quarta-feira, 29 de julho de 2020

Pequeno Investidor: “Bode-expiatório” para Súbitas Oscilações do Dólar?!

Tássia Kastner informa, em 2020, o dólar já esteve cotado a R$ 5,89 e também a R$ 4,02. Em um único dia, 12 de março, chegou a oscilar mais de 30 centavos e foi de R$ 5,0283 a R$ 4,7090 para depois fechar em R$ 4,8207. Na sexta, terminou em R$ 5,21.

Essa montanha-russa no preço da moeda é chamada, no mercado financeiro, de volatilidade —e o real se tornou, na esteira da pandemia, a mais volátil das moedas emergentes.

A mudança brusca de comportamento foi tão grande que o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, passou as últimas semanas dizendo que não sabe a origem das movimentações bruscas e que o BC não tem instrumentos para conter solavancos desse tipo.

O diretor de política monetária do BC, Bruno Serra, sinalizou em transmissão ao vivo que vai adotar alguns instrumentos para amenizar a situação, sem obter consenso no mercado sobre a efetividade deles.

Coincide com as movimentações bruscas da moeda a expansão do mercado de minicontratos de dólar futuro negociados na B3. Esses contratos são usados tipicamente para negócios em day trade (em que o investidor compra e vende o papel no mesmo dia).

Economistas — e o próprio Banco Central — evitam dizer que o crescimento desse mercado tenha causado o aumento de volatilidade. No mercado de câmbio brasileiro, porém, há quem diga “o rabo abana o cachorro”, ou seja, o valor do dólar é formado no mercado futuro, e não nos negócios efetivamente feitos com a moeda à vista.

Existe no mercado de contratos futuros de dólar o padrão, de US$ 50 mil, e o minicontrato, de US$ 10 mil, que facilitou a entrada do pequeno investidor. O minicontrato exige um volume menor de recursos para dar em garantia dos negócios, o que tornou o mercado mais acessível a pessoa física.

O rabo da expressão acima sempre foi o contrato padrão, usado principalmente por estrangeiros, grandes empresas exportadoras como instrumento de proteção de receitas (hedge) e por tesourarias de bancos.

Com o agravamento da pandemia, o volume de negócios com minicontratos cresceu e ultrapassou o negociado com contratos padrão. Agora, alguns analistas do mercado começam a se perguntar —ainda sem resposta— qual tem sido o mercado formador de preço.

Em junho, o volume em minicontratos foi de US$ 784,3 bilhões, ante US$ 366,1 bilhões no mercado tradicional, de acordo com dados da B3. A virada ocorreu em maio.

Também segundo dados da B3, os principais participantes do mercado de minicontratos são estrangeiros (48%), seguidos por investidores pessoa física (36%). No mercado padrão a participação de estrangeiros é semelhante, mas pessoas físicas respondem por apenas 6% dos negócios.

A Bolsa não forneceu a série histórica da participação de investidores por perfil.

“O volume do mini está muito maior. Um dos culpados é o gringo e, sim, outro culpado é o investidor pessoa física”, afirma o professor de finanças Alexandre Cabral, que dá há anos aulas em cursos da B3, inclusive sobre como operar minicontratos em Bolsa.

Quando um investidor decide operar no day trade, ele depende justamente da volatilidade para fazer negócios.

Uma outra característica de negócios de curtíssimo prazo é a alta presença de robôs nos negócios. A corretora com maior participação em minicontratos de dólar é a Ideal Investimentos, que justamente oferece serviços de tecnologia para operações.

Os executivos da empresa não quiseram conceder entrevista para essa reportagem.

Há um outro ator curioso no mercado de minicontratos futuros de dólar: o ex-doleiro da Lava Jato, Alberto Youssef, criou no final do ano passado três robôs para operar.

Wilson Neto, analista da Clear Corretora, afirma que o mercado de minicontratos cresceu com a maior volatilidade e também com a liquidez, pré-requisitos para negócios em day trade. Se não houver liquidez no mercado, um investidor pode não conseguir, por exemplo, revender o contrato que comprou pela manhã. Se o preço não muda, há pouco espaço para ganhar na oscilação.

“Para day trade, não importa se o mercado está subindo ou caindo. O que importa é a volatilidade. e o dólar tem isso todo dia”, diz Neto.

A Clear é uma corretora especializada em day trade e faz parte do Grupo XP. Para fomentar o mercado, diz Neto, a empresa reduziu o dinheiro que o investidor deve dar em garantia para operar a R$ 22, disponibilizou um simulador e vende cursos.

Apesar dessa avalanche de pequenos investidores e crescimento do day trade, economistas evitam relacionar os dois fenômenos.

Júlia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco, diz que é difícil determinar uma relação de causa e efeito, citando uma fala do diretor de Política Monetária do (BC), Bruno Serra, nesse sentido.

