segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Impacto do Auxílio Emergencial sobre o Consumo

O Auxílio Emergencial (AE) a pessoas em situação de vulnerabilidade1, uma medida excepcional de proteção social durante a pandemia da Covid-19, disponibilizou aproximadamente R$ 37 bilhões por mês de abril a julho, o que representa uma transferência da ordem de 12% da renda mensal de 2019.

O boxe do Relatório de Inflação do terceiro trimestre de 2020 estima o impacto dessas transferências sobre o consumo, medido a partir das compras com cartão de débito nos segmentos da economia que coincidem com o conceito de comércio restrito da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), usando dados em nível municipal5.

A estratégia de identificação explora a importância que o auxílio tem para cada município e o desempenho das vendas nessas localidades. O gráfico 1 mostra a relação entre a variação do valor das compras (média de abril a julho ante a média de janeiro a fevereiro) e a importância do AE em cada município6. Cada ponto representa um município e as cores indicam as regiões geográficas. Apesar da grande variância das compras para um mesmo nível de importância do AE, as linhas evidenciam a relação positiva dessas variáveis em todas as regiões.

Estima o impacto do auxílio emergencial sobre o consumo – medido a partir das compras com cartão de débito.

Relação positiva entre a variação nas compras e a importância do auxílio emergencial em cada município em todas as regiões.

Modelos relacionando as compras com a importância do auxílio emergencial, renda per capita, população e óbitos no município no período abril–julho.

• A média dos coeficientes do auxílio emergencial nos modelos é de 0,83, sugerindo uma pequena parcela do auxílio emergencial foi destinada à poupança.

Apesar de tais resultados evidenciarem a relevância macroeconômica do AE, sua interpretação causal deve ser feita com cautela. Um motivo é, possivelmente, as transferências do AE são mais relevantes em municípios com maior proporção de trabalhadores informais. Eles perderam relativamente mais renda durante a pandemia.  Assim, a omissão da variável renda do trabalho no modelo pode resultar em viés para baixo na estimativa da propensão a consumir.

A variação das compras com cartão de débito pode não representar adequadamente a variação do consumo das famílias no momento. Por exemplo, nota-se o cronograma do AE incentivar o aumento do uso desse meio de pagamento ao permitir compras com cartão de débito antes da liberação para saque ou transferência bancária, o que pode implicar em viés para cima.

Outras possíveis fontes de viés na estimativa do coeficiente associado ao AE são a correlação dessa variável com outras medidas emergenciais de combate aos efeitos econômicos da pandemia da Covid-19 (antecipação do pagamento do 13º salário a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), diferimento do pagamento de tributos, entre outros) e a possibilidade de transbordamento para municípios vizinhos dos gastos decorrentes do recebimento do AE.

Em resumo, a análise sugere o AE ter ajudado a sustentar o consumo durante os primeiros meses de impacto da pandemia. Se o coeficiente estimado for interpretado como uma medida da propensão marginal a consumir a partir do AE, infere-se a parcela do auxílio destinada à poupança pode ter sido pequena. Nesse caso, o fim do programa pode contribuir para a desaceleração do consumo das famílias, ainda que de forma temporária.

Outro boxe do RI 3T2020 investiga a evolução do consumo durante a pandemia em famílias pertencentes a quartis de renda diferentes. Com base em gastos com cartão de crédito à vista e pagamentos de boleto, verifica-se queda mais acentuada e recuperação mais lenta do consumo dos indivíduos pertencentes ao quartil de renda mais alta.

Adicionalmente, há evidências de a queda no consumo dessa parcela da população estar correlacionada com a severidade local da pandemia. Os Gráficos 1 e 2 e a Tabela 1 apresentam gastos dos indivíduos com cartão de crédito à vista e pagamento de boletos.

As análises desse boxe se baseiam em microdados, no nível do indivíduo, de renda, cartão de crédito à vista e pagamento de boletos. Os dados sobre renda e gastos com cartão de crédito são informados pelas instituições financeiras ao Banco Central e extraídos do Sistema de Informações de Crédito (SCR). Os dados de pagamento de boletos são obtidos junto à Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP). São excluídos os pagamentos de boletos feitos a instituições financeiras.

