quinta-feira, 23 de julho de 2020

Gurus das Finanças não se entendem

Sérgio Tauhata (Valor, 20/07/2020) informa: em um momento no qual a maioria dos investidores permanece atônita com o comportamento bipolar dos mercados e em que a maior certeza são incertezas, pesos-pesados das finanças, como o autor do livro “Cisne Negro”, Nassim Taleb, do fundador do maior hedge fundo do mundo, Ray Dalio, o “papa do valuation” Aswath Damodaran, o CEO da BlackRock, Larry Fink, e a vencedora do Nobel de Economia, Esther Duflo, mostraram uma visão mais pragmática sobre a pandemia em suas participações no evento Expert XP.

“Essa crise foi uma das mais ordenadas que já vi”, afirmou o professor da Stern School da Universidade de Nova York, Aswath Damodaran. Enquanto se propagou a ideia de caos e mercados enlouquecidos, principalmente no início da pandemia, em março, o pesquisador e investidor contestou essa percepção.

Na primeira fase de pânico, houve, na visão de Damodaran, um comportamento típico desses momentos: ativos de risco, como ações e commodities, recuaram e, ao mesmo tempo, o fluxo migrou para investimentos defensivos, como os Treasuries.

Depois, com a redução das incertezas, as ações voltaram a se recuperar. Dados de 37 mil companhias abertas compilados pelo estudioso indicaram a perda de 29% no valor de mercado no pior momento da crise. Cerca de três meses depois desse ponto, essa queda corresponde a 10%, ou seja, um valor de mercado de US$ 81 trilhões ante os US$ 90,3 trilhões pré-crise.

A diferença, conforme Damodaran, explica-se porque as empresas vão ter perdas de fluxo de caixa neste ano e no próximo. E os últimos meses mostraram o mercado se ajustando aos exageros.

Na visão do acadêmico, uma das lições da crise é a necessidade de “redescobrir a palavra valor”. De acordo com Damodaran, valor e preço são coisas diferentes. “Preço é reativo e valor, proativo. Além disso, preço não tem limites nem para cima nem para baixo, enquanto valor tem limites superior e inferior, que são definidos pelos fundamentos.”

Damodaran criticou uma “rigidez da velha guarda do investimento de valor”, que busca empresas com baixos múltiplos em termos de preços ante os lucros e o patrimônio líquido, desconsiderando as chamadas companhias de rápido crescimento, avaliadas como arriscadas. “Eu penso em mim mesmo como um investidor de valor, mas minha definição de investimento de valor é comprar uma ação que está negociando bem abaixo do seu valor e isso pode ser uma companhia de alto crescimento.”

Embora não tenham participado da mesma palestra, o discurso do escritor, matemático e analista de risco Nassim Taleb teve muitos pontos de encontro com o de Damodaran. O autor de obras como “A Lógica do Cisne Negro” e “Antifrágil” refutou, por exemplo, considerar a pandemia como um evento “cisne negro”, ou seja, algo inesperado, imprevisível e de impactos extremos.

Para o especialista, a história é repleta de casos de pandemias e quarentenas. “Sabemos há anos sobre pandemias, temos até filmes sobre isso”, ponderou. Existe, no entanto, um fator que as pessoas falharam em perceber: a facilidade de viajar e reunir multidões tornou o ambiente global “fértil como nunca foi” para uma pandemia em larga escala.

Usando o conceito visitado na obra “Antifrágil”, Taleb citou negócios côncavos, ou seja, com possibilidade ilimitada de perdas, e convexos, que funcionam ao contrário, com perdas limitadas, mas possibilidade de ganhos ilimitados. Nos investimentos, disse, “[a missão é] procurar opções que sejam convexas por natureza”.

Pensamento semelhante foi citado pelo fundador do hedge fund Bridgewater, Ray Dalio. Uma reserva de riqueza possível no longo prazo “podem ser ações de negócios estáveis ao redor do mundo”. Na visão de Dalio, “se olhar os ciclos no passado verá que essas ações protegem valor; existem empresas que não têm modelo cíclico e o que produzem vai ser utilizado não importa quando e nem onde”.

A pandemia também reforçou a importância da diversificação como forma de se proteger de eventos inesperados. “O vírus está produzindo um gigantesco teste de estresse, deixando clara as disparidades” entre as classes de ativos, apontou o gestor.

O “santo graal” – o cálice sagrado dos investimentos – é ter uma diversificação grande em ativos sem correlação entre si, afirmou Dalio. “Qual o cálice sagrado de fazer dinheiro? É ter 10 ou 15 ativos de qualidade sem correlação.”

Já Taleb apontou também outra ideia equivocada, exacerbada pela crise: a do papel negativo da volatilidade na análise de riscos. Em exemplo tirado de suas obras, Taleb contou a história de dois irmãos gêmeos que trabalharam desde os 20 anos e agora estão com 55 anos. Um deles se tornou taxista e outro conseguiu um emprego com um salário estável em uma grande empresa. “O motorista tem bons e maus meses, saiu do táxi e foi para o Uber, e cada mês ruim o obriga a se ajustar rapidamente. Nessa época de covid-19, agora faz mais dinheiro com delivery.” São polos opostos, considerou.

“Se perguntar a um analista, ele diria que o taxista tem mais volatilidade e, portanto, é mais arriscado, enquanto o irmão com salário regular tem menos risco”, afirmou. Porém, na pandemia, o irmão com maior estabilidade de renda foi demitido. “Agora, qual a possibilidade de essa pessoa, aos 55 anos, voltar a fazer a mesma coisa? Trabalhou para a mesma empresa por 35 anos e, com isso, matou sua habilidade de se adaptar, ou seja, não tem volatilidade, mas também não tem adaptação”, resumiu.

O CEO da BlackRock, Larry Fink, chamou a atenção a uma preocupação que o coronavírus trouxe à tona para as empresas: a necessidade de se adaptar a um mundo cada vez mais exigente com a sustentabilidade. “Acredito que a pandemia é um risco existencial para nossas vidas e saúde. E o risco existencial da covid-19 é o mesmo da mudança climática.” De acordo com o executivo, “em conversas no mundo todo, clientes perguntam sobre como pensar as mudanças climática nos portfólios”.

A prêmio Nobel de Economia, Esther Duflo, defendeu o investimento de impacto, como uma forma de lidar com problemas da sociedade. “Em vez de se perguntar o que poderia fazer, uma pergunta mais fácil seria: existe algo que eu deva evitar totalmente? Algo em que não deva investir porque é ruim para o mundo?” Conforme a economista, as pessoas podem escolher alocar recursos em investimentos que, além do retorno financeiro, tragam benefícios à sociedade ou ao ambiente e evitar negócios problemáticos, como indústrias poluentes. Para Esther, a expansão do investimento de impacto “marca um progresso”.

Gurus das Finanças não se entendem publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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