segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Relatório de Estabilidade Financeira out 2019

Flávia Furlan e Talita Moreira (Valor, 11/10/2019) informam: a queda da taxa Selic em mais de oito pontos percentuais desde outubro de 2016, para a mínima histórica de 5,5% ao ano, ainda não teve influência significativa na rentabilidade dos bancos. Pelo contrário, no período, o indicador das principais instituições apresentou recuperação, após ter sido impactado pelo aumento da inadimplência nos anos de recessão. O atual patamar de juro, no entanto, representa uma pressão para as margens daqui para frente no contexto de aumento da competição no sistema financeiro.

Projeções de analistas acompanhantes do setor — e sempre equivocados em suas previsões — acham o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) em patamar superior a 20%, apresentado pelos grandes bancos, não deverá ser mais a realidade nos próximos anos. Seus números fictícios apontam para uma queda a partir de 2021, chegando a um intervalo entre 15% e 20%, mais próximo dos padrões internacionais.

Eles se justificam pela perda de força dos fatores a neutralizar o efeito do juro menor na rentabilidade dos bancos:

  1. a reversão das elevadas provisões para perdas com crédito;
  2. os ganhos de eficiência operacional; e
  3. o ritmo mais lento de renovação dos empréstimos, protelando o repasse das taxas mais baixas, em comparação ao impacto, imediato, nos custos de captação.

Analistas do Bradesco estimam, em 2023, o ROE dos principais bancos ficar no intervalo entre 15% e 20%. Esse processo, no entanto, pode ser acelerado pela reprecificação da carteira de empréstimos a taxas menores mais rapidamente, diante de mais liquidez e competição no mercado. Poderá haver maior controle de custos, mas os índices de eficiência já são, em média, bastante lucrativos.

A rentabilidade média dos maiores bancos – Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Santander – deve continuar subindo até beirar 21% na segunda metade de 2020. Até lá, diz, as instituições vão se beneficiar da retomada do crédito, da melhora na composição das carteiras, da queda do risco e do uso de tecnologia nas análises para empréstimos. Em 2021, a rentabilidade passa a cair até a casa de 19%.

Esse cenário é bem distinto em relação ao apresentado pelos bancos até agora. Segundo a Eleven, de setembro de 2016 até junho deste ano, quando a Selic foi de 14,25% para 6,5% ao ano, o ROE médio dos maiores bancos evoluiu de 15,2% para 20,3% ao ano, maior nível desde o primeiro trimestre de 2015.

Em 2016, os bancos lidavam com um ambiente de recessão, queda forte do crédito, deterioração da qualidade dos ativos e aumento da inadimplência para níveis recordes, o que os obrigou a operar com elevadas provisões. Ao longo de todo aquele ano, a rentabilidade média (em torno de 15%) oscilou abaixo do custo de capital. Este variou entre 16,5% e 16,9%.

No ano seguinte, com a perspectiva de melhora da economia, inadimplência sob controle e o início do processo de recuperação do crédito, o ROE dos bancos voltou a crescer, puxado essencialmente pela queda nos gastos com provisão contra calotes. Nos anos de 2017 e 2018, com o desempenho do crédito ainda fraco, o avanço da rentabilidade foi puxado por fatores como reestruturação dos balanços e melhora da qualidade dos ativos com o controle de índices de calote.

Os bancos constituíram um enorme volume de provisões e fizeram um brutal corte de custos nos últimos anos. No curto prazo, recompõem margens. Em um futuro próximo, a concorrência vai começar a pressionar os retornos dos bancos.

O nível de provisão do setor financeiro vinha em cerca de R$ 80 bilhões anuais até 2014. Saltou para R$ 120 bilhões entre 2016 e 2017. Desde então, recuou para a casa dos R$ 70 bilhões, o que diminui, na sua visão, o espaço para continuar caindo.

Com um grande volume de empréstimos concedidos com juro prefixado, os bancos também conseguiram driblar a queda da taxa Selic. Em um primeiro momento, os bancos se beneficiam do custo de captação mais baixo, enquanto os contratos de financiamento vigentes ainda rodam com taxas mais elevadas. Leva-se mais tempo para os bancos precificarem os ativos da carteira de crédito de acordo com os passivos, ou seja, os custos de captação.

Dados do BC mostram, de setembro de 2016 a agosto último, enquanto o custo médio de captação dos bancos no crédito livre caiu pela metade, a 6,3% ao ano, as taxas cobradas nos empréstimos tiveram redução de 15,5 pontos percentuais, em média, de 53,4% para 37,9% ao ano. Os spreads, por sua vez, caíram menos de 10 pontos, de 41,2 para 31,6 pontos.

Esse cenário, contudo, tem prazo de validade, quando as novas concessões tendem a ser renovadas com juro menor, especialmente diante da perspectiva de a Selic ser mantida baixa por um longo tempo. A ressalva é, embora os bancos terem manifestado a intensão de repassar o corte do juro aos produtos de crédito, na prática, isso ocorre primeiro para os clientes de menor risco.

Acelerar o crédito será o caminho para compensar a pressão sobre as margens daqui para a frente. Um ambiente de juros estruturalmente baixos é muito positivo para o crédito porque inclui mais gente no mercado e permite aos bancos continuar reduzindo provisões.

