segunda-feira, 8 de junho de 2020

Papel do Controle Monetário na Crise Brasileira desde 2015

Heldo Siqueira (GGN 02/05/2020) busca dar contribuição empírica ao debate sobre a hipótese de gerar inflação a partir de uma oferta de moeda maior no sistema econômico.

Supostamente, com uma baixa utilização da capacidade instalada, o sistema econômico consegue responder a mais moeda com expansão sem isso gerar impacto nos preços, mas sim ampliando sua atividade em nível geral. Considera válidas essas observações, mas diz ainda haver outras explorações empíricas a fazer sobre o tema.

Em uma economia moderna, a moeda deixa de ser o papel-moeda, emitido pelo Governo através do Banco Central, e passa a ser apenas uma unidade de conta. A partir dessa unidade, diversos contratos e títulos são emitidos sem ser necessário o aval do governo.

Assim, a ideia de ser necessária a “emissão de moeda” pelo governo torna-se limitada. Na verdade, o sistema econômico emite moeda unidade-de-conta ao sancionar a atividade estabelecida pelos agentes econômicos. Ter por base essa ideia pode modificar bastante a análise feita sobre a relação entre a moeda e o sistema econômico.

Em uma economia moderna, há diversos níveis de criação de moeda. O nível fundamental é chamado de Base Monetária, formada pelo Papel Moeda em Poder do Público e os Depósitos à Vista. Tratam-se da moeda emitida pelo Banco Central disponível ao público a partir do qual o sistema econômico deve se financiar. Esse agregado monetário é chamado M1 e representa a moeda no sentido restrito. Com base nesse estoque de moeda são criados títulos remunerados e outros depósitos privados (M2) e juntos com títulos públicos compõem o agregado monetário chamado de moeda no sentido abrangente M3.

O argumento levantado pelos economistas é a expansão de M1 não gerar inflação caso a economia esteja abaixo do pleno emprego. Siqueira escolhe indicadores médios de 16 países para analisar.

Constata não haver qualquer fenômeno inflacionário relevante em nenhum dos 16 países. Israel multiplicou por seis vezes sua relação de M1 pelo PIB e tampouco manifestou fenômeno inflacionário. Os dois países com menor ampliação da relação entre M1/PIB justamente apresentaram média de inflação anual mais elevada.

Siqueira não está argumentando “a ampliação da oferta de moeda não gerar inflação”, mas sim esse fenômeno não ter sido observado nos últimos anos em diversos países. De maneira geral, o fenômeno inflacionário não pode ser atribuído sequer à variação da moeda, pois os países com maior variação em seu estoque de M1 foram apresentaram em média variações de preços menos elevadas.

Tendo em vista a oferta de moeda no sentido restrito não ser o total de Haveres Financeiros, observa como os títulos remunerados se comportam de acordo com a trajetória econômica. Mostra a relação entre M3 (moeda no sentido abrangente) e o PIB nos 15 países.

De maneira geral, é possível perceber: a oferta de moeda maior, nos países com a relação entre M3/PIB mais elevada, não gera ampliação do PIB. Não é possível observar o fenômeno de criar moeda no sentido abrangente ter gerado estímulo econômico significativo. Um elemento importante observado é a emissão menor de M1 tender a provocar aumento da emissão de moeda no sentido abrangente.

Essa moeda no sentido abrangente são títulos remunerados. Haveres Não-Monetários, sendo resgatáveis, funcionam para saldar dívida, tanto quanto o papel moeda. A diferença é serem remunerados por taxas de juros e adquirem uma trajetória própria a partir dessa lógica.

Ao mostrar a relação entre títulos remunerados (M3 – M1) e o que chama de “base monetária”, mas são meios de pagamento múltiplos dessa M1, assim como apresentar a trajetória dos juros reais, Siqueira confunde funding (passivo dos bancos) com ativos financeiros dos clientes ao dizer o seguinte. “A proporção de títulos remunerados representa o grau de endividamento da economia. Nesse sentido é uma expressão da demanda por crédito que acaba se expandindo de maneira significativa uma vez que não há liquidez no sistema.”

Deduz algo surpreendente: “esse efeito faz o Brasil ter as maiores taxas de juros do mundo, mesmo com a tendência generalizada de baixa, incluindo-se as taxas negativas observadas em vários países nos últimos anos”.

Siqueira sugere espécie de “inflação de demanda por crédito”. Defende essa hipótese não usual: “ao invés de controlar a expansão da atividade econômica, a restrição monetária somente obriga os agentes a se endividarem, aumentando as taxas de juros de empréstimos”.

Observo a inadimplência, usualmente, ser vista como a grande culpada do spread elevado. Para compensar a perda com a inadimplência e os custos associados a ela, os bancos são levados a cobrar taxas de juros maiores de todos os tomadores, indistintamente. Na prática, quem paga seus empréstimos em dia acaba sendo levado a pagar também por devedores inadimplentes porque bancos emprestam recursos de terceiros – e não pode perde-los.

A inadimplência aumentou em decorrência da crise econômica. Ela tirou milhões de brasileiros do mercado de trabalho formal, reduzindo-lhes a renda.

O problema da inadimplência se agrava pelo fato de a lentidão da Justiça, mesmo em tempos de tranquilidade na economia, dificultar a tomada dos bens oferecidos em garantia ao empréstimo não honrado. Além disso, há o tratamento regulatório e tributário dado pelo governo às provisões para cobrir a inadimplência, custo bastante oneroso. Todos esses fatores são precificados pelos bancos ofertantes de crédito – e não decorrem de pressão da demanda.

Faltou a Siqueira observar o crédito do sistema financeiro nacional ser dividido em recursos livres (59%) e direcionados (41%), com taxas média de juros, respectivamente, 33,2% a.a. e 7,5% a.a. em março de 2020. Quatro anos antes, antes do golpe contra a Presidenta Dilma, essas participações percentuais eram similares (50% cada) e juros, respectivamente, 51,0% a.a. e 10,9% a.a..

O BCB tinha já colocado a Selic no patamar de 14,25% a.a., desde meados do ano anterior (2015), sem pressão de demanda por crédito. A relação saldo de crédito / PIB atingiu o pico de 54,5% do PIB em dezembro de 2015 e já tinha caído para 53,2% em março de 2016. Em julho de 2019, atingiu o piso de 46,5% do PIB, falseando a hipótese de Siqueira de “pressão de demanda sobre o crédito”.

Papel do Controle Monetário na Crise Brasileira desde 2015 publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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