sábado, 5 de setembro de 2020

Aumento da Poupança com Queda do Consumo

Arícia Martins (Valor, 10/08/2020) informa: seja de forma intencional ou involuntária, a poupança das famílias brasileiras vem aumentando em meio à pandemia, avaliam economistas. Para eles, as evidências desse movimento estão não só na expansão dos recursos destinados à caderneta de poupança e outros tipos de investimento, mas também na dinâmica do consumo e do endividamento. O que está em debate é se parte da renda guardada poderia voltar a circular na economia ainda neste ano, ajudando a atividade no último trimestre, quando os estímulos fiscais do governo devem ser retirados.

Somando o saldo da caderneta de poupança e o estoque aplicado em previdência privada, títulos de capitalização, do Tesouro e na renda fixa, o indicador de poupança agregada das famílias da Tendências Consultoria avançou 16,6% em maio ante mesmo mês de 2019, para R$ 3,387 trilhões. Entre março e junho, a diferença entre depósitos e saques na caderneta atingiu R$ 77,6 bilhões, maior captação líquida para o período desde 1995.

Quesito especial da Sondagem do Consumidor de maio reforça a percepção de que as famílias estão guardando parte da renda. No questionário do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), 78,8% dos pesquisados disseram estar comprando somente o essencial.

No levantamento mais recente, de julho, o Ibre perguntou aos consumidores que sacaram recursos liberados do FGTS como estes seriam usados. A maioria (40,2%) mencionou o pagamento de dívidas, mas 26,4% pretendem guardar o dinheiro visando usá-lo no futuro, segunda principal opção, destaca Viviane Seda, coordenadora das sondagens.

Para tentar identificar possíveis mudanças nas decisões dos consumidores, o Bradesco construiu um indicador mensal de consumo, com base nas pesquisas de comércio e serviços do IBGE e ponderado pelas Contas Nacionais, e o comparou com um modelo econométrico que aponta como a demanda poderia ter se comportado no período.

O indicador de consumo possível é calculado a partir da massa ampliada de renda – que considera, além da renda do trabalho, aposentadorias e benefícios do governo, inclusive o emergencial -, concessões de crédito, confiança do consumidor e comprometimento mensal de renda com dívidas. Com base nesses fundamentos, o levantamento aponta que, em março e abril, o desvio do consumo observado em relação ao possível, medido em desvios-padrão, foi bem maior que o habitual, de 6,8 e 8,7 pontos a menos, pela ordem.

Em maio, com a reabertura parcial da economia, a diferença entre consumo efetivo e potencial voltou a padrões mais próximos do normal, observa o economista Robson Pereira, autor dos cálculos em conjunto com as economistas Ariana Zerbinatti e Myriã Bast.

Nos dois meses anteriores, porém, o “resíduo” foi relevante, e uma hipótese que pode explicar a discrepância é o acúmulo de poupança. Possivelmente, o movimento foi mais involuntário, disse Pereira, devido ao fechamento de uma série de atividades que impediu parte do consumo, mas também pode haver uma parcela relacionada à maior cautela do consumidor, chamada de poupança precaucional.

A pergunta a se fazer é quanto dessa poupança pode ser gasta ao longo dos próximos meses, pondera ele, suavizando o efeito do fim do pagamento do auxílio de R$ 600, por exemplo. “Não esperamos ressaca no quarto trimestre, devido à parte dessa poupança formada no segundo e terceiro trimestres”, disse. No cenário do banco, o PIB vai crescer 1,2% de outubro a dezembro sobre os três meses

anteriores, feitos os ajustes sazonais, depois de alta de 6,8% no terceiro trimestre. “O menor crescimento ocorre devido à base de comparação”, explicou Pereira.

Outro indício de que as famílias estão poupando mais, ainda que em opções sem rendimento, é o aumento do dinheiro em circulação na economia, acrescenta o Bradesco. Em junho, descontada a inflação, o saldo de papel-moeda em poder do público subiu 35,3% sobre igual mês de 2019, enquanto os depósitos à vista avançaram 35,6% na mesma comparação.

Isabela Tavares, economista da Tendências, observa que também há aumento do montante destinado a formas de investimento que costumam ser usadas como reserva financeira, como mostra o indicador de poupança agregada da consultoria.

Os depósitos do auxílio emergencial, feitos em contas-poupança, podem explicar parte da alta no saldo da caderneta, que subiu 17,7% em julho, diz Isabela. “A dúvida é se isso vai se transformar em consumo futuro ou não”, disse. “Há muita incerteza. Os efeitos da pandemia no mercado de trabalho serão mais prolongados.”

“É possível que haja uma poupança precaucional. As incertezas sobre o mercado de trabalho e sobre a volta das atividades à normalidade podem levar as pessoas a ficarem mais cautelosas com sua renda, postergando o consumo. Mas ainda não é possível quantificar este efeito”, avalia Paula Magalhães, economista-chefe da A.C. Pastore & Associados.

Para Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o endividamento é outra evidência de que aqueles que têm condições estão guardando parte de seus rendimentos. Na média, a proporção de famílias endividadas aumentou de 66,2% em março para 67,4% em julho, mas houve tendências diferentes nas duas faixas de renda pesquisadas pela CNC.

Nas famílias que ganham até dez salários mínimos, a fatia de endividados subiu de 67,1% para 69%. Já entre aquelas que ganham acima disso, o percentual caiu dois pontos no período, ressalta Izis, para 59,1%, o que não deve se traduzir em maior consumo. “Decisões de consumo estão sendo avaliadas e reavaliadas por pessoas de maior poder aquisitivo, que estão fazendo poupança precaucional.”

