Equipe Técnica: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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No início de 2020, ainda que a economia mundial não estivesse em um momento de desempenho brilhante, sinais de retomada de ímpeto estavam sendo observados (Souza Júnior et al., 2020). No Brasil, particularmente, apesar de que, já em fevereiro, estivessem em queda discreta as expectativas de crescimento do produto interno bruto (PIB), havia sinalização de que estava por vir um movimento de recuperação mais amplo e sustentável para 2020 e os anos seguintes (Bastos, 2020).
O mês de março trouxe, contudo, a confirmação da situação de pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-COV-2), e a necessidade de que deliberadamente partes substanciais da economia mundial fossem colocadas em situação de hibernação, dado que a própria diminuição do contágio pelo vírus seria contingente à redução expressiva de interações sociais e econômicas. Ficou-se, assim, diante de uma reversão completa de expectativas para o ano, face às incertezas ainda presentes em relação às possibilidades de retomada segura da atividade econômica: medidas de isolamento social ou quarentena abrangem quase todos os países, numa escala e velocidade nunca antes vistas, nem mesmo em períodos de guerra (Souza Júnior et al., 2020). A contração da economia mundial era esperada em abril deste ano em ao menos 4,9% pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).1
O Brasil convive, desde então, com a pandemia e suas implicações sanitárias, sociais e econômicas. O momento marca uma crise caracterizada pela confluência de desafios simultâneos.
Naturalmente, coube ao Estado o encargo emergencial do gerenciamento da crise e de seus impactos. Seguindo um movimento adotado por grande parte dos governos, a prioridade inicial no Brasil foi o combate à pandemia, assim como a assistência às pessoas e empresas em situação de maior vulnerabilidade. Esse movimento obviamente ensejou despesas extraordinárias, em sua quase totalidade temporárias, mas elevadas, após a aprovação pelo Congresso Nacional do chamado “orçamento de guerra”. 2 Trata-se aqui, de fato, de um conjunto de medidas emergenciais e urgentes.
Se o país já contava com um cenário fiscal bastante restrito, a consequência imediata dessa atuação – inevitável, ressalte-se – foi o forte aumento da dívida pública e um desequilíbrio financeiro ainda mais agudo dos estados e municípios, que ao mesmo tempo limitava o recurso a novos financiamentos internos.
Assim, em poucos meses, passamos de um cenário razoavelmente promissor para o contexto atual, em que previsões indicam a possibilidade de retração da economia brasileira em até 6%.3 Evidentemente há grande incerteza sobre a magnitude exata da queda da atividade econômica, mas não há dúvida de que esta foi considerável.
Os impactos foram sabidamente heterogêneos, permeando os diversos segmentos das atividades produtivas. O setor mais atingido foi o de serviços, que representa 70% do PIB nacional. Seguiu-se a ele o setor industrial, nomeadamente a indústria de transformação, enquanto o setor agropecuário, por suas características próprias, ainda conseguiu manter crescimento positivo, conquanto mais reduzido que as previsões do começo do ano. Certamente heterogêneo será também o processo de retomada nesses diferentes segmentos – um aspecto importante, que deve ser considerado pela atuação do Estado no processo de recuperação.
A taxa de investimento mantém-se relativamente estável, ao nível de 15%, mas insuficiente para garantir crescimento da capacidade produtiva potencial acima de 3% ao ano (a.a.). Há, portanto, que dar atenção a medidas de estímulo à formação de capital. Um componente especialmente nocivo desta crise é a ocorrência simultânea de um choque de oferta (paralisação de grande parte das atividades produtivas) e de demanda (fortes quedas de emprego e rendimentos) em nível global, o que fez com que os indicadores de preços atingissem os menores níveis da história econômica, bem abaixo das metas de inflação programadas pelo governo.
No Brasil, o setor externo foi, de certa forma, preservado das piores consequências da crise, com crescimento significativo das exportações, nomeadamente de produtos do setor agropecuário, mas com forte concentração nos mercados importadores da China; por seu turno, as importações, como era razoável supor, sofreram contração, o que beneficiou o saldo comercial. No entanto, verificaram-se saídas líquidas de recursos externos, pelos efeitos da crise em si ou pelas fortes reduções das taxas de juros, que praticamente anularam o chamado carry trade.
Esse cenário reforça a relevância do fortalecimento da integração econômica do Brasil com o mundo, dentro da agenda estrutural de reformas da economia brasileira já propostas pelo governo, e com foco em ganhos de produtividade, na redução de concentrações de mercado e na ampliação da competitividade internacional do país.
