Akiko Santos publicou, no periódico Rural Semanal, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (I parte: na semana de 22/28 de agosto de 2005; II parte: na semana de 29/04 de setembro de 2005), um excelente artigo explicativo de “o que é transdisciplinaridade”. Abaixo, eu edito e sintetizo suas principais ideias.
As estruturas e normas universitárias por longos anos têm se apoiado nos princípios cartesianos: fragmentação, descontextualização, simplificação, redução, objetivismo e dualismo.
Esse modo cartesiano de ser direciona o olhar das pessoas, exclusivamente para o que é objetivo e racional, desconsiderando as dimensões da vida cotidiana: a emoção, o sentimento, a intuição, a sensibilidade e a corporeidade.
A identidade do homem é construída a partir das profissões estabelecidas na modernidade. A identidade dos jovens é formatada nas parcelas do conhecimento com uma cultura, linguagem e leituras pertinentes a tais parcelas e não estimula abertura e diálogos entre as diversas profissões.
A disciplinaridade se sobrepõe a transdisciplinaridade, a visão articulada do conhecimento. Na vida, somos todos “transdisciplinares”, mas quando entramos nas salas de aula, somos disciplinares.
Apesar de o currículo dos cursos contemplarem um leque de disciplinas de outras áreas (multidisciplinaridade), muitas vezes como disciplinas optativas, a estrutura disciplinar impede que os respectivos docentes se articularem e daí articularem seus conhecimentos. Alguns pressupostos “donos-de-cátedra” até dizem “esta disciplina é minha e não admito interferências de outros especialistas”.
Os alunos, reféns dessa estrutura/atitude, saem com as cabeças “bem-cheias” de uma variedade de informações justapostas. No entanto, se formam sem saber articulá-las com vistas a terem cabeças “bem-feitas”.
Os problemas da vida resolvem-se com um pensar transdisciplinar, mas os problemas do conhecimento tendem a seguir um raciocínio cartesiano de objetividade, linearidade e descontextualização.
A mistura criativa aplica um pensar transdisciplinar e tem a coragem de desafiar as incertezas e as crendices. A natureza não é linear. A linearidade é uma lente construída pela Lógica Clássica, faz parte, mas a natureza tem uma Lógica Complexa.
O predomínio da disciplinaridade aprofundou os conhecimentos específicos e deu condições ao desenvolvimento das Ciências e ao progresso tecnológico hoje desfrutado. Mas se pensarmos no rumo da humanidade, perceberemos a miopia do modo de pensar disciplinar. A história humana está repleta dessa miopia.
Edgar Morin (2000) afirma: “um especialista, ao ser somente especialista, é um perigo para o mundo e para a humanidade”.
A Ciência especializada não explica a vida. Esta só adquire sentido ao ser contextualizada através de todos os saberes acumulados, reconhecendo o direito de cada ser humano possuir sua verdade (sem afrontar a liberdade dos demais), religião, sexo, cultura e raça. Tem o direito de existir e habitar este planeta, convivendo e contribuindo, respeitando e sendo respeitado pelas diferenças individuais e grupais.
Esta mudança de atitude, no nível local das comunidades universitárias, começa com o sentimento de tolerância e abertura ao lidar com as diferenças humanas.
A transdisciplinaridade é a busca do sentido da vida através de relações entre os diversos saberes (Ciências Exatas, Humanas e Artes) em uma democracia cognitiva. Nenhum saber é mais importante que outro. Todos são igualmente importantes.
A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e cultural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade. Ela busca a unidade do conhecimento para encontrar um sentido para a existência do Universo, da vida e da espécie humana.
A transdisciplinaridade, hoje, sugere a superação da mentalidade fragmentária, incentivando conexões e criando uma visão contextualizada do conhecimento, da vida e do mundo.
A disciplinaridade retirou o sentido da vida preenchendo-o com valores de adaptação ao sistema em voga. Essa educação a ser ultrapassada não se ocupa de desenvolvimento integral dos estudantes. Simplesmente prioriza a dimensão racional tratando de dotá-los do necessário para integrar-se e dar continuidade ao sistema capitalista.