Um dos motivos para cautela entre economistas é a natureza do mercado de day trade. Como teoricamente o investidor começa e termina a operação no dia (zera a posição), esse negócio não teria efeito sobre a taxa de câmbio no longo prazo.

“Se pega [a volatilidade] tanto a intraday ou a de um mês, as duas aumentaram. Concordo que o day trade deveria afetar mais o intraday do que a volatilidade histórica”, diz Gottlieb.

Mas ela aponta que o pessoa física pode montar posição no dia e desmontar no outro, e que isso vai aos poucos aumentando essa interferência no mercado.

A percepção de que o day trade não afeta a volatilidade de longo prazo faz Sergio Goldstein, ex-chefe do departamento de mercado aberto do BC, descartar o efeito desses negócios sobre o aumento de volatilidade do real.

“Quanto maior o volume, em princípio, menor a volatilidade. O que a gente vem observando também é a volatilidade não só no dia a dia. Intraday não deveria afetar a taxa de câmbio”, afirma Goldstein.

Para ele, e para outros economistas ouvidos nesta reportagem, a principal causa da volatilidade está no novo cenário de juros do país. A Selic está em 2,25% ao ano reduziu muito a possibilidade de um investidor ganhar com o diferencial de taxa contra o juro americano (atualmente zerado), o chamado carry trade.

Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO, aponta ainda que o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou meses dizendo que juro baixo e dólar alto eram a nova realidade do Brasil. Como a política macroeconômica do país prevê câmbio flutuante, investidores passaram a especular com o que seria o dólar alto aceitável para Guedes.

“O juro tem um limite para baixo, mas para dólar alto não sabe o que é. Naturalmente o dólar alto faz parte de uma estratégia de tornar o país atrativo para trazer investimentos para infraestrutura”, afirma.

Na semana passada, o IIF (Instituto Internacional de Finanças) afirmou que o dólar de equilíbrio do país estaria ao redor dos R$ 4,50.

A contradição desse cenário é que independentemente do patamar do dólar, se ele está volátil, ninguém consegue fazer um planejamento de longo prazo.


ENTENDA COMO É OPERAR COM CÂMBIO

O que é um contrato futuro de dólar?

  • ​Num contrato financeiro de compromisso de compra e venda de um ativo (no caso, dólar) em uma data futura. Preço é ajustado diariamente pela oscilação do mercado

Qual é a diferença de um contrato padrão e do minicontrato?

  • O valor de cada contrato. O padrão é de US$ 50 mil, o minicontrato, de US$ 10 mil

A quem esse tipo de investimento é recomendado?

  • Tradicionalmente, o contrato futuro de dólar oferece proteção a empresas expostas à variação cambial. No caso de pequenos investidores, é destinado àqueles que correm risco maior em busca de retornos também maiores

Preciso ter o valor total do contrato para investir? 

  • Não. No mercado futuro, o investidor opera alavancado (não precisa ter o dinheiro do valor do ativo). E o valor que ele recebe (ou paga, se perder) é a diferença de preço do dólar no dia.
  • É preciso ter dinheiro para dar em garantia, em caso de perdas

Marcelo Osakabe e Lucas Hirata (Valor, 29/07/2020) informam: o mercado de câmbio tem enfrentado uma nova dinâmica que veio para ficar. A participação cada vez maior de pessoas físicas e fundos quantitativos com operações acionadas por “robôs” – tem impulsionado o uso de contratos menores de dólar em um movimento até mais intenso que de outros instrumentos mais tradicionais.

O efeito colateral dessa transição, entretanto, pode ser o aumento de volatilidade nas operações diárias, dado que os investidores têm concentrado seus negócios durante a sessão e não costumam manter as posições do dia para a noite. Diante da instabilidade, alguns profissionais de mercado recomendam, inclusive, um aumento da garantia que os agentes devem oferecer para poder operar, a chamada margem.

Menores e com custos mais acessíveis, esses contratos permitem ao investidor individual operar alavancado no mercado futuro de câmbio. Com isso, as operações com o dólar mini – cujo valor nominal é de US$ 10 mil – dispararam, suplantando as operações com os contratos “cheios”, de US$ 50 mil.

De acordo com dados da B3, o volume financeiro das operações com esse instrumento atingiu US$ 784 bilhões em junho, um avanço de 217% em comparação com os US$ 247 bilhões do mesmo período do ano passado. Dessa forma, eles responderam por 68,18% do total do mercado futuro de câmbio no mês passado, invertendo a proporção em relação ao do contrato cheio vista um ano atrás.

Por trás desse movimento está o cenário de juros baixos em todo o mundo e a migração de investimentos feitos em bancos para outras plataformas – algo que já acontece no mercado de ações, por exemplo. Assim, analistas salientam que esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil nem do mercado de câmbio, mas sim uma nova dinâmica gerada pelos investidores pessoa física.