Ainda nesse aspecto, é oportuno destacar que o agravamento da restrição fiscal pela crise faz com que o aumento da capacidade de investimentos no Brasil dependa ainda mais intensamente da atração de investimentos externos.
A complexidade do contexto atual indica que o país está vivendo um momento crítico e de potencial inflexão para a trajetória nacional de desenvolvimento. Nesse sentido, propostas de políticas públicas e evidências robustas e objetivas são insumos críticos para norteamento da ação governamental de curto, médio e longo prazo.
É precisamente nesse sentido que o Ipea, como instituição cinquentenária e think tank governamental, e na qualidade de principal órgão de pesquisa e proposição de políticas públicas do Estado, toma a iniciativa de compilar, no documento que ora se apresenta, diversas contribuições. Nossa intenção é prover subsídios para que o governo possa planejar a recuperação da atividade econômica, com vistas à melhoria das condições de emprego, de renda e das condições de vida das populações mais vulneráveis, assim como oferecer possibilidades concretas de proteção social e de políticas públicas de fomento setorial e regional, e úteis à sobrevivência das empresas, em especial daquelas mais vulneráveis em razão do porte e do setor de atuação.
Buscou-se aqui especialmente apresentar propostas de ações concretas que atuariam no nível tático e executivo das políticas públicas, de modo que, em virtude da emergência sanitária, social e econômica, este documento concentra-se em programas ou instrumentos específicos, e não em estratégias genéricas.
São contribuições de caráter indicativo e propositivo, que possam ensejar aos tomadores de decisão a realização de escolhas robustas, posto que ancoradas em um acúmulo institucional único de conhecimento sobre políticas públicas no Brasil, as quais se pretendem simultaneamente factíveis e compatíveis com os recursos públicos e privados disponíveis.
Como já amplamente reportado em análises feitas pelo instituto desde o início da crise, a pandemia e as suas necessárias medidas de enfrentamento atingem mais fortemente os segmentos sociais e os territórios mais vulneráveis, que tendem a possuir menor capacidade de absorção dos variados impactos que as medidas de enfrentamento à crise podem provocar.4 Assim, esse conjunto de contribuições enfatizou especialmente sugestões de políticas sociais, com fulcro na necessidade de amenizar o inevitável aumento das já elevadíssimas desigualdades da sociedade brasileira. Reputamos como essencial que a combinação de respostas do governo seja capaz de preservar a saúde da população e apontar o melhor caminho possível para a economia, considerando-se concomitantemente a questão das desigualdades.
Dedicou-se ainda atenção especial ao setor externo, tendo em vista principalmente as restrições que poderão advir das novas condições da economia mundial e de possíveis rupturas das cadeias produtivas globais; igualmente, foram focalizados os aspectos institucionais passíveis de favorecer ou dificultar a recuperação plena da atividade econômica.
Finalmente, no contexto macroeconômico, o Ipea desenvolveu projeções e simulações indicativas para os caminhos da recuperação, com ênfase especial nas trajetórias de mais longo prazo, além de elaborar cenários de caráter conjuntural de curto prazo. Para tanto, foram utilizados exercícios de modelagens macroeconômicas, em grande parte já adrede desenvolvidas, mas que foram atualizadas e “calibradas” para as circunstâncias atuais das economias brasileira e mundial.
Reforçamos que se trata aqui de um documento com propostas de curto e médio prazo, mas não menos essenciais no momento atual, dada a gravidade da crise. Este esforço soma-se a mais de quarenta publicações específicas já feitas pelo Ipea desde o início da pandemia,5 e conta com o envolvimento de todas as áreas de atuação do instituto.
Esta contribuição atual, de ordem, digamos, mais “cirúrgica”, não obsta nosso entendimento sobre a necessidade de que, para além da crise, o país siga buscando um projeto de desenvolvimento nacional baseado na elevação da produtividade dos fatores de produção e na eficiência alocativa. São exemplos que apontam nessa direção as reformas e as propostas já encaminhadas pelo governo federal referentes ao sistema previdenciário e ao “pacto federativo”.
Trata-se de um projeto que certamente transcende a pandemia e seus efeitos, mas que é o caminho fundante de uma trajetória de crescimento e desenvolvimento sustentáveis. Há que ressaltar, também, a contribuição do Ipea com propostas de ordem mais estruturante e transversal, consolidadas em centenas de publicações disponibilizadas à sociedade e ao Estado.
Planejamento do IPEA: Brasil Pós Covid 19 publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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