Fernando Canzian (FSP, 20/09/2020) publicou reportagem a partir dos dados do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) no Brasil. Eles explicitam a enorme disparidade de rendimentos e a elevada concentração salarial nos funcionários públicos federais em relação ao resto da população.
Os números revelam ainda como o Brasil tributa, via Imposto de Renda, parcela pequena da população: 14,4%, abaixo da média latino-americana e de muitos países do sul da Europa.
Mesmo assim, o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias entre os emergentes. Ela é muito incidente sobre o consumo, onerando proporcionalmente mais os pobres.
Na população total, a renda no DF é de R$ 2.981 mensais, ante R$ 1.228 na média geral do país. Ou R$ 11.994 entre os declarantes, diante dos R$ 8.528 na média dos que declaram IRPF.
A capital federal também é a unidade da Federação onde há mais declarantes: 24,8%, justamente por causa dos empregos públicos e formais.
Os dados, organizados pela FGV Social a partir do IRPF de 2018, incluem todos os rendimentos declarados, inclusive os de aplicações financeiras e dos chamados PJ (pessoa jurídica), muitas vezes pessoas físicas a recolherem impostos menores por meio do Simples.
Em comparações entre os rendimentos médios da população e do funcionalismo, é comum sindicatos de servidores reclamarem: os PJ não são incluídos. Nesta reportagem, isso ocorre – e, mesmo assim, os rendimentos da classe são maiores.
Por se tratar de dados de IRPF, os valores médios declarados são mais fidedignos em relação aos de pesquisas domiciliares. Já a renda média (de quem declara ou não, englobando todos os habitantes) tem alta correlação com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE.
Os salários dos servidores públicos federais fazem o Distrito Federal ter média de rendimentos superior à de estados mais ricos como São Paulo e Rio de Janeiro, onde há mais empresários, PJs, empregados na iniciativa privada e economias mais dinâmicas. [E população maior, o que diminui a média.]
Outro levantamento recente da FGV Social mostrou, entre as 10 ocupações mais bem pagas no Brasil, 6 estão no setor estatal.
Os servidores públicos estão hoje no centro de dois projetos de mudança constitucional:
- a reforma administrativa, propondo limitar promoções automáticas e a estabilidade para novos ingressantes; e
- a PEC Emergencial, prevendo reduzir em até 25% a carga horária e salários quando o chamado teto de gastos (que limita o aumento da despesa pública à inflação) estiver ameaçado.
O projeto de reforma administrativa, no entanto, não abrange juízes, desembargadores, promotores, deputados e senadores. Eles concentram alguns dos maiores rendimentos do país.
Hoje, o gasto com o funcionalismo é a segunda maior despesa da União, só atrás da Previdência. Segundo dados oficiais, 76% dos servidores federais ganham mais de R$ 6.000 ao mês; e 43%, acima de R$ 10,5 mil.
Em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil despende o equivalente a 13,1% com servidores, acima do Chile e do México (abaixo de 9%) e acima da média dos países ricos (10,5%), segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Na região do Lago Sul, em Brasília, onde ministros, políticos e o alto escalão do funcionalismo vivem, a renda mensal declarada é mais de quatro vezes a média nacional: R$ 38.460. Já o patrimônio líquido médio declarado chega a quase R$ 2 milhões – muitas vezes maior acima da média o das capitais mais ricas do país [devido ser uma média de bem menos gente].
Por causa dos salários do setor público, os habitantes do Distrito Federal têm o terceiro maior patrimônio declarado (R$ 317 mil, em média), não muito atrás dos estados de São Paulo (R$ 373,9 mil) e Rio (R$ 329,2 mil), onde há mais atividade econômica privada e bens acumulados há centenas de anos [valores históricos foram revistos quando houve a mudança monetária para R$] – enquanto Brasília só foi inaugurada em 1960.
No início da pandemia da Covid-19, o fosso entre o funcionalismo de Brasília e o resto do país ficou evidente. O Distrito Federal tinha 1,6 leito de UTI no SUS (Sistema Único de Saúde) por 10 mil habitantes; mas 11,6 leitos por 10 mil segurados na rede particular, a maior taxa do país.
Na região do Distrito Federal, Lago Sul, Lago Norte e Brasília, por exemplo, contrastam amplamente com as cidades-satélite, onde vivem os mais pobres. Em Ceilândia, a renda média mensal da população (declarante ou não de IRPF) não chega a R$ 800. Já o patrimônio médio declarado é pouco superior a R$ 50 mil.
