeiro entrou na era digital há dois anos com arquitetura de suporte a APIs, já expostas para parceiros de consignados, veículos e cartões, entre outros. Criou um site para desenvolvedores, com sandbox (área de teste apartada) e controle de chamadas e ganha propostas trazidas por clientes, inclusive de canais não tradicionais, como eCred, da Serasa, e Melius, especialista em cashback. “Produtos como formalização digital poderiam ser fornecidos a terceiros”, adianta o CIO e head de operações José Arimatea Moreira Jr.
O Original provê a fintechs acesso via APIs a rede de saques 24 Horas, recebimento de coletos e análise de crédito, entre outros. O diretor executivo de TI, produtos, open banking e operações, Raul Moreira, diz que as APIs permitem atuação como “bank as a service” (banco como serviço). O Digio construiu sua primeira API aberta para produtos de empréstimo pessoal e, segundo o CTO e COO Carlos Caselli, o modelo permitirá aos clientes dos bancos transações em outras instituições e a entrada de empresas de tecnologia no jogo.
Tecnologia Bancária publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário