Lucinda Pinto e Victor Rezende (Valor, 21/09/2020) informou inicialmente: a piora das condições para o financiamento da dívida pública se acentuou nos últimos dias. Afeta o desempenho dos fundos DI, destino dos recursos dos investidores mais conservadores.
Com o aumento das preocupações fiscais, os títulos públicos estão perdendo valor no mercado secundário e as LFTs, papéis que acompanham a variação da taxa Selic, já são negociadas com deságio, ou seja, abaixo de seu valor de face. Isso significa que, na marcação a mercado dos preços desses títulos em carteira, os fundos DI podem ter prejuízo.
Para gestores, se a situação não se reverter em breve, há o risco de o investidor começar a sacar seus recursos – e isso agravaria ainda mais o quadro, ao obrigar o gestor a se desfazer dos papéis com desvalorização.
Levantamento feito pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo D’Agosto mostra: de um universo de 180 fundos da categoria renda fixa DI (com patrimônio de R$ 400 bilhões e 4,7 milhões de cotistas), conforme seleção do Guia Valor de Fundos de Investimento, 30% deles, que reúnem patrimônio de R$ 54 bilhões e 2,1 milhões de cotistas, já apresentam perda em setembro de 2020. Outras carteiras ainda podem ajustar os investimentos a valor de mercado, então, o número de fundos com “cota negativa” pode aumentar.
O desempenho dos fundos reflete o mercado secundário de títulos do Tesouro Nacional, em especial de LFT. Amargou desvalorização em seis pregões consecutivos até o dia 18. Como os fundos DI carregam esses papéis e também LTNs (papéis prefixados de curto prazo) casadas com posições em juros futuros, na marcação a mercado acabaram registrando perda.
Essa variação negativa de cotas muitas vezes assusta o investidor, que nem sempre é alertado para o fato de que até mesmo a renda fixa pode enfrentar períodos de instabilidade – vale dizer que o prejuízo só se concretiza na venda do papel com deságio, no caso do fundo, ou no saque pelo investidor.
Termômetro do desempenho das LFTs, o IMA-S, índice calculado pela Anbima, acumula variação negativa de 0,05% em setembro. A oscilação é pequena, mas o sinal negativo serve como alerta. “A LFT não oferece risco de mercado [já que acompanha a Selic] e, portanto, não deveria ser negociada com deságio”, diz o gestor de um fundo que prefere não ser identificado. “É uma demonstração de que o mercado não está disposto a receber 2% ao ano para correr todo o risco fiscal que está colocado.”
O deságio das LFTs surgiu na última semana, mas é resultado da queda de braço que o mercado tem travado com o Tesouro há algum tempo. Enquanto o gestor da dívida tem que lidar com a explosão recente do endividamento público, que pode levar o déficit primário do setor público para 11,7% neste ano por causa de medidas de combate aos efeitos da pandemia, o mercado tem exigido uma taxa cada vez maior para financiá-lo.
Por algumas semanas, o Tesouro fez ofertas concentradas em papéis prefixados de prazos mais curtos, em especial LTNs com vencimento em 2021. A ideia era evitar adicionar pressão sobre a curva de juros futuros e ganhar tempo, na expectativa de que a agenda fiscal avançasse e, com isso, o prêmio cedesse.
A perspectiva para o cenário fiscal, entretanto, piorou. O projeto da reforma administrativa foi apresentado, mas não há sinais de avanço no Congresso. Além disso, surgiram ruídos em torno do encaminhamento dos programas de assistência do governo, diminuindo a confiança no avanço da agenda fiscal.
Com o colchão de liquidez reduzido à metade, o Tesouro começou a elevar a oferta de títulos prefixados, chegando no dia 10 de setembro a quase 45 milhões de papéis, no maior leilão da história em termos de risco. No entanto, mesmo a prêmios bastante elevados, o Tesouro não vendeu todo o montante, o que provocou uma disparada das taxas das LTNs de longo prazo (para janeiro de 2024) no mercado secundário, contaminando as LFTs.
O estresse com as LFTs já vinha sendo construído há algum tempo. Enquanto a taxa exigida nas LTNs vinha subindo desde junho, diante do aumento das emissões pelo Tesouro, o prêmio das LFTs não acompanhou o movimento, uma vez que o mercado de papéis atrelados à Selic não é tão líquido quanto o dos títulos prefixados.
Diante do descontentamento de alguns investidores, após o resultado do leilão de 10 de setembro do Tesouro, o prêmio das LTNs ganhou ainda mais força e acabou pressionando uma correção no mercado de LFT, ao fazer com que as taxas desses papéis disparassem.
