José Júlio Senna é chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre, autor de Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução (FGV, 2010), e foi diretor do Banco Central. Aprecio seus artigos. São pragmáticos — e não ideológicos como os dos professores da FGV-EPGE.
A expressão “dinheiro de helicóptero” surgiu na literatura econômica num artigo escrito por Milton Friedman no final dos anos 60. O objetivo era discutir os efeitos sobre a economia de um aumento do volume de moeda. Friedman mostra que os resultados dependem de algumas premissas, em especial de o movimento ter ou não continuidade. Não se tratava, portanto, de uma proposta específica.
Nesta última década, os países desenvolvidos têm experimentado uma espécie de “mundo novo”, caracterizado por crescimento econômico baixo, e inflação e juros também baixos. Dois fatores parecem explicar esse fenômeno. De um lado, as forças da chamada estagnação secular. De outro, o alto grau de endividamento das economias. Estagnação secular é entendida como uma situação de deficiência crônica de demanda, associada a mudanças estruturais que teriam provocado diminuição da propensão a investir e aumento da propensão a poupar, cujos efeitos são agravados pelo endividamento elevado. Afinal, dívida alta tende a conter novas contratações de crédito e, de modo geral, funciona como inibidor de gastos.
A questão relevante do momento tem a ver com a melhor forma de lidar com esse quadro. Até agora, recorreu-se a políticas de expansão monetária. Úteis no começo, tais políticas claramente entraram em retornos decrescentes. Que fazer?
Em 2002, houve apreensão nos EUA com a possibilidade de deflação, fenômeno que geralmente resulta de demanda fraca e cadente. Na ocasião, Ben Bernanke assim se manifestou. “Num sistema de moeda fiduciária, disse ele, um governo determinado pode sempre gerar expansão de demanda e, portanto, inflação mais elevada”. Na medida em que, por seus próprios meios, o banco central não conseguisse evitar o problema, restaria a possibilidade de cooperação entre as autoridades monetária e fiscal. Corte de impostos financiado por emissão monetária seria uma opção válida.
No ano seguinte, Bernanke levou aos japoneses essa mesma sugestão. Como se recorda, os japoneses lutavam contra fraqueza de demanda e queda de preços desde o início dos anos 90. Supostamente a população gastaria o dinheiro economizado com pagamento de impostos.
Ao retomar o assunto em 2013, Bernanke deixou claro que considera tal estratégia uma opção válida para lidar com deficiência de demanda. Para ele, isso equivaleria a jogar dinheiro de helicóptero na economia, tal como na ilustração teórica de Friedman. Adair Turner pensa de maneira semelhante.
O grande problema da proposta tem a ver com o risco envolvido na cooperação entre as autoridades monetária e fiscal. Levou um bom tempo até que legisladores de modo geral se convencessem de que, para prestar o serviço que dela se espera, a autoridade monetária precisa guardar distância do meio político. Como, então, compatibilizar esse avanço com a ideia de cooperação entre as autoridades monetária e fiscal? Seria possível preservar a credibilidade e a independência do banco central? Que dizer dos efeitos sobre a disciplina fiscal a longo prazo?
Bernanke e Turner sugerem o seguinte. Seria exclusivamente do BC a responsabilidade por identificar as ocasiões em que, após frustração com os resultados de estímulos monetários já concedidos, injeção adicional de moeda se faz necessária. Ao BC caberia também dimensionar a operação e decidir, ou não, pela sua continuidade. O passo seguinte seria creditar a conta do Tesouro no BC, em troca de um título perpétuo, livre de juros. Ao Tesouro competiria definir o impulso fiscal a ser dado, ou seja, que impostos seriam cortados e/ou gastos realizados.
Quais as vantagens? Pensemos, inicialmente, na insistência em conceder estímulos exclusivamente monetários. Os problemas aqui parecem ser:
a) a reação a juros cada vez mais baixos pode ser perversa, estimulando-se a poupança ao invés do consumo;
b) o risco de produzir instabilidade financeira tende a crescer;
c) caracteriza-se uma tentativa de fornecer mais crédito para resolver um problema que tem excesso de crédito em sua raiz.
Quanto à solução fiscal pura, as questões são:
a) endividamento já elevado inibe a geração de mais dívida para cobrir déficit público;
b) existe o risco de o público entender que a dívida de hoje é o imposto de amanhã, fazendo-o optar por economizar os novos recursos;
c) existe a preocupação com eventual deslocamento de gastos privados, ou seja, com o conhecido problema de crowding-out.
No caso do financiamento monetário do déficit, esses custos não existiriam. O impacto expansionista da proposta tenderia a ser substancialmente mais forte do que nos casos de política monetária ou fiscal pura. Na hipótese aqui discutida, o efeito é “na veia”, ou seja, seria mais dinheiro direto nas mãos de famílias e empresas. Difícil imaginar razão para que esse dinheiro não fosse efetivamente gasto, com impacto sobre a demanda e os preços. O risco residiria na possibilidade de a inflação subir mais do que o desejado, pondo a perder importantes conquistas de tempos recentes.
A proposta é engenhosa. Embora imperfeitos, os meios imaginados para evitar que os bancos centrais percam independência e credibilidade fazem sentido. Mas, quando se pensa em eventual implementação, seria realmente expressivo o risco de perda de controle de todo o processo, caso em que estaríamos trocando o que temos hoje por algo pior. Justamente por isso, é de se esperar enorme resistência a qualquer tentativa de levar a ideia para o campo prático. Para ser efetivamente considerada, seria preciso uma grande piora do quadro atual. De qualquer modo, parece certo que ainda ouviremos falar bastante de dinheiro de helicóptero.”
Dinheiro de Helicóptero publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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