Norbert Elias no livro A Sociedade dos Indivíduos, publicado em 1939, afirma: “todo indivíduo nasce em um grupo de pessoas já existente antes dele. Por natureza, precisa de outras pessoas existente antes dele para poder crescer.”
Uma das condições fundamentais da existência humana é a presença simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas. Se, para simbolizar nossa própria autoimagem, precisamos de um mito de origem, Elias (1939) revê o mito tradicional: no começo, havia não uma única pessoa, mas diversas pessoas!
Cada pessoa parte de uma posição única em sua rede de relações e atravessa uma história singular até chegar à morte. Mas as diferenças entre os rumos seguidos por diferentes indivíduos, entre as situações e funções passadas por eles no curso de sua vida, são menos numerosas nas sociedades mais simples em relação às complexas. O grau de individualização dos adultos nestas últimas sociedades é muito maior.
Sem dúvida, as pessoas diferem em suas constituições naturais. Mas a constituição trazida por cada um consigo ao mundo, e particularmente a constituição de suas funções psíquicas, é maleável.
O recém-nascido não é mais além do esboço preliminar de uma pessoa. Sua individualidade adulta não provém, necessariamente e por um caminho único, daquilo percebido como suas características distintivas, sua constituição especial.
A constituição característica de uma criança recém-nascida dá margem a uma grande profusão de individualidades possíveis. O modo como essa forma realmente se desenvolve nunca depende exclusivamente de sua constituição, mas sempre da natureza das relações entre ela e as outras pessoas.
A individualidade desenvolvida por cada ser humano não depende apenas de sua constituição natural, mas de todo o processo de individualização. Uma criança sensível pode esperar um destino diferente daquele de uma menos sensível na mesma família ou sociedade. Mas esse destino, e, portanto, a forma individual assumida pelo indivíduo lentamente ao crescer, não está traçado desde o início na natureza inata do bebê.
O que advém de sua constituição característica depende da estrutura da sociedade onde ele cresce. Seu destino, como quer que venha a se revelar em seus pormenores, é, grosso modo, específico de cada sociedade.
Em consonância com a estrutura mutável da sociedade ocidental, uma criança do século XII desenvolvia uma estrutura dos instintos e da consciência diferente da desenvolvida por uma criança do século XX. A partir do estudo do processo civilizatório, evidenciou-se com bastante clareza para Norbert Elias a qual ponto a modelagem geral, e, portanto, a formação individual de cada pessoa, depende da evolução histórica do padrão social, da estrutura das relações humanas.
Os avanços da individualização não foram consequência de uma súbita mutação em pessoas isoladas, ou da concepção fortuita de um número especialmente elevado de pessoas talentosas. Foram sim eventos sociais. Foram consequência de uma reestruturação específica das relações humanas.
Só se pode chegar a uma compreensão clara da relação entre indivíduo e sociedade:
- quando nela se inclui o perpétuo crescimento dos indivíduos dentro da sociedade,
- quando se inclui o processo de individualização na Teoria da Sociedade.
A historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta, é a chave para a compreensão de o que é a “sociedade”. A sociabilidade inerente aos seres humanos só se evidencia quando se tem presente o que significam as relações com outras pessoas para a criança pequena.
A criança não é apenas maleável ou adaptável em grau muito maior se comparada aos adultos. Ela precisa ser adaptada pelo outro, precisa da sociedade para se tornar fisicamente adulta.
Na criança, não são apenas as ideias ou apenas o comportamento consciente constantemente formados e transformados nas relações com o outro e por meio delas. O mesmo acontece com suas tendências instintivas, seu comportamento controlado pelos instintos.
Evidentemente, as imagens instintivas evoluem lentamente na criança recém-nascida. Elas nunca constituem uma simples cópia daquilo lhe feito pelos outros. São-lhe inteiramente próprias. São sua resposta à maneira como seus instintos e afetos, por natureza orientados para outras pessoas, são correspondidos e satisfeitos por esses outros.
Não existe um grau zero de vínculo social do indivíduo, um “começo” ou ruptura nítida onde ele ingresse na sociedade como tivesse vindo de fora, como um ser não afetado pela rede, e então comece a se vincular a outros seres humanos. O indivíduo sempre existe, no nível mais fundamental, na relação com os outros, e essa relação tem uma estrutura particular específica de sua sociedade.
Processo de Individualização da Sociedade publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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