Esse ajuste pode durar mais alguns dias. E o risco está na possibilidade de resgates em fundos de renda fixa. Aí pode haver uma espiral negativa, porque os fundos podem querer vender os papéis a qualquer preço.
O mercado está engasgando: esta é a reação nas curvas de juros após o megaleilão do Tesouro. Esse quadro pode ser passageiro e que o Tesouro está correto em tentar “ganhar tempo”. Hoje, o Tesouro tem de lidar com as incertezas sobre o rumo do cenário fiscal e com o quadro de inflação mais alta, o que também pressiona os juros futuros mais curtos.
O risco, entretanto, está na possibilidade de, ao rolar a dívida com papéis curtos, ocorrer uma concentração de vencimentos nos próximos meses. Isso tornará o desafio da rolagem ainda maior se as condições fiscais não melhorarem.
O Tesouro tem, pelos próximos trimestres, uma quantidade expressiva de vencimentos. Considerando dados atualizados até 16 de setembro, há R$ 92,164 bilhões de vencimento em títulos no quarto trimestre deste ano; R$ 286,1 bilhões entre janeiro e março de 2021; e R$ 320,6 bilhões entre abril e junho do próximo ano.
O montante do segundo trimestre de 2021 considera um vencimento bastante significativo de LTNs em abril (R$ 245,6 bilhões), diante da estratégia do Tesouro de encurtar o perfil da dívida pública desde o início da crise. Para Carlos Kawall, diretor do ASA Investments e ex-secretário do Tesouro, “o encurtamento da dívida não é a estratégia ideal, mas não quer dizer que exista outra”.
Na avaliação de Kawall, se o Tesouro mantivesse a estratégia anterior à crise e tentasse alongar o perfil da dívida, a curva de juros estaria ainda mais inclinada, ou seja, as taxas de longo prazo estariam em níveis bem mais elevados do que as de curto prazo. Isso, afirma Kawall, “apertaria as condições financeiras, que atuariam negativamente na retomada econômica”.
Se o Tesouro tentar vender mais LTN, as tesourarias de bancos e os fundos começam a cobrar mais, o que se torna exponencial no momento quando o volume de emissões aumenta bruscamente. O Tesouro acelerou muito a emissão de LTN e o mercado passou a exigir mais prêmio também nas LFTs.
O recado do mercado ao Tesouro foi bastante expressivo: os investidores ficaram desconfortáveis com o volume robusto de emissões em um só dia. A aceleração do ritmo de oferta foi bem forte e houve aumento considerável no tamanho do risco de mercado, o que claramente não foi bem recebido porque não havia demanda final.
Já no leilão do dia 17, embora o lote de prefixados tenha sido vendido integralmente, a colocação de LFTs foi bem pequena. Da oferta de até 500 mil papéis, apenas 18,1% foram vendidos, com concentração quase que completa nos títulos de mais longo prazo (setembro de 2026). Como nota um profissional de renda fixa, “existe o receio no mercado de que as taxas das LFTs andem ainda mais”.
No pano de fundo, está o quadro fiscal bastante desafiador para a gestão da dívida pública. Com um déficit bem expressivo para ser financiado, o Tesouro tem feito emissões cada vez maiores e essa tendência deve permanecer em vigor. A expectativa de alguns profissionais do mercado é que o Tesouro continue a vender papéis prefixados de curto prazo, como colocado no Plano Anual de Financiamento (PAF), revisado no fim de agosto.
No entanto, com o cenário cada vez mais incerto quanto ao rumo das contas públicas, algumas instituições já trabalham com a possibilidade de rompimento do teto de gastos, o que pode representar um desafio ainda maior para a rolagem da dívida.
A expectativa de aumento de gastos com programas sociais sugere: o gasto público total ultrapassará o limite imposto pela regra do teto de gastos. O gasto público total ultrapassará o limite em 2021 em cerca de 1 ponto percentual do PIB. Consequentemente, isso traria o déficit fiscal primário para 4,5% do PIB e a dívida pública bruta para 99,7% do PIB no fim de 2021.
Segundo Fabio Graner e Lucinda Pinto (Valor, 22/09/2020), o Tesouro Nacional informou: o aumento do prêmio cobrado por investidores nos títulos pós-fixados (LFTs) do governo “tem impacto pouco relevante” sob a ótica do custo da dívida pública.
Seriam dois os principais motivos para isso: “o prêmio maior só será utilizado como referência em novas emissões, sem nenhum impacto sobre o estoque da dívida; e, a despeito do aumento no nível de prêmio, o custo total para o Tesouro permanece no menor nível da série histórica”.