Ao dicotomizar o sujeito do objeto, o ser do saber, considera os fenômenos da subjetividade como a emoção, o sentimento, a intuição, a sensibilidade como sendo um aspecto de segunda categoria, fonte de erros.
A transdisciplinaridade reivindica a centralidade da vida nas discussões planetárias, propondo mudança no sistema de referência e se apoia em três exigências:
- considerar vários níveis de realidade;
- trabalhar com a lógica do Terceiro Termo Incluído; e
- abranger a visão da complexidade dos fenômenos.
Vários níveis de realidade
O paradigma da modernidade vem se revelando insuficiente devido à compartimentação do conhecimento. No estudo do ser humano, o homem é estudado no departamento de Biologia, como um ser anatômico, fisiológico e também é estudado nos diversos departamentos das Ciências Humanas e Sociais. Estuda-se o cérebro como órgão biológico e estuda-se o espírito, como função ou realidade psicológica. Cada qual com um quadro conceitual específico e diferenciado.
A simples soma desses estudos especializados não nos diz o que é o Homem. Ele não é simplesmente a soma das partes estudadas pelas disciplinas singulares. Na relação das partes com o todo, a articulação é que faz a diferença e isso inexiste como foco central na estrutura disciplinar.
A transdisciplinaridade é a tentativa de construção de uma conceituação multidimensional, considerando vários níveis de realidade. A vida existe na relação com o meio ambiente, com o todo.
Lógica do Terceiro Termo Incluído
Os problemas complexos não se resolvem com a lógica clássica do “falso” e do “verdadeiro”, do “é” ou “não é”. Exigem uma Terceira Lógica, a da complementaridade dos opostos. Por exemplo, no nível do quantum, onda e corpúsculos formam uma unidade. A unidade se dá pela tensão entre ambos e o que parecia contraditório em um determinado nível, em outro não é. E os opostos não são eliminados, eles continuam existindo.
Esta lógica não abole a lógica aristotélica do “sim” e do “não”. Apenas não mais se considera a existência de somente dois termos e, sim, três. Um terceiro é o Terceiro Termo Incluído. A lógica do Terceiro Termo Incluído permite cruzamento de diferentes olhares, construindo-se um sistema coerente e sempre aberto.
Ele nos permite compreender, principalmente, os fenômenos sociais e políticos. A lógica aristotélica justifica a exclusão do diferente, dando lugar ao fundamentalismo, ao racismo e ao cientificismo, bem como separa o “bem” do “mal”. Por isso, Basarab Nicolescu (1999) diz a transdisciplinaridade estar “entre”, “através” e “além” das disciplinas.
A transdisciplinaridade transpõe as fronteiras epistemológicas de cada Ciência disciplinar e constrói um novo conhecimento “através” das Ciências. É um conhecimento integrado em função da humanidade. Resgata as relações de interdependência, pois a vida se constitui nas relações mantidas pelo indivíduo com o meio ambiente.
Complexidade dos Fenômenos
Necessitamos reconhecer a complexidade intrínseca aos fenômenos. A vida se manifesta na complexidade das relações estudadas separadamente pelas Ciências Exatas, Biológicas e Humanas. A interdependência é um princípio sustentáculo da vida nesse planeta.
Negar a interdependência entre Ciência e Cultura significa negar o sujeito, desvanecendo o sentido da vida. A transdisciplinaridade é a dissolução dos discursos homogeneizantes na Ciência e na Cultura.
O diálogo entre os estudiosos constitui uma prática necessária ante a deterioração do mundo sob o domínio da fragmentação. A pressuposta objetividade do conhecimento cartesiano omite e desencanta a vida.
O compartilhamento universal do conhecimento não poderá ocorrer sem a autotransformação apoiada no sentimento de tolerância e abertura. No diálogo, a tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias às nossas [sem afrontar a liberdade democrática e o Direito Universal do Homem de as possuir].
Tolerância e abertura mental são duas atitudes imprescindíveis no diálogo entre:
- os diferentes saberes,
- as diferentes culturas,
- as diferentes teorias e
- os diferentes modos individuais de ser.
O Que É Transdisciplinaridade (por Akiko Santos) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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