Como explicitado no boxe “Indicadores para acompanhamento da conjuntura econômica doméstica durante a pandemia” do Relatório de Inflação de junho de 2020, o Banco Central vem acompanhando um conjunto de novos indicadores, mas não mantém base de dados estruturada com todas essas informações. Adicionalmente, algumas dessas informações foram compartilhadas sob condições que inviabilizam a disponibilização desses dados.

Cada gráfico exibe informações do consumo agregado e dos grupos com renda abaixo do primeiro quartil (Q1) ou acima do último quartil (Q4) nos sete primeiros meses de 2020, tendo como base de referência janeiro. O consumo do grupo de renda mais baixa teve queda menor até abril, mês de ocorrência do valor mínimo das séries, e recuperação mais rápida em seguida.

Os quartis de renda são calculados a partir da renda bruta média mensal declarada entre jan/2019 e jun/2020. São excluídos os indivíduos com renda mensal informada superior a R$ 20 milhões, por entender-se que se trata de erro na base de dados.

Ao todo, considera-se a renda de 108 milhões de indivíduos. Eles representam 87% do valor de pagamento de boletos e 99% dos gastos com cartão de crédito feito por pessoas físicas.

Os quartis da amostra são R$ 1.239, R$ 2.017 e R$ 3.947. Ao longo do texto também se usa a expressão quartil para se referir aos grupos de indivíduos com renda delimitadas pelos três quartis acima. Por exemplo, primeiro quartil se refere aos indivíduos com renda abaixo de R$ 1.239. Entendido dessa forma, o primeiro e último quartis apresentam renda média de R$ 946 e R$ 14.747, respectivamente.

Considerando a renda média do primeiro quartil neste exercício ser R$ 946, é provável a atenuação da queda do consumo nesse grupo estar associada ao auxílio emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade. Já o consumo dos indivíduos do grupo de renda mais alta teve queda mais acentuada e recuperação mais lenta.

Para auxiliar na compreensão do comportamento do consumo das famílias nos próximos meses, conforme a pandemia da Covid-19 evolui, analisa-se o consumo da faixa de renda mais alta para dois grupos de unidades da federação.

O primeiro inclui AM, PA, CE e PE, estados que apresentaram pico pronunciado na média diária de óbitos, por data de divulgação, entre maio e junho, com expressiva queda desse índice nos meses seguintes (Gráfico 3).

O segundo grupo é composto por SP, DF, MG e MT, unidades da federação ainda sem pico definido e com trajetórias estáveis ou crescentes para essa variável nos últimos meses (Gráfico 4).

Escolhe-se observar o consumo da faixa de renda mais alta porque ele representa aproximadamente 70% do total, medido pelos gastos em cartão de crédito à vista ou pagamento de boletos. Ele deveria ser menos influenciado pelas medidas de transferência direta de renda adotadas desde abril. Podem ter impactos diferentes nos dois grupos de unidades da federação selecionados.

A trajetória dos gastos no quartil de renda mais alta é exibida nos Gráficos 5 e 6 para os dois grupos de UF, usando como referência o mês de jan/2020

Para cada grupo, os gráficos apresentam a média simples das variações do consumo das UF em relação a jan/2020. Resultados qualitativamente similares são encontrados quando se ponderam as variações das UF pelo valor das despesas.

A queda dos gastos no primeiro grupo de estados foi mais acentuada em abril e maio, período de maior impacto da Covid-19 nas unidades que compõem esse grupo. Posteriormente, contudo, o consumo nesses estados se aproxima mais rapidamente do patamar pré-crise, caracterizando a correlação negativa entre a recuperação do consumo e a intensidade da pandemia.

As séries apresentadas não foram sazonalmente ajustadas. Isso explica por que as despesas com boletos, tipicamente menores no início do ano, são significativamente maiores em jul/2020 (em comparação a jan/2020) para os dois grupos de estados.

Impacto do Auxílio Emergencial sobre o Consumo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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