segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Ficção Científica e Imaginação Criativa de Economistas (por Ha-Joon Chang)

William Davies editou o livro intitulado “Ficções científicas econômicas” (Economic Science Fictions. University of London; Goldsmiths Press; 2018). Entre outros autores, conta com a colaboração do notável economista Ha-Joon Chang no capítulo inicial. É sobre a relação entre economia e ficção científica (a partir de agora SF).

“Os economistas são pessoas notoriamente sem imaginação, enquanto os escritores e leitores de SF tendem a residir no outro extremo do espectro da criatividade, então isso pode parecer um emparelhamento muito estranho. Uma interação maior entre os dois campos pode melhorar os dois campos, no entanto, melhorando, por fim, nossa compreensão do mundo.

Antes de entrar no tema principal do capítulo, Chang quer primeiro salientar grande parte da Economia – especialmente, mas não exclusivamente, a Economia neoclássica, hoje a escola dominante de Economia – ser Ficção Científica em dois sentidos.

Antes de tudo, muitos economistas acreditam na ficção de que estão praticando ‘ciência’. Ao falar de ‘leis do ferro’, economistas clássicos, como David Ricardo, argumentaram implicitamente que a economia pode ser como a física, a química e outras ciências naturais. Karl Marx denominou sua abordagem como “socialismo científico”, denunciando outros socialistas, como Robert Owen, como “utópico”. Hoje, a maioria dos economistas neoclássicos opera com a noção de que a economia é uma ciência. Eles se esforçam para separar o que chamam de aspecto “positivo” de Economia, supostamente não envolvendo nenhum julgamento de valor, por parte do “normativo”. Este envolve “o que deveria ser” baseado em julgamento de valor. A maioria deles diz: na medida em que praticam economia positiva, os economistas são cientistas.

Certamente, esses economistas sabem a Economia não ser como é a Física. Muitos economistas neoclássicos têm “inveja da Física”. Eles são muito convencidos com o progresso “científico” alcançado. Em um exemplo muito embaraçoso, Robert Lucas, um dos principais economistas defensores do mercado livre, declarou em 2003 em seu discurso presidencial na Associação Econômica Americana: “o problema da prevenção da depressão foi resolvido”, apenas para o mundo experimentar cinco anos após a maior depressão econômica desde a Grande Depressão de 1929.

O segundo sentido no qual a economia é SF é muitos economistas acreditarem, pelo menos implicitamente, o progresso na ciência (e, portanto, na tecnologia) vai, ou pelo menos pode resolver praticamente todos os problemas econômicos. Economistas de mercado livre dizem: “Dê às pessoas os incentivos certos, digamos, dando-lhes direitos de propriedade mais fortes, e eles criarão as tecnologias necessárias para resolver qualquer problema econômico que enfrentemos, como mudanças climáticas ou falta de água”.

Marx e alguns de seus seguidores imaginaram um mundo onde a ciência e as tecnologias são tão avançadas a ponto de o capitalismo ser abolido e as pessoas poderem ‘caçar de manhã, pescar à tarde, criar gado à noite, criticar após o jantar’. Infelizmente, essas opiniões são altamente enganosas.

Primeiro, quanto à visão de a Economia ser uma ciência não envolvendo julgamentos éticos e políticos, isso é totalmente errado. Não é simplesmente todas as regulamentações governamentais serem frequentemente baseadas em considerações éticas e políticas. É também as próprias definições de atores e mercados econômicos terem fundamentos éticos e políticos. Por exemplo, antes da ascensão do capitalismo, as pessoas não existiam como “indivíduos com contrato livre”, mas como membros de comunidades. Por outro exemplo, hoje podemos pensar a corporação como uma entidade legal separada de seus acionistas ser algo natural, mas muitas pessoas, incluindo o próprio Adam Smith, se opuseram à própria ideia até o século XIX.

Para o exemplo final, os próprios mercados não são tão “naturais” quanto os economistas neoclássicos acreditam eles serem. Os mercados são construções fundamentalmente políticas (e éticas), pois seus limites e seus participantes legítimos são determinados política e eticamente.

Um exemplo mais revelador é quando as primeiras reformas foram propostas para regular o trabalho infantil, no início do século XIX, muitas pessoas se opuseram a elas. Alegavam elas minarem os próprios fundamentos de uma economia de mercado livre: a liberdade de contrato!

O fato de os mercados serem construtos políticos e éticos confirma a afirmação de Ha-Joon Chang sobre o segundo sentido pelo qual a economia pode ser entendida como um SF, ou seja, sua crença de o progresso científico acabar por resolver todos os problemas econômicos. Se os mercados tiverem bases políticas e éticas, os problemas econômicos não desaparecerão mesmo com progresso suficiente em ciência e engenharia, pois as divergências políticas e éticas nunca desaparecerão.

Isso exceto se vivermos no mundo de 1984 de George Orwell, no qual todas as dissidências são eliminadas. De fato, como Chang discutirá mais adiante, muitos escritores de SF imaginam mundos nos quais o progresso científico criou um nível muito alto de prosperidade material, mas deixou as pessoas infelizes ou até destruiu suas próprias humanidades de uma maneira ou de outra.

 

Ficção Científica e Imaginação Criativa de Economistas (por Ha-Joon Chang) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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