O destino dos recursos que estão sendo poupados, no entanto, ainda é incerto na visão de Izis, que ressalta, também, o maior estresse financeiro no orçamento da maior parte das famílias, que ganham menos de dez mínimos.

Ana Conceição (Valor, 20/07/2020) informa: os programas do governo para recompor a renda de parte da população durante a pandemia de covid-19 devem fazer com que a massa de renda disponível neste ano fique até um pouco maior em relação a 2019, mas ainda assim a demanda das famílias deve cair forte por causa de fatores como a chamada poupança precaucional e do próprio isolamento social.

Ao mesmo tempo, o revés sem precedentes no mercado de trabalho aponta recuperação lenta do consumo e também da economia no período pós-pandemia.

Estudo feito pelos economistas Julia Gottlieb e Luka Barbosa, do Itaú, mostra por causa do auxílio emergencial a massa de renda disponível crescer 1% neste ano, ou R$ 40 bilhões, para R$ 3,405 trilhões, sobre o valor de 2019.

Sem o auxílio, a massa de renda cairia 8%, para R$ 3,08 trilhões, um recuo sem precedentes, puxado principalmente pela diminuição da massa de salários, que cairia 13%, ou R$ 355 bilhões, nas estimativas dos economistas.

A massa de renda disponível inclui salários, benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões), benefícios de proteção social (prestação continuada, abono, Bolsa Família) e, no caso específico de 2020, o auxílio emergencial de R$ 600 mensais, o auxílio ao emprego formal (suspensão de contrato e redução de jornada e salários) e a liberação de uma parcela do FGTS.

A conta dos economistas do Itaú leva em consideração toda a transferência já anunciada pelo governo, mais duas parcelas de R$ 300 reais aos informais (estas duas ainda não definidas), além de uma extensão do programa de apoio ao emprego formal via suspensão temporária ou flexibilização de jornada por até 120 dias (esta já formalizada). Segundo Julia Gottlieb, no cenário do banco, sem esses adicionais, a massa de salários ficaria mais ou menos estável na comparação com 2019.

O cálculo também leva em consideração a população ocupada atingir o mínimo de 84 milhões de pessoas em junho e depois começar a se recuperar gradualmente, terminando o ano próximo a 88 milhões, número ainda inferior ao pré-pandemia.

O Produto Interno Bruto (PIB) deve cair 4,5% na estimativa do Itaú, que está entre as menos negativas do mercado. A mediana das projeções do boletim Focus, do Banco Central, aponta queda de 6,5%. O BC espera recuo de 6,4%.

O aumento de renda disponível pode se transformar em crescimento de consumo e, consequentemente, de PIB, no segundo e no terceiro trimestre, mas essa possibilidade não foi incorporada à projeção de queda do PIB.

A taxa de poupança das famílias deve aumentar temporariamente:

  1. por causa do isolamento social (que limita gastos especialmente com serviços) e
  2. pelo motivo precaucional (dado o grau de incerteza ainda elevado).

A poupança das famílias deve subir, segundo as estimativas, de 13,5% do PIB em 2019 para 17,6% em 2020.

As perspectivas para o crescimento do consumo são, “muito ruins” por causa da força “de uma erupção vulcânica com que a pandemia atingiu o mercado de trabalho”, avalia a consultoria AC Pastore. A parcela da baixa renda – a mais atingida pelo desemprego – na demanda das famílias é pequena, por mais que gastem todos os recursos disponíveis.

“Vivemos num país onde quem comanda o consumo são as famílias das classes médias para cima, cujo comportamento em situação de risco elevado é elevar a poupança”, diz a consultoria em relatório recente.

Os programas de transferência de renda devem terminar, ou pelo menos perder muito a força no quarto trimestre. O governo tem estudado um novo programa, o Renda Brasil, que pode resultar mais em uma realocação de recursos na área social, com um foco mais definido, que aumento de renda de fato. Até lá, os programas de proteção ao emprego também deverão ter terminado.

Como ficará o emprego e a renda no pós-pandemia é em grande parte uma incógnita, por isso, mais que discutir uma extensão ou não dos programas emergenciais, o governo deveria estar tratando de formular políticas públicas de aumento do emprego, afirma Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria.

Falta a discussão de como vamos incluir o trabalhador no mercado após a pandemia. Isso tem que ser feito para além de pensar custos e isenções. É inclusão do ponto de vista da educação, de fazer o ‘match’ [encontro] entre trabalhadores e empresas.  Uma política de renda básica e esse “match” não são incompatíveis.

A pandemia vai alargar a desigualdade no mercado de trabalho. Como em outras crises, a informalidade será a porta de reentrada no mercado. O emprego formal vai voltar mais lentamente. Tipos de contrato como o intermitente e por hora devem se tornar mais comuns

Em cenário onde a atividade cresce pouco e as empresas estão numa situação difícil, com a incerteza alta, o emprego tradicional com carteira vai sofrer mais. Voltar a ter emprego dependerá muito das políticas públicas desenhadas hoje.

A renda, por sua vez, tende a perder com a maior competição especialmente no mercado sem carteira. A vida do informal vai ficar mais complicada. O fato de o salário mínimo não ter aumento real em 2021 também deve influenciar.

A Tendências estima queda de 7,3% no PIB deste ano, com queda de 6,5% no consumo das famílias. O recente otimismo no mercado e do BC com indicadores de alta frequência melhores que o esperado pode não se realizar. Isso faz sentido para o segundo trimestre. Mas o coronavírus está se mostrando um problema mais longo e mais difícil. Pode ser que o terceiro e o quarto trimestre sejam mais fracos.

Aumento da Poupança com Queda do Consumo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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