segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Risco Fiscal segundo o Tesouro Nacional = Risco da Má Formação da Equipe Econômica

Fabio Graner, Lucinda Pinto e Victor Rezende (Valor, 24/09/2020) informam: a explosão do endividamento público, efeito colateral da política de combate aos efeitos da crise da pandemia, colocou o Tesouro Nacional com o desafio de financiar mais de R$ 800 bilhões junto ao mercado, quando há muitas dúvidas sobre o futuro das contas públicas do país e a taxa de juros nunca foi tão baixa.

Esse quadro tem provocado um forte aumento dos juros de longo prazo e também uma elevação no prêmio de risco cobrado pelos investidores que compram os títulos públicos emitidos pelo Tesouro, tanto os prefixados (LTN e NTN-F) quanto as LFTs, papéis indexados à taxa Selic.

Para o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, e o subsecretário responsável pela dívida, José Franco de Morais, o aumento no prêmio dos títulos deve ser encarado como “um ajuste nos preços relativos”, algo “transitório”. Eles afirmam: não há qualquer sinal de disfuncionalidade que justifique uma intervenção no mercado.

Mas ambos reconhecem, quando se olha para os juros futuros negociados na B3, o que se vê é um claro sinal de preocupação com o futuro necessário de ser amenizado. “Esse prêmio e essa inclinação da curva são alertas de que a gente precisa endereçar a questão da volta ao processo de ajuste de conta”, diz Funchal.

“Quando a gente vê o aumento do endividamento, e estamos no meio desse debate, precisamos:

dar um passo à frente na consolidação fiscal,

sair da pandemia”.

A obsessão é retornar a agenda de consolidação fiscal, porque nessa transição tem esses movimentos especulativos. A atual equipe econômico não percebe ser imprescindível retomar o crescimento do PIB para aumentar a arrecadação fiscal — e não tributar mais em disputa do “cobertor encurtado”.

Funchal, aliás, foi bastante enfático na defesa do teto de gastos e contra flexibilizações nesse instrumento. “Eu tenho uma visão binária em relação ao teto, porque ele se baseia muito em credibilidade. Uma flexibilização leva a outra flexibilização. Nós trabalhamos sem flexibilização, tem que seguir estritamente o teto”, afirma, destacando que outro caminho provavelmente elevaria mais os juros e colocaria um freio no crescimento da economia, que ele vê de forma otimista.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista ao Valor.

Não é comparável a 2002

Muita gente compara o que está acontecendo com 2002, mas é uma situação distinta. Naquela época, a LFT não era marcada a mercado e, de um dia para o outro, houve um normativo para acelerar a marcação. Isso causou todo o estresse, porque muita gente perdeu dinheiro. Logo depois veio a eleição, o risco Lula, e isso gerou um risco maior de insolvência. Agora não há risco de insolvência. Ninguém está falando disso. O que está acontecendo é que a necessidade de financiamento aumentou.

A LFT sempre foi um papel importante de financiamento para o Tesouro. Mas, desde o fim do ano passado, a demanda pela LFT vem diminuindo. Estamos numa situação nova, com a taxa Selic baixa. Nos últimos dois ou três meses, quando o Tesouro aumentou o volume dos leilões, o prêmio da LTN foi abrindo, o que faz sentido. É um movimento de reprecificação de ativos. O prêmio da LTN 2024, que era de 4 pontos- base, chegou a 24 pontos-base. Isso não tem nada a ver com risco de insolvência, é um ajuste natural dos preços.

Depois de março, abril, houve uma preferência muito forte dos investidores pelas operações compromissadas, que são operações bem menos voláteis. Para o título do Tesouro se tornar mais atrativo, tem que pagar mais que a compromissada, que paga 100%, no caso da operação no overnight e de três a seis meses. A de 45 dias paga 100,5% do CDI. A LFT ficou parada durante esses dois ou três meses e, há duas semanas, esse movimento de ajuste começou. Com o prêmio das LFTs aumentando, o detentor do título sofre, mas o papel se torna mais atrativo para quem está com compromissadas ou em LTNs. O movimento de ajuste é transitório e isso vai se estabilizar em algum novo nível. A parte de cota negativa ocorre durante o período de ajuste, até o mercado achar esse novo patamar.