Esse mercado vinha crescendo de forma sustentada já antes da crise, mas teve aumento “exponencial” desde a quarentena. “Mudou de patamar. O home office abriu tempo e espaço para pesquisar tipo de informação, que está cada vez mais acessível graças ao conteúdo disponibilizados nas redes sociais, do fintwit, em referência à comunidade de perfis do mercado financeiro que interage no Twitter.

Os investidores podem começar a operar contratos do tipo com investimentos a partir de R$ 25. Mesma margem é exigida outros, cuja operação com mini é mais recente. De janeiro a julho, o crescimento no volume do mini dólar foi de aproximadamente 300%. Atualmente, a média diária passa de cem mil contratos negociados, somente através de pessoa física.

A entrada em peso do day trader fez a liquidez desse papel ficar maior que a do tradicional, com diferença menor entre as ofertas de compra e venda (bid/offer). Isso, por sua vez, atraiu os fundos de alta frequência, que conseguem, entre outras estratégias, fazer a arbitragem do spread entre os dois contratos.

Na outra ponta, o contrato cheio, tradicionalmente operado por grandes players, como investidores institucionais e bancos estrangeiros, acabou perdendo relevância por causa da crise, que obrigou muitos a reduzirem sua exposição ao risco no Brasil, e pela queda do volume de dólares à vista que entram e saem do Brasil. O mercado diminuiu, as tesourarias dos bancos, principalmente os europeus, estão menos ativas. Isso tudo reforça a migração para o mini.

A chegada do day trader e o consequente aumento do número de transações diárias, por outro lado, pode estar ligado ao fenômeno da volatilidade persistentemente alta que tem marcado o mercado cambial nos últimos meses. “Esse tipo de usuário tende a agir com alta frequência nos mercados, o que é confirmado pelo volume médio negociado e o volume médio de contratos em aberto por dia”, dizem os economistas do Itaú em relatório. “A rotatividade também é substancialmente maior que a do mercado para o contrato cheio e isto parece estar correlacionado com a volatilidade crescente, embora não se possa estabelecer relação de causa e efeito.”

Em tese, o aumento de liquidez gera menos volatilidade. Mas as operações agora – muito mais concentradas no “day trade” – geram características diferentes nos negócios. “Existe uma concentração maior intraday em razão até do perfil de apetite de risco das pessoas. Não faria muito sentido [para esses players] carregar posições por muito tempo. E o apetite de risco faz muita diferença na volatilidade. ”

Outros elementos importantes, como a nova atuação dos bancos, ajudam a entender a volatilidade. “Com o aumento da regulamentação e o aumento de custo de balanços dos bancos desde 2008, os bancos têm sido menos ativos em carregar o risco do mercado. Atualmente, temos menos capacidade de carregar risco do que antigamente nos nossos balanços”. Esse era um player muito importante para diminuir a volatilidade, porque era capaz de enxugar a liquidez dos clientes e carregar posições por mais tempo. “Hoje, não tem essa figura que carrega esse risco por mais tempo, apesar do aumento dos fundos no mercado”.

Diante de tudo isso, o Banco Central tem mostrado mais preocupação, mas é difícil você achar um remédio quanto não tem muita certeza da causa. “Não existe uma causa específica. É uma combinação de vários fatores”.  Não vê o caso de o Banco Central atuar tanto na queda do dólar quanto na alta para conter a volatilidade, mas afirma que o aumento de margem em operações com dólar mini fariam sentido.

Atualmente, o BC não impõe regras específicas para a oferta desse tipo de instrumento. As corretoras, no entanto, criaram seus próprios parâmetros para limitar as perdas do investidor. Na CM Capital, caso o cliente alcance perdas superiores a 70% do seu patrimônio a posição é encerrada no fim da tarde de forma automatizada. “Caso o cliente permaneça com a posição após as 17h45 e não possua a garantia integral do contrato (exigida pela B3) o sistema de risco automatizado também encerra a posição”. Essa trava é acionada quando as perdas consomem 60% do que foi alocado para o risco.

“Aumentar a margem é uma maneira de coibir movimentos e posições exageradas, que podem causar volatilidade excessiva. É um jeito de controlar o risco do mercado. Quando você tem aumento de volatilidade, também há aumento de risco e, assim, você tem de chamar mais prêmio. Mas, de novo, há vários fatores que tem influenciado a volatilidade no mercado de câmbio e isso dificulta a leitura do Banco Central e de analistas em geral sobre um remédio”.

Em 2020, o dólar comercial acumula alta de 28,6% contra o real, o que deixa o câmbio brasileiro com o pior desempenho entre as principais divisas globais. Por outro lado, o mês de julho está sendo marcado por um certo alívio na taxa de câmbio e, neste período, há uma baixa de 5,20% da moeda americana por aqui. Ontem, a cotação chegou ao fim da sessão negociada a R$ 5,1567.

Pequeno Investidor: “Bode-expiatório” para Súbitas Oscilações do Dólar?! publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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