Essa montanha-russa no preço da moeda é chamada, no mercado financeiro, de volatilidade —e o real se tornou, na esteira da pandemia, a mais volátil das moedas emergentes.
A mudança brusca de comportamento foi tão grande que o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, passou as últimas semanas dizendo que não sabe a origem das movimentações bruscas e que o BC não tem instrumentos para conter solavancos desse tipo.
O diretor de política monetária do BC, Bruno Serra, sinalizou em transmissão ao vivo que vai adotar alguns instrumentos para amenizar a situação, sem obter consenso no mercado sobre a efetividade deles.
Coincide com as movimentações bruscas da moeda a expansão do mercado de minicontratos de dólar futuro negociados na B3. Esses contratos são usados tipicamente para negócios em day trade (em que o investidor compra e vende o papel no mesmo dia).
Economistas — e o próprio Banco Central — evitam dizer que o crescimento desse mercado tenha causado o aumento de volatilidade. No mercado de câmbio brasileiro, porém, há quem diga “o rabo abana o cachorro”, ou seja, o valor do dólar é formado no mercado futuro, e não nos negócios efetivamente feitos com a moeda à vista.
Existe no mercado de contratos futuros de dólar o padrão, de US$ 50 mil, e o minicontrato, de US$ 10 mil, que facilitou a entrada do pequeno investidor. O minicontrato exige um volume menor de recursos para dar em garantia dos negócios, o que tornou o mercado mais acessível a pessoa física.
O rabo da expressão acima sempre foi o contrato padrão, usado principalmente por estrangeiros, grandes empresas exportadoras como instrumento de proteção de receitas (hedge) e por tesourarias de bancos.
Com o agravamento da pandemia, o volume de negócios com minicontratos cresceu e ultrapassou o negociado com contratos padrão. Agora, alguns analistas do mercado começam a se perguntar —ainda sem resposta— qual tem sido o mercado formador de preço.
Em junho, o volume em minicontratos foi de US$ 784,3 bilhões, ante US$ 366,1 bilhões no mercado tradicional, de acordo com dados da B3. A virada ocorreu em maio.
Também segundo dados da B3, os principais participantes do mercado de minicontratos são estrangeiros (48%), seguidos por investidores pessoa física (36%). No mercado padrão a participação de estrangeiros é semelhante, mas pessoas físicas respondem por apenas 6% dos negócios.
A Bolsa não forneceu a série histórica da participação de investidores por perfil.
“O volume do mini está muito maior. Um dos culpados é o gringo e, sim, outro culpado é o investidor pessoa física”, afirma o professor de finanças Alexandre Cabral, que dá há anos aulas em cursos da B3, inclusive sobre como operar minicontratos em Bolsa.
Quando um investidor decide operar no day trade, ele depende justamente da volatilidade para fazer negócios.
Uma outra característica de negócios de curtíssimo prazo é a alta presença de robôs nos negócios. A corretora com maior participação em minicontratos de dólar é a Ideal Investimentos, que justamente oferece serviços de tecnologia para operações.
Os executivos da empresa não quiseram conceder entrevista para essa reportagem.
Há um outro ator curioso no mercado de minicontratos futuros de dólar: o ex-doleiro da Lava Jato, Alberto Youssef, criou no final do ano passado três robôs para operar.
Wilson Neto, analista da Clear Corretora, afirma que o mercado de minicontratos cresceu com a maior volatilidade e também com a liquidez, pré-requisitos para negócios em day trade. Se não houver liquidez no mercado, um investidor pode não conseguir, por exemplo, revender o contrato que comprou pela manhã. Se o preço não muda, há pouco espaço para ganhar na oscilação.
“Para day trade, não importa se o mercado está subindo ou caindo. O que importa é a volatilidade. e o dólar tem isso todo dia”, diz Neto.
A Clear é uma corretora especializada em day trade e faz parte do Grupo XP. Para fomentar o mercado, diz Neto, a empresa reduziu o dinheiro que o investidor deve dar em garantia para operar a R$ 22, disponibilizou um simulador e vende cursos.
Apesar dessa avalanche de pequenos investidores e crescimento do day trade, economistas evitam relacionar os dois fenômenos.
Júlia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco, diz que é difícil determinar uma relação de causa e efeito, citando uma fala do diretor de Política Monetária do (BC), Bruno Serra, nesse sentido.
Um dos motivos para cautela entre economistas é a natureza do mercado de day trade. Como teoricamente o investidor começa e termina a operação no dia (zera a posição), esse negócio não teria efeito sobre a taxa de câmbio no longo prazo.
“Se pega [a volatilidade] tanto a intraday ou a de um mês, as duas aumentaram. Concordo que o day trade deveria afetar mais o intraday do que a volatilidade histórica”, diz Gottlieb.
Mas ela aponta que o pessoa física pode montar posição no dia e desmontar no outro, e que isso vai aos poucos aumentando essa interferência no mercado.
A percepção de que o day trade não afeta a volatilidade de longo prazo faz Sergio Goldstein, ex-chefe do departamento de mercado aberto do BC, descartar o efeito desses negócios sobre o aumento de volatilidade do real.
“Quanto maior o volume, em princípio, menor a volatilidade. O que a gente vem observando também é a volatilidade não só no dia a dia. Intraday não deveria afetar a taxa de câmbio”, afirma Goldstein.
Para ele, e para outros economistas ouvidos nesta reportagem, a principal causa da volatilidade está no novo cenário de juros do país. A Selic está em 2,25% ao ano reduziu muito a possibilidade de um investidor ganhar com o diferencial de taxa contra o juro americano (atualmente zerado), o chamado carry trade.
Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO, aponta ainda que o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou meses dizendo que juro baixo e dólar alto eram a nova realidade do Brasil. Como a política macroeconômica do país prevê câmbio flutuante, investidores passaram a especular com o que seria o dólar alto aceitável para Guedes.
“O juro tem um limite para baixo, mas para dólar alto não sabe o que é. Naturalmente o dólar alto faz parte de uma estratégia de tornar o país atrativo para trazer investimentos para infraestrutura”, afirma.
Na semana passada, o IIF (Instituto Internacional de Finanças) afirmou que o dólar de equilíbrio do país estaria ao redor dos R$ 4,50.
A contradição desse cenário é que independentemente do patamar do dólar, se ele está volátil, ninguém consegue fazer um planejamento de longo prazo.
ENTENDA COMO É OPERAR COM CÂMBIO
O que é um contrato futuro de dólar?
- Num contrato financeiro de compromisso de compra e venda de um ativo (no caso, dólar) em uma data futura. Preço é ajustado diariamente pela oscilação do mercado
Qual é a diferença de um contrato padrão e do minicontrato?
- O valor de cada contrato. O padrão é de US$ 50 mil, o minicontrato, de US$ 10 mil
A quem esse tipo de investimento é recomendado?
- Tradicionalmente, o contrato futuro de dólar oferece proteção a empresas expostas à variação cambial. No caso de pequenos investidores, é destinado àqueles que correm risco maior em busca de retornos também maiores
Preciso ter o valor total do contrato para investir?
- Não. No mercado futuro, o investidor opera alavancado (não precisa ter o dinheiro do valor do ativo). E o valor que ele recebe (ou paga, se perder) é a diferença de preço do dólar no dia.
- É preciso ter dinheiro para dar em garantia, em caso de perdas
Pequeno Investidor: “Bode-expiatório” para Súbitas Oscilações do Dólar?! publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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