O prêmio se expressa como um deságio no valor desses títulos atrelados à taxa Selic. Ele mostra uma situação diferente de outras crises, na qual a LFT era tida como porto seguro dos investidores e o Tesouro acabava sempre aumentando as emissões desse papel. Esse movimento ocorria porque, em geral, nas crises anteriores do Brasil, a Selic subia, elevando a atratividade desse papel com baixíssimo risco soberano.
Nesta pandemia, porém, a Selic caiu para as mínimas históricas – hoje está em 2% ao ano, nível que está perdendo até para inflação. Por isso, os investidores têm demonstrado menor apetite por aplicações atreladas a ela, ao mesmo tempo, exigindo taxas maiores nos títulos prefixados, levando ao chamado aumento na “inclinação da curva de juros”.
Sobre o aumento no deságio desses papéis, ocorrendo desde a semana a segunda quinzena de setembro de 2020, o Tesouro diz isso refletir as forças de oferta e demanda. “No caso das LFTs, o aumento nos prêmios pode indicar que no período recente houve maior fluxo vendedor do título”, admite o Tesouro.
O órgão do Ministério da Economia lembrou: em julho, mês mais recente com dados abertos, os números mostram, de fato, os investidores demonstraram maior apetite por títulos prefixados, pois eles representaram 69,4% dos R$ 156,3 bilhões emitidos. “O movimento recente, de ajuste no nível de prêmio, pode tornar as LFT mais atrativas”, afirma a secretaria.
A instituição responsável pelo financiamento da dívida e do gasto do governo acompanha a evolução dos preços no mercado secundário.
No caso das LFTs, esse segmento tem menor liquidez nas negociações em mercado secundário (embora seja o título de maior participação na dívida), o que piora o processo de formação de preços. Inclusive, recentemente, tanto o Tesouro como o Banco Central adotaram medidas para ampliar o volume e a liquidez nesse segmento, como o aumento na pontuação dos dealers do Tesouro ali operadores, e o uso desse papel em operações compromissadas do Banco Central com prazo de três e seis meses.
“O Tesouro Nacional segue trabalhando com vistas ao desenvolvimento do mercado secundário de títulos públicos, com maior eficiência e transparência na formação de preços”, finalizou o órgão.
Além dos juros básicos em níveis historicamente baixos, outro fator que tem pesado na demanda por LFTs é o mercado conseguir fazer com títulos prefixados operações casadas. Elas criam, de forma sintética, uma espécie de papel pós-fixado que consegue render um pouco mais do que a Selic ou o CDI. E isso tem sido usado pela indústria de fundos DI, reduzindo ainda mais a demanda pelas LFTs.
Victor Rezende (Valor, 23/09/2020) informou: o entendimento do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de haver “bastante incerteza” sobre a evolução da recuperação econômica reforça o cenário de a taxa básica de juros permanecer em níveis baixos por um período prolongado, na avaliação de analistas. Essa leitura, inclusive, foi compartilhada pelo mercado de juros. Ele, após dias sucessivos de estresse, teve um pregão de alívio.
O impacto mais forte da ata do Copom foi sentido nos trechos de curto prazo da curva de juros. No fechamento dos negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 caía de 2,97% para 2,91%. Também os juros de prazos intermediários e longos se ajustaram em queda, mas o movimento se mostrou mais contido, tendo em vista que o mercado continua bastante atento aos desenvolvimentos na arena fiscal. Assim, a taxa do DI para janeiro de 2025 passou de 6,32% para 6,29%.
A interpretação do colegiado quanto ao crescimento econômico mudou desde a reunião de agosto. Diante da indicação do Copom de o ambiente para economias emergentes se mostrar relativamente favorável, o destaque dado pelo comitê à incerteza relacionada à remoção dos estímulos fiscais também foi observado pelos economistas.
A leitura da ata do Copom feita pela economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, é a de que o documento traz uma visão mais favorável a estímulos (“dovish”), tendo em vista que o ambiente de recuperação econômica é incerto e que a inflação benigna deve permanecer em vigor, embora o colegiado reconheça a alta da inflação de curto prazo.
“O cenário é bastante benigno e temos fundamentos que vão segurar a inflação em níveis baixos”, afirma uma economista cega quanto à Grande Depressão. Para ela, importa apenas a decisão do Copom de manter os juros baixos e adotar uma comunicação apontando para a continuidade da Selic em níveis estimulativos por um bom tempo é condizente com o cenário atual.
O problema da má formação da maioria dos economistas brasileiros ortodoxos é desconhecerem o beabá keynesiano sobre a Armadilha da Liquidez em Grande Depressão!
Marcação-a-Mercado da LFT em Mercado Secundário: Rendimentos Negativos em Fundos DI Pós-Fixados publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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