A Selic menor pode ser compensada por um volume maior de operações. Mas isso não vai acontecer no curto e no médio prazos pois a demanda não está aquecida. O maior adversário dos bancos hoje é o baixo crescimento da economia. A demanda de crédito dirige a oferta. Aquela é função do investimento e multiplicação da renda destinada para consumo.

Mudar a composição das carteiras, dando foco a linhas mais rentáveis, como os empréstimos para famílias e micro, pequenas e médias empresas, é outra estratégia. Ela vem sendo adotada pelos bancos para preservar a rentabilidade. Isto por conta dos spreads mais altos cobrados nesses segmentos.

A agência de classificação de risco Moody’s vê um aumento nas pressões sobre a rentabilidade “em um ambiente de juros reduzidos e concorrência intensificada”, conforme destacou em relatório recente. No entanto, pondera a agência, a retomada gradual da economia tende a ser positiva para os bancos. Ela limita a deterioração da qualidade das carteiras.

As condições operacionais favoráveis continuarão dando apoio ao crescimento dos negócios nos próximos 12 a 18 meses, mantendo estáveis a qualidade de ativos, e também as reservas e a geração de capital.

O Itaú Unibanco ostentou no primeiro semestre um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) perto de 24%, o maior dentre os grandes bancos. Ele já trabalha com o cenário de rentabilidade menor no futuro. “Se as condições de mercado estão mudando e a capacidade de gerar valor diminuindo, o ROE inevitavelmente deve cair”, disse Roberto Setubal, copresidente do conselho de administração do banco, em evento com investidores no início de setembro.

Já o Santander estima manter o atual nível de rentabilidade, de cerca de 21%, pelo menos até 2022. “Nosso guidance considera que o Brasil cresce, com juros baixos e inflação baixa”, disse Sergio Rial, presidente do banco, em evento com investidores nesta semana. O executivo reconheceu a meta ser “desafiadora”, diante do contexto mais competitivo do ponto de vista estrutural. Para os analistas, trata-se de uma meta bastante agressiva.

De acordo com Rial, a rentabilidade deve ser alcançada por:

  1. o aumento nos volumes de crédito, devido à retomada da economia;
  2. a melhora de eficiência do negócio; e
  3. o potencial de redução do custo de captação, com a possibilidade de flexibilização das regras sobre poupança e compulsório.

Elas não fazem mais sentido em um país com o patamar de inflação e juros alcançado pelo Brasil.

O principal relatório de avaliação da estabilidade financeira do país mostra os bancos estarem sólidos e prontos para o ciclo de expansão de crédito. Ele vai demorar a ganhar força. As famílias seguem endividadas e parte das grandes empresas ainda continua digerindo os impactos da recessão e da Operação Lava-Jato em seus balanços.

Segundo o Relatório de Estabilidade Financeira (REF), divulgado pelo Banco Central, cresceu no primeiro semestre deste ano corrente o percentual de ativos problemáticos nas carteiras de crédito a pessoas físicas e grandes empresas.

No caso das pessoas físicas, passou de 6,49% para 6,69% das carteiras de crédito, entre dezembro e junho. A deterioração foi um pouco mais pronunciada no crédito imobiliário, de 4,33% para 4,79%.

Já no crédito a grandes corporações, chegou a subir de 7,9% para 8,6% entre dezembro e maio, mas recuou a 8% em junho. O dado positivo é a queda dos créditos problemáticos para as empresas pequenas e médias, passando de 11% para 9,9%.

A autoridade monetária acompanha de perto a evolução dos ativos problemáticos, mas no caso de pessoas físicas os índices seguem em patamares baixos. Nas grandes empresas, a tendência não se reverteu desde a recessão.

O mapa das potenciais ameaças à estabilidade do sistema financeiro apresentado no relatório contém vários pontos amarelos e vermelhos nos itens sobre a capacidade de pagamento. Despertam mais atenção o endividamento e comprometimento de renda de famílias e o endividamento e cobertura de despesas com juros de empresas. Os indicadores relativos à resiliência bancária estão todos verdes.

O relatório apresenta sua costumeira pesquisa com executivos de bancos sobre os principais riscos vistos no horizonte. De acordo com o documento, além da trajetória de aumento da dívida bruta do governo geral, os bancos citam “o persistente aumento dos ativos problemáticos na carteira às grandes empresas” entre os principais pontos de atenção em termos de risco.

Os executivos mencionam os riscos fiscais com uma frequência de 49% na pesquisa, o que faz esse ser o principal perigo no horizonte, à frente do cenário internacional (31%). Mas houve recuo no risco fiscal em relação a maio, quando chegou a 75%. Já o risco de inadimplência apresentou aumento, de 7% em fevereiro, para 9% em maio e para 15% em agosto. O risco externo também se agravou – era 13% em maio.

Apesar do fraco desempenho da atividade econômica, a rentabilidade dos bancos permaneceu em alta no primeiro semestre. O Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE) do setor alcançou 15,8% no acumulado em 12 meses até junho. A rentabilidade é maior, por exemplo, do que a observada em países como Turquia (14,2%), China (13,2%) e Austrália (12,9%).

A perspectiva, destaca a autoridade monetária, é de leve arrefecimento dessa tendência, devido “ao esgotamento da redução das despesas de provisão e da expectativa de retração dos ganhos de eficiência operacional”.

Segundo diretor do BC, até 2018 os bancos ganharam com a queda na taxa básica de juros. Agora, ou aumentam o volume de crédito ou alteram o ‘mix’ de operações.

Relatório de Estabilidade Financeira out 2019 publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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