sábado, 19 de setembro de 2020

Fuga para Ouro nos States

Um fundo ETF tornou-se um dos maiores detentores de ouro do mundo, superando até os bancos centrais do Japão e da Índia, diante da avidez dos investidores pelo metal precioso e dos novos patamares históricos alcançados pelas cotações.

O SDPR Gold Shares tem comprado grandes volumes de ouro neste ano, uma vez que os investidores passaram a colocar mais dinheiro no fundo, em busca de um ativo seguro ou de ganhar com a alta das cotações. É um ETF, como são chamados os fundos negociados em bolsa, que compra barras de ouro, em vez de apenas derivativos financeiros atrelados ao metal.

A quantidade de ouro em posse do fundo, que é guardado em cofres do HSBC em Londres, aumentou para 1.258 toneladas. Apenas na segunda e na terça-feira, o fundou adicionou mais 15 toneladas, cerca de cinco vezes mais do que os ladrões de banco de Michael Caine roubaram em “Um Golpe à Italiana”, levando em conta os US$ 4 milhões em ouro que conseguiram levar no filme de 1969.

Esse ETF é uma parceira entre o State Street, um grande banco de Boston, e a associação setorial Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês). Neste ano, já teve retorno de 33%, o que ajudou a elevar seu valor para mais de US$ 80 bilhões. A onda de valorização do ouro tem prosseguido nesta semana, com a cotação do metal superando os US$ 2 mil por onça-troy pela primeira vez na história.

O tamanho do fundo, conhecido pelo símbolo GLD, o coloca no nível dos maiores bancos centrais do mundo. Seus investimentos equivalem a 25% do ouro guardado em Fort Knox, nos Estados Unidos, e superam as reservas em ouro do Banco do Japão, do Banco da Inglaterra e do Banco da Reserva da Índia, além de não estarem muito distantes das 1.948 toneladas em posse das autoridades monetárias chinesas, segundo o WGC.

O entusiasmo pelo metal tem sido puxado por alguns investidores receosos de que as medidas extraordinárias dos bancos centrais para combater os impactos econômicos do coronavírus acabem reacendendo pressões inflacionárias há muito adormecidas. O ouro é visto em grande medida como um seguro contra acelerações na alta dos preços.

Um colapso dos rendimentos reais – o retorno esperado pelos investidores descontada a inflação – está reverberando pelos mercados financeiros globais e provocando altas recordes nos preços de ativos como ouro e ações de tecnologia.

O rendimento dos bônus de dez anos do governo dos Estados Unidos atrelados à inflação, conhecidos como Tips, caiu para abaixo de -1% na semana passada, chegando a uma mínima histórica, enquanto os investidores apostam que um aumento dos casos registrados de covid-19 prolongará os danos à maior economia do mundo – e que os esforços do Federal Reserve (Fed, o BC americano) para estipular a demanda poderão gerar pressões inflacionárias.

O rendimento bastante negativo dos Tips implica que grandes parcelas do mercado de Treasuries deverão perder dinheiro dos investidores, em termos reais, na próxima década. Os rendimentos reais abaixo de zero há muito fazem parte do cenário no Japão, na zona do euro e no Reino Unido. Mas a mudança nos EUA – o último bastião dos retornos reais positivos sobre ativos seguros – está se refletindo em todos os cantos dos mercados financeiros.

Não há em nenhum lugar do mundo uma taxa de juro atraente, quando se leva em conta a inflação. Isso faz praticamente todo o resto parecer mais interessante.

A queda dos rendimentos reais ajuda a explicar a recuperação consideravelmente forte do mercado de ações desde o “crash” desencadeado pelo coronavírus em março, segundo avaliam alguns analistas e investidores. Muitos investidores subestimaram o impacto dos rendimentos baixos sobre as valorizações.

Os rendimentos reais negativos também são vistos como um fator do rali recorde do ouro. Gestores como Vickers vêm comprando o metal precioso como “hedge” (proteção) contra ativos mais arriscados em suas carteiras, sob a premissa de que os bônus soberanos terão pouco espaço para valorização se os preços das ações caírem.

A perda real com os títulos de dívida soberanos de classificações mais altas torna o pouco rendimento oferecido pelo ouro, assim como pela prata, um inconveniente menor. Essa lógica ajudou a alavancar o preço nominal do ouro acima de US$ 2 mil a onça pela primeira vez na semana passada.

Os ingredientes do rali dos bônus em 2020 são incomuns. Um aumento dos “break- evens” – a diferença entre os rendimentos reais dos bônus atrelados à inflação e os rendimentos nominais, que servem como sinal indireto das expectativas de inflação para os investidores – geralmente é associado a uma melhora das perspectivas econômicas. Ele também tende a coincidir com uma grande queda nominal dos bônus soberanos, porque seus retornos fixos são corroídos ao longo do tempo pela alta dos preços.

