quinta-feira, 23 de julho de 2020

Depósito Voluntário Remunerado X Operações Compromissadas

Alex Ribeiro (Valor, 20/07/2020) informa o Banco Central continuar empenhado em convencer o Congresso Nacional a criar um depósito voluntário remunerado das instituições financeiras. Para o BC, o instrumento é mais eficiente do que as operações compromissadas e, de quebra, poderá corrigir distorções na contabilidade da dívida bruta.

O desejo de criar um novo mecanismo para gerenciar a liquidez da economia é antigo. No governo do PT, Alexandre Tombini chegou a discutir um projeto de lei para restabelecer a permissão para que o Banco Central coloque em mercado títulos de sua própria emissão. Essa faculdade foi eliminada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a justificativa de evitar o financiamento do Tesouro pelo BC. Diante das resistências à ideia, Tombini passou a defender a criação dos depósitos voluntários.

A proposta foi endossada pelo sucessor de Tombini, Ilan Goldfajn, dentro de sua agenda de reformas BC+. Nesse ano, chegou a ser incluída na proposta de emenda constitucional (PEC) do orçamento de guerra, que dá superpoderes para o Banco Central atuar na crise. Mas acabou sendo retirada devido à resistência de parlamentares de esquerda, que entenderam que significaria um benefício aos bancos. A esperança, agora, é que esse novo instrumento seja aprovado dentro do projeto de autonomia operacional do BC.

Os depósitos remunerados, assim como as operações compromissadas, são uma forma de o Banco Central retirar o excesso de dinheiro da economia e, assim, evitar que os juros negociados em mercado caiam abaixo da meta da taxa Selic. De forma análoga, permitem injetar dinheiro para evitar que o juro suba acima da Selic. Ao contrário do que temem os parlamentares que rejeitaram a proposta, não representam um benefício aos bancos. Na verdade, do ponto de vista do Banco Central, permitem economia de recursos públicos, comparado com as operações compromissadas.

Além de gerar custos mais altos, as compromissadas são mais trabalhosas e podem levar a distorções na formação de preços no mercado. Isso ocorre, sobretudo, quando há uma grande concentração de vencimentos de operações. Nessas ocasiões, o BC pode ter que pagar mais caro do que gostaria para fazer as operações. Também pode gerar deformações na curva de juros futuros, dependendo do prazo do título público usado como lastro na operação.

As dificuldades operacionais tendem a aumentar daqui em diante, já que o volume de operações compromissadas é crescente. Apenas neste ano o volume de operações compromissadas cresceu 38%, para R$ 1,309 bilhão.

Um dos aspectos mais controversos dos depósitos voluntários é a sua implicação fiscal. As operações compromissadas afetam a dívida bruta. No conceito de endividamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), isso ocorre quando o Tesouro emite títulos públicos para a carteira do BC, que depois são usados para lastrear operações compromissadas. No conceito usado pelo Banco Central, as compromissadas em si são consideradas um passivo para cálculo da dívida bruta.

Já os depósitos voluntários são excluídos da dívida bruta. Não fazem parte porque são consideradas operações apenas monetárias, sem natureza fiscal. Isso tem uma implicação importante: se, uma vez criado o depósito remunerado, o Banco Central usar esse instrumento para substituir operações compromissadas, a dívida bruta cairá. Seria uma forma de fazer parte da dívida bruta desaparecer debaixo do tapete?

A visão do BC é que não. O sistema atual fez com que fossem contabilizadas na dívida bruta operações que são apenas monetárias. Assim, a dívida bruta estaria inflada, quando comparada com outros países. Neste ano, por exemplo, o Banco Central anunciou um pacote de liberação de liquidez no mercado de R$ 1,274 trilhão, dos quais R$ 280 bilhões foram efetivamente liberados. Esse último número, de uma forma ou de outra, afetou o volume de dinheiro em circulação na economia – e teve que ser enxugado pelo BC com operações compromissadas.

O tipo de operação monetária que, de longe, mais afetou a dívida bruta foi a compra de dólares para as reservas internacionais. Um levantamento feito pelo Banco Central em 2017, na gestão Ilan, concluiu que esse fator teve um peso equivalente a 14,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no aumento do volume de operações compromissadas. Hoje, as reservas equivalem a 25,6% do PIB, superando as operações compromissadas, que chegaram a 18% do PIB.

Um outro fator que contribuiu para aumentar o volume de compromissadas foram as injeções de capital e de funding feitas pelo Tesouro nos bancos públicos. Nos últimos anos, o governo desfez uma boa parte dessas operações, que estavam associadas às pedaladas fiscais. Hoje, as compromissadas refletem basicamente as reservas (25,6% do PIB).

A criação dos depósitos remunerados permitiria corrigir essa distorção, mas seria um trabalho lento, que demandaria muito tempo. É por isso que o Banco Central, recentemente, começou um trabalho de convencimento dos investidores para olharem mais a dívida líquida do que a bruta, por refletir melhor as condições de solvência do governo.

Depósito Voluntário Remunerado X Operações Compromissadas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário