Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), narra: concretamente, no caso da campanha em favor do Brexit, as coisas se passaram da seguinte maneira.
Em um primeiro momento, os físicos estatísticos cruzaram os dados das pesquisas no Google com os das redes sociais e com bancos de dados mais tradicionais, para identificar os potenciais apoios ao “Leave” [o voto pela saída] e sua distribuição pelo território.
Depois, explorando o “Lookalike Audience Builder”, um serviço do Facebook muito popular entre as empresas, eles identificaram os “persuasíveis”, ou seja, os eleitores que não haviam sido trazidos para o campo do Brexit, mas, com base em seus perfis, podiam ainda ser convencidos.
Uma vez delimitada a área potencial do “Leave”, os físicos de dados passaram ao ataque. O objetivo: conceber as mensagens mais convincentes para cada nicho de simpatizantes.
Durante as dez semanas de duração da campanha oficial, produziram quase um bilhão de mensagens digitais personalizadas, principalmente no Facebook, com uma forte aceleração durante os dias antecedentes à votação.
Também nesse front o papel dos cientistas foi decisivo. O Facebook lhes permitiu testar simultaneamente dezenas de milhares de mensagens diferentes, selecionando em tempo real as com um retorno positivo e bem-sucedido e conseguindo, por um processo de otimização contínua, elaborar versões mais eficazes para mobilizar partidários e convencer os céticos.
Graças ao trabalho desses físicos aplicado à comunicação, cada categoria de eleitores recebeu uma mensagem sob medida:
- para os animalistas, uma mensagem sobre as regulamentações europeias que ameaçam os direitos dos animais;
- para os caçadores, uma mensagem sobre as regulamentações europeias que, ao contrário, protegem os animais;
- para os libertaristas, uma mensagem sobre o peso da burocracia de Bruxelas; e
- para os estatistas, uma mensagem sobre os recursos desviados do estado de bem-estar para a União.
Graças a todas as versões possíveis dessas mensagens, os físicos de dados puderam identificar as mais eficazes, da formulação do texto ao aspecto gráfico. Puderam também otimizar continuamente, em função dos cliques registrados em tempo real.
Medir o impacto preciso dessa atividade complexa sobre o voto é impossível. Mas tudo indica terem sido movimentos importantes. Se a responsável pelo software usado na campanha, tivesse sido atropelada por um ônibus, o Reino Unido teria continuado na União Europeia…
Em termos políticos, a chegada do Big Data poderia ser comparada à invenção do microscópio.
- No passado, a partir de sondagens sempre aleatórias, os comunicadores políticos podiam atingir grandes aglomerados demográficos ou profissionais: os jovens, os professores do setor público, as donas de casa e assim por diante.
- Hoje, o trabalho dos físicos estatísticos permite enviar uma mensagem personalizada a cada eleitor com base nas características individuais.
Isso possibilita uma comunicação muito mais eficaz e racional em relação à do passado, mas levanta algumas questões problemáticas.
Ora, se o cruzamento de dados nos diz uma pessoa ser particularmente sensível ao tema da segurança, será possível enviar a ela mensagens adaptadas pelo Facebook, por exemplo, enfatizando o rigor de uns ou a covardia de outros sem que o grande público e as mídias saibam.
Pode-se, por exemplo, abordar os argumentos mais controversos, endereçando-os somente àquelas pessoas sensíveis a eles, sem correr o risco de perder o apoio de outros eleitores com pensamento diferente.
Como grande parte dessa atividade se passa nas redes sociais, isso implica, ao menos na aparência, uma comunicação entre pares, mais do que uma mensagem que venha do alto: esse tipo de propaganda viral escapa a qualquer forma de controle e de checagem de fatos.
Se por acaso algo tiver de ser revelado, sua paternidade poderá facilmente ser negada pelo ator político na origem do fato divulgado. O resultado é o que alguns começam a definir como “dog whistle politics” [“política do apito para cão”], quando só alguns percebem o chamado, enquanto outros não ouvem nada.
Manipulação da Opinião do Eleitor “Leitor do Feicebuque” publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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