Mas este ano os preços dos bônus soberanos em todo o mundo subiram, apesar da alta significativa das expectativas de inflação nos últimos meses. “Por trás da aparente tranquilidade do achatamento dos rendimentos nominais nos mercados de bônus nas últimas semanas, tem havido na verdade um rali notável, não só igualando isso nos ativos de risco, como, em muitos aspectos, superando”, diz Matt King, diretor de estratégia de crédito do Citigroup.

Essa mudança vai direto ao coração dos mercados em seu “vício pelo afrouxamento quantitativo [QE, na sigla em inglês]”, no qual até mesmo níveis maiores de estímulo pelo Fed são exigidos apenas para evitar a queda dos ativos de risco. Investidores afirmam que isso é desencadeado pela combinação de estímulos monetários e fiscais maciços.

Os programas de compras de bônus dos BCs permitiram níveis sem precedentes de tomadas de empréstimos baratos. Os gestores de fundos estão agora apostando que os formuladores de políticas vão manter o estímulo, mesmo que a inflação aumente.

A coordenação das intervenções fiscal e monetária tem sido muito mais poderosa do que as políticas que vimos depois da crise financeira global, quando os bancos centrais tiveram de fazer todo o serviço pesado.

O Fed deverá prometer a manutenção das taxas de juros de curto prazo próximas de zero enquanto a inflação não estiver acima de sua meta de uma maneira sustentável. Isso ainda faz dos Tips uma aposta interessante, com os rendimentos reais devendo cair para perto de -2%.

A queda dos rendimentos reais certamente não é um sinal de pânico iminente com as altas dos preços. As expectativas de inflação de longo prazo aumentaram bastante, mas continuam baixas pelos padrões históricos. Os “break-evens” de dez anos nos EUA, em torno de 1,5%, estão bem abaixo da meta do Fed. Por enquanto, muitos investidores estão bem mais preocupados com a possibilidade da queda dos preços na recessão causada pela covid-19.

Mas mais à frente, alguns gestores de fundos temem que será difícil para os formuladores de políticas retirar os estímulos, potencialmente alimentando um período de inflação muito maior que poderá finalmente encerrar um mercado em alta de quatro décadas para os bônus. Uma vez que os políticos perceberem o quanto é bom ter todo esse dinheiro barato, eles terão dificuldades para desmamar.

Isso também significa que os próprios indicadores de valorização do mercado de ações deverão ser bastante sensíveis às mudanças nas expectativas com a inflação – e levar a mais volatilidade. Em mundo real com juros reais negativos, os ciclos de alta e queda serão mais rápidos.

A crise do novo coronavírus reacendeu a demanda de pequenos investidores que compram barras de ouro para guardar em casa, em pleno 2020. As pessoas estão em busca de um investimento seguro ou de ganhar com as cotações, que têm alcançado novos patamares históricos. A cotação do metal precioso negociado em Nova York superou os US$ 2 mil por onça-troy pela primeira vez na última semana e acumula alta de mais de 30% no ano.

No Brasil, investidores individuais podem apostar no ouro, sem precisar tomar conta das barras, por meio de fundos que investem no metal, oferecidos por bancos e gestoras, ou de contratos financeiros atrelados ao ouro negociados na bolsa brasileira. Mas ainda há quem goste de comprar ouro físico, o investimento mais antigo do mundo. Grandes bancos não vendem mais barras de ouro e dá para contar nos dedos as distribuidoras autorizadas a comercializar ouro físico no Brasil.

Mas elas existem.

Na Ourominas, a venda de ouro físico pelo site para investidores individuais aumentou 75% na pandemia. Antes, a empresa comercializava cerca de R$ 800 mil por mês, em média. A partir de março, passou a vender R$ 3 milhões mensais. Segundo a empresa, durante a pandemia, cerca de 300 clientes por mês vêm comprando barras de ouro na distribuidora, e a maioria gasta R$ 10 mil em barras de 30 gramas, para presentear alguém.

“Não foram só os aplicativos de comida que tiveram crescimento de delivery. As nossas entregas também saltaram na Grande São Paulo. Tivemos até que contratar mais pessoas e, mesmo assim, era o dia inteiro fazendo entregas”, conta Mauriciano Cavalcante, diretor de câmbio da Ourominas.

O ouro não rende juros nem dividendos, ou seja, as pessoas que compram o metal (físico ou virtual) estão em busca de reserva de valor ou de uma aposta na valorização para venda futura. Nas crises, a procura pelo metal símbolo de valor e

pureza aumenta porque o ouro não é devido por um governo ou um banco. E um perfil típico entre os compradores é o dos que temem que todo o sistema financeiro entre em colapso, apesar de essa possibilidade ser remota. Para eles, as barras de ouro são vistas como uma boa forma de proteção.

“Os investidores são desconfiados, querem ter o negócio na mão, guardar com eles. É a mentalidade do pequeno investidor brasileiro. As pessoas compram para proteger seu dinheiro e se sentem mais seguras do que investindo em bolsa”, diz Cavalcante.

Na Parmetal, a procura por ouro físico também aumentou na pandemia, tanto de pessoas que já conheciam a modalidade quanto de novos investidores. Segundo a empresa, as pessoas costumam alocar cerca de 10% de seu capital disponível para investimentos em ouro, ou seja, quem compra ouro também aplica em outros produtos.