Em termos nacionais, levando em conta toda a população (declarante ou não do IRPF), o patrimônio médio do brasileiro em imóveis (cerca da metade do que é declarado), automóveis ou investimentos é de R$ 41 mil. Varia de R$ 78,8 mil no DF a R$ 5.600 no Maranhão.
Além do Distrito Federal, o Brasil tem outras “ilhas” de rendimentos e patrimônio mais elevados.
Municípios litorâneos como Niterói (RJ), Santos (SP), Vitória (ES) e Florianópolis (SC) têm renda e patrimônio superiores à média, sobretudo por concentrarem mais profissionais liberais como médicos (uma das profissões mais bem pagas) e advogados, que ali residem em busca de qualidade de vida. [E ter menos gente para diluir a média.]
Essas áreas são mais homogêneas em relação às outras localidades onde há mais concentração de renda em poder de poucas pessoas. Geralmente, têm mais declarantes de IRPF do que a média.
Em Santos, Niterói e Florianópolis, por exemplo, cerca de um terço da população declara IRPF, ante os 14,4% da média nacional.
De acordo com o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, os dados do IRPF mostram, além da elevada concentração de rendimentos no Distrito Federal e em alguns locais específicos, a enorme disparidade de rendimentos no Brasil.
Nas regiões Norte e Nordeste, não só a renda média é menor como é muito pequeno o total da população com ganho suficiente para declarar Imposto de Renda.
No Maranhão, menos de 6% declaram o IRPF; e a renda média geral era de R$ 363 ao mês em 2018. Mesmo em um estado nordestino mais industrializado como Pernambuco, o rendimento médio mensal não alcançava R$ 700.
“Os resultados mostram ainda uma nova fronteira de ganhos cada vez mais concentrados em alguns locais do Centro-Oeste, onde muitos novos ricos têm renda elevada”, diz Neri.
Um exemplo é Aporé (GO), onde apenas 11,3% declaram o IRPF. Eles fazem do município o segundo do país em rendimentos (R$ 46,4 mil mensais) e o primeiro em patrimônio líquido (R$ 6,5 milhões, em média). [Terras produtivas no Centro-Oeste têm o valor declarado.]
Além de Aporé, a reportagem da Folha examinou outros locais em destaque no levantamento da FGV Social, como a rica Nova Lima, em Minas Gerais, e a cidade com a menor renda média do país, Fernando Falcão, no Maranhão.
Neri ressalta: níveis educacionais e de produtividade do trabalho seguem determinantes para a desigualdade no Brasil. “O efeito curso superior é muito importante para a renda e não caiu, mesmo na crise.”
Segundo relatório da OCDE, ter curso superior no Brasil significa ganho salarial médio de 150% a mais em relação aos que não o têm (cerca de 85% da população).
Outra fonte de melhora importante na renda é o chamado “efeito firma“: a empresa onde se trabalha. Quanto mais produtiva e organizada, maiores os salários; quanto mais empresas do tipo em uma região, mais elevada a renda.
Mais dependente de empregos informais e de baixa produtividade nos últimos anos, a economia brasileira tende, portanto, a aprofundar a desigualdade, com os empregados formais e os habitantes em áreas mais dinâmicas se distanciando cada vez mais.
Para o economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Pedro Ferreira de Souza, uma resposta mais estrutural para a desigualdade seria o Brasil perseguir reformas de modo a aumentar a base de pessoas declarantes do Imposto de Renda – e reduzir as deduções favoráveis aos mais ricos, como as associadas a despesas médicas.
Souza é autor de “Uma História de Desigualdade: A Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil“, Prêmio Jabuti de Melhor Livro de 2019. Esta tese esmiúça as disparidades sociais no país e o efeito do Imposto de Renda: Pedro Herculano Guimaraes Ferreira de Souza – Desigualdade Vista do Topo.
“Tributamos muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio. Mudar isso é o caminho mais óbvio para combater a desigualdade.” Souza afirma o ideal ser cada vez mais pessoas declararem o IRPF, mesmo que os mais pobres, ao final, não pagassem tributo algum em razão de sua renda. É necessário criar uma faixa de tributação acima da alíquota máxima de 27,5% para quem ganham mais.
“Outros países de renda média como o Brasil têm alíquotas máximas de 35% a 40%. Poderíamos tranquilamente fazer isso por aqui também”, diz.
[O debate público brasileiro continua equivocado com pouca pluralidade. É uma disputa por “cobertor curto”, devido ao empobrecimento geral recente. Enquanto não se retomar o crescimento de renda e emprego de maneira sustentável “não se pode fazer isso tranquilamente”… Fora a casta dos militares e a casta dos oligarcas governantes não ter legitimidade por imputar perdas só às demais castas.]
Renda Média esconde Dispersão da Distribuição publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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