Piora dos fundamentos

O prêmio da LTN reflete os fundamentos. Você tem um aumento de despesa, tem uma necessidade de emissão, aumento de endividamento e toda essa expectativa em relação ao futuro. Quando a gente vê o aumento do endividamento – precisamos dar um passo à frente na consolidação fiscal, sair da pandemia e retornar a agenda de consolidação fiscal -, acontecem esses movimentos que pressionam os juros. Esse prêmio e essa inclinação da curva são o alerta de que a gente precisa endereçar a questão da volta ao processo de ajuste de conta. Com todo esse ruído que nós tivemos nas últimas duas semanas, a curva de juros aumentou quase 100 pontos base. A inclinação da curva de juros tem uma razão basicamente fiscal. Se o cenário ficou mais incerto nas últimas duas semanas, isso se reflete na curva de juros.

Leilões de títulos

Quando o Tesouro faz um leilão, a curva de juros fica pressionada e se torna mais inclinada também. Temos que pagar um déficit mais elevado e estamos fazendo uso do caixa e novas emissões. O tamanho da dívida aumentou e os leilões também têm de ser condizentes com o tamanho da dívida. É um problema que não é enfrentado apenas no Brasil. O leilão de Treasuries também tem gerado ruídos e o Tesouro americano emite o título que é reserva mundial.

Estamos testando novos limites [em relação à oferta de títulos]. A transferência de R$ 325 bilhões do Banco Central ajuda, mas isso não significa que todos os problemas estão resolvidos. Com as condições mais favoráveis, o Tesouro Nacional pode aumentar as ofertas. O leilão do dia 10 de setembro foi o maior porque as condições estavam boas já na semana anterior, quando foram vendidas 15 milhões de LTN para 2024. Mas, depois da emissão, o cenário fiscal e o mercado internacional pioraram bastante. O cenário mudou bastante após o leilão.

Eventuais intervenções

Se a gente vier com uma situação como a de março, em que seja necessária atuação, lembre que agora tem um novo player no mercado que é o Banco Central – a PEC da Guerra o autorizou a atuar no mercado secundário. Estamos falando de situações hipotéticas. Se chegarmos em situações semelhantes àquela, que seja necessário atuação, tem alguns passos a serem tomados. Primeiro, o Tesouro reduz lotes dos leilões. Segundo, pode eventualmente cancelar leilões, até chegar numa atuação. Por mais que o caixa do Tesouro esteja em situação acima do limite prudencial, é limitado. O BC tem outro caixa que é ilimitado. Nessa situação, o que valeria mais a pena? O Tesouro atuar ou deixar para o BC, que teve essa autorização do Congresso. Mas são situações hipotéticas.

É importante mencionar que existe forte coordenação entre Tesouro e BC e que se chegar a situação como aquela vamos sentar e debater. Na parte longa da curva os preços estão fechando.

[A inclinação da curva] é a questão do fundamento, se a ponta da curva está subindo é fundamento, em função do fiscal, é o alerta que a gente está falando. Se tem alguma disfuncionalidade, o BC está fazendo o monitoramento dele, se tiver que atuar é por alguma disfuncionalidade, não porque está subindo. Aí vai conversar com a gente. O Banco Central que tem esse controle. Ainda não teve nenhum movimento de vir conversar conosco para isso. Então está controlado. Se tiver, o bom é que agora o BC tem instrumento para tomar as devidas precauções, caso haja alguma disfuncionalidade. Ele não fará sem falar com a gente. Sempre haverá uma coordenação.

Teto de gastos

Tenho uma visão binária em relação ao teto, porque ele se baseia muito em credibilidade. Uma flexibilização, leva a outra flexibilização. Nós trabalhamos sem flexibilização, tem que seguir estritamente o teto. A flexibilização não é caminho, perde credibilidade e tem impacto econômico ruim e vai crescer menos. A gente precisa mostrar que está de volta ao trilho por causa do aumento do endividamento. Nosso papel é alimentar a certeza e reduzir a incerteza. É muito importante que a gente primeiramente mostre que ano que vem de fato a gente vai voltar a seguir a regra fiscal em que você trava o crescimento de despesas, esse é o primeiro ponto que reduz a instabilidade. Segundo ponto é mostrar a sustentabilidade de médio prazo. Aí, quando fala da sustentabilidade, precisa avançar com a reforma do pacto federativo, que tem reforço importante para o teto de gastos e a gente está no meio da discussão. Como a gente não tem gordura para queimar em termos fiscais, não tem espaço para errar. Assim, qualquer movimento no debate, que é razoável debater soluções, o mercado fica mais nervoso, traz uma insegurança: poxa, o que vai acontecer? A gente fiscalmente precisa mostrar que está de volta ao trilho. E por conta dessa situação do debate necessário traz alguma insegurança e aí de fato cada semana pode ter um ruído, aumenta o prêmio, e aumenta a curva. É nosso papel trazer essa tranquilidade e falar que o caminho é esse e mostrar nossa direção.