A distribuidora diz que, no passado, o perfil dos investidores eram homens com idade superior a 50 anos, mas que hoje pessoas de menos idade e mulheres também se interessam por barras de ouro.

Na Reserva Metais, a procura por ouro físico no site dobrou desde o início de março. Na instituição financeira, a maioria dos compradores ainda são homens endinheirados com mais de 40 anos. “Fizemos vendas consideráveis de ouro para pessoas físicas em valores acima de R$ 1 milhão nesse período. Pessoas de patrimônio mais robusto estão considerando o investimento para composição de portfólio”, diz Edson Magalhães, operador da Reserva Metais.

As distribuidoras vendem barras de ouro a partir de um grama, que hoje custa cerca de R$ 350, até um quilo (R$ 350 mil). O spread, ou seja, a diferença praticada pelas empresas entre o preço de compra e o de venda de ouro gira em torno de 5%, similar ao que se pratica no dólar turismo. A maioria das pessoas guarda seu tesouro em casa, segundo as instituições financeiras, apesar do risco e da complicação. A recomendação é manter o sigilo e guardar em um cofre ou até debaixo do piso.

O Banco do Brasil oferece um serviço de custódia, ou seja, de guarda das barras de ouro em seus cofres, mas somente para clientes que são correntistas e compram o metal na forma escritural na instituição. Ouro escritural é a modalidade em que não há vinculação do lastro a barras de ouro específicas. Por essa custódia, é cobrada uma taxa de 0,15% ao mês.

As distribuidoras compram as barras de ouro de quem quiser se desfazer das suas na hora, e pagam o vendedor imediatamente, desde que a pessoa comprove a origem do metal com a nota fiscal, o certificado ou a declaração de Imposto de Renda. Cada empresa recompra ouro vendido por ela ou por outras instituições financeiras. As barras não precisam estar lacradas e as distribuidoras verificam, com uma balança hidrostática, se elas são realmente ouro fino.

Mesmo com tantas novas opções de investimentos acessíveis, pequenos investidores correm para o ouro físico porque têm uma parte da mente infantil, segundo a psicologia econômica. “É como uma criança. Não adianta dizer para ela que daqui a seis meses ela vai ter um presente, que ela fica maluca, porque não está ali, na mão”, diz Vera Rita de Mello Ferreira, professora de psicologia econômica e colunista do Valor Investe.

Sentir o investimento nas mãos traz um gosto maior do que ter uma aplicação financeira intangível, segundo Vera. O ouro é bonito, reluz, o que traz satisfação imediata. Além disso, a humanidade reverencia o ouro e sua valorização foi construída culturalmente. “É uma ilusão.”

Diante das perspectivas de juros baixos por um período prolongado de tempo, o ouro é uma opção atrativa para quem quer ter uma carteira balanceada e buscar retornos mais altos, com a queda do rendimento da renda fixa. No entanto, grande parte dos consultores financeiros não recomenda comprar barras de ouro.

“Há um componente psicológico fortíssimo na ideia de que ouro é reserva de valor, a civilização vai entrar em colapso e o dinheiro vai sumir. Mas não recomendo comprar ouro físico. É um investimento inconveniente”, diz André Massaro, consultor financeiro.

Segundo Massaro, a percepção de que guardar ouro físico é seguro, baseada no passado, é falsa. De acordo com o consultor, além de não ser seguro, o ouro físico não gera renda, e essa é a sua principal desvantagem. E se o metal vale muito hoje, amanhã pode não valer mais. “Ouro não tem valor intrínseco, ninguém come o metal ou se veste com ele. Ele tem valor porque o mundo concorda em acreditar que ele tem valor”, diz.

Para quem quer diversificar os investimentos e apostar na alta do ouro, em vez de manter o tesouro em casa, Massaro recomenda investir em fundos lastreados no metal. Com R$ 500 é possível investir em fundos de ouro oferecidos por grandes bancos ou plataformas como Órama, XP e BTG.

Os fundos de ouro eram um mercado ínfimo, mas vem crescendo neste ano. Desde o fim do ano passado, o patrimônio líquido dessas carteiras passou de R$ 575 milhões, segundo a base de dados da Morningstar, para mais de R$ 3 bilhoes. O número de cotistas também quadruplicou, saindo de 33,7 mil no fim do ano passado para mais de 136,6 mil no fim de julho.

Vale observar que a rentabilidade dos fundos de ouro pode ser diferente. Enquanto alguns rendem a variação do ouro no mercado internacional mais a variação do dólar, outros não possuem exposição cambial. O ouro tende a subir quando o dólar sobe. Por isso, os fundos que dão a variação do ouro em reais tendem a subir mais nos momentos de alta, mas cair mais quando a movimentação é oposta.

Assim como ações, o ouro pode apresentar bastante volatilidade de preços. Assim, é indicado para quem já possui outras aplicações financeiras de risco. O recomendado é investir entre 5% e 10% do patrimônio em ouro, não mais do que isso.

Fuga para Ouro nos States publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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