As despesas da pandemia ficarem a 2020 é um ponto fundamental. Executando isso, automaticamente, o orçamento de 2021 seguindo a regra do teto, a gente volta para o mesmo nível de despesa que tinha pré-pandemia. A gente precisa mostrar que precisa fazer isso, que é fundamental fazer essa trajetória para trazer mais credibilidade e ancorar as expectativas.

Reformas

Precisa avançar nas reformas. Teve momento bom que foi o envio da reforma administrativa, que afeta as expectativas. Mas a gente precisa ter um controle de despesa hoje. A reforma administrativa não é suficiente, a gente precisa avançar com o pacto federativo para ter um nível de credibilidade bem ancorado e desempinar a curva. O debate do pacto é sobre o fortalecimento do teto. À medida que a gente vai discutindo e ficando mais claro qual o nosso rumo fiscal e avançando nas reformas, a incerteza vai diminuindo e a curva vai desempinando. Nosso papel é reduzir ruído e trazer luz ao debate tecnicamente. Quanto mais informações a gente conseguir contribuir para o debate as decisões serão tomadas de forma mais adequada.

A gente observou que tem um programa emergencial em andamento, esse debate está em paralelo com o pacto federativo. O pacto é fundamental para fortalecer o teto, para ter uma regra fiscal relevante, para manter o juro baixo, que é base para retomada econômica. A gente precisa avançar nas reformas, principalmente no pacto federativo. Em paralelo, tem discussão de novas políticas públicas, sociais. Para isso, para nova política social, é preciso ter clareza que é preciso discutir redução de gastos para além do que está no pacto federativo como foi apresentado no ano passado e está sendo discutido pelo relator. Uma coisa é pacto federativo para fortalecer a regra, trazer credibilidade, outra coisa é novas políticas públicas que a gente tem que discutir formas de financiamento.

Qualidade do gasto

[O fortalecimento do teto] é momento importante para se avançar na discussão de qualidade do gasto. Vamos fazer uma reflexão, a gente teve ondas fiscais no Brasil e nunca foi pelo lado da qualidade do gasto. A gente sempre: aumentou gasto, emite dinheiro, aí vem inflação. Depois aumentou gasto, aumentou a carga tributária e o Brasil tem hoje a segunda maior carga tributária da América Latina. Depois aumentou dívida, não tem mais para onde aumentar dívida.

A gente não quer fazer inflação porque é pior para todo mundo, é pior para os mais pobres, é antissocial. A gente não quer aumentar a carga tributária porque afeta diretamente a retomada da economia e o emprego. A gente não quer aumentar nossa dívida, porque a gente não consegue e porque aumenta o risco, o juro e diminui a capacidade de fazer investimento.

É um momento fundamental para avançar e discutir qualidade, tanto pelo lado da despesa quanto pelo lado da receita. Se gente não for pela linha da qualidade do gasto, repetindo os erros do passado, país vai continuar não crescendo como no passado e ter problema fiscal como no passado. É isso que a gente quer? Ou a gente vai encarar um debate duro, muito duro, mas não debater isso é pior.

Retorno ao teto e retomada

Vamos usar o exemplo do auxílio emergencial. Essa política não foi para gerar PIB. Pode ter gerado, mas não é para isso. A gente sabe que política assim é voo de galinha, é pior estruturalmente. A política é para corrigir falha de mercado decorrente de as pessoas terem que ficar em casa e por isso tinha que ter suporte do Estado para elas. Tem efeito no crescimento? Tem, porque está dando dinheiro e afeta consumo. Mas tem custo claro que é de aumento de endividamento do país e que está chegando em nível bastante crítico.

Quando se olha os relatórios, houve aumento da massa de renda, mas ainda tem taxa de poupança. Imagino que, mesmo com o fim do auxílio emergencial em dezembro, essa massa de poupança vai dar algum fôlego ainda para o ano de 2021, alguns meses. Mas em algum momento a gente tem que voltar para normalidade.

O lado bom é que, quando vê frequência das notas fiscais, atividade econômica, ICMS, eu já vejo uma normalidade. No último mês, média das notas fiscais no varejo está 10% acima do mesmo período do ano passado. O ICMS de agosto também está acima. Eu vejo um lado bastante positivo. Agora, vai ter um novo normal. Tem incerteza, por isso tem desvio padrão grande nas previsões de crescimento deste ano e do ano que vem. A gente tem que ver aos poucos a reação. Tem muita incerteza de fato, mas estou otimista com a retomada.

Risco Fiscal segundo o Tesouro Nacional = Risco da Má Formação da Equipe Econômica publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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