Marcelo Osakabe e Victor Rezende (Valor, 18/08/2020) informam: além de ter registrado a saída mais intensa de capital estrangeiro para portfólio em 2020 entre todos os emergentes, a imagem negativa que o Brasil mantém lá fora deve resultar em uma recuperação mais lenta aos níveis pré-crise na comparação com os pares, avaliam gestores e economistas consultados pelo Valor. Para eles, o país sofre de uma combinação de preocupações com a pandemia, dúvidas relacionadas à trajetória fiscal, à política e à agenda ambiental.
Segundo dados do Instituto Internacional de Finanças (IIF), mesmo com alguma recuperação em junho, o país ainda registrava uma saída líquida de capitais de não- residentes de US$ 25,5 bilhões no fim do primeiro semestre. O rombo é praticamente o dobro dos US$ 13,7 bilhões do México, por exemplo.
Assim, o estoque de capital estrangeiro em portfólio no Brasil caiu para US$ 293 bilhões no fim de junho, segundo dados do Banco Central. Também houve uma melhora em relação aos R$ 255 bilhões registrados no fim de março. No entanto, ele continua no menor nível desde o segundo trimestre de 2015.
O fluxo para o Brasil vai se recuperar em ritmo mais lento que o de outros emergentes, uma vez que há outros fatores que afetam a perspectiva local. O Brasil não terá o mesmo desempenho do Sudeste asiático ou da Europa Central, por exemplo.
O impacto da crise foi uma espécie de dominó geográfico global, com início na China, e a recuperação também tem seguido este padrão. O Brasil, no entanto, não é um bom exemplo disso porque sentiu mais rápido os efeitos da crise e também porque já vinha de uma dinâmica anterior.
Antes de junho, o último mês positivo para a renda variável do Brasil fora novembro de 2019. A renda fixa teve nove meses negativos em 2019. Parte importante desse efeito é relacionado à desvalorização do real no período.
A preocupação com as contas públicas e a dificuldade em debelar o avanço da covid-19 são os principais fatores da falta de atratividade do Brasil no exterior. A gestora holandesa reduziu sua alocação no Brasil este ano e pode diminuir novamente, a depender dos sinais do governo nesse sentido.
Aproveitou-se a melhora do mercado para realocar todo o dinheiro novo para a Ásia, que tem conduzido a gestão da pandemia melhor que o restante do mundo e onde há várias empresas de tecnologia e IPOs interessantes sendo realizados.
Nem mesmo o noticiário sobre IPOs e ofertas subsequentes de ações ainda em 2020 anima a gestora. Os IPOs estão muito pequenos. Existe também o fato de que, em dólares, o mercado brasileiro diminuiu muito por causa da desvalorização cambial e isso também reduz a atratividade para o estrangeiro. Obviamente, se ocorrerem IPOs maiores, o estrangeiro vai olhar. Tudo depende do preço e dinâmica local.
Outra fonte de aversão é a questão ambiental. A Robeco é uma das 29 gestoras de fundos estrangeiros que, em junho, ameaçaram tirar dinheiro do Brasil diante de “incertezas” com o aumento do desmatamento. Após a pressão, o governo se reuniu com o grupo. “Abrimos um canal de diálogo e, é claro, é preciso conceder algum tempo para haver mudança. Mas os dados do Inpe mostram que não houve melhora concreta ainda”, diz a gestora.
Por outro lado, ela avalia que houve uma reação positiva da iniciativa privada. “Independentemente do governo, empresas locais estão tentando se antecipar, até para que, no longo prazo, isso não vire uma restrição de investimento. A questão ambiental deixou de ser um risco de nicho e passou a ser um risco macro.”
Também signatária da carta, a sueca SEB Investment Management afirma que o futuro da proteção da biodiversidade continuarão determinando suas alocações no
Brasil. “O desenvolvimento sustentável está no topo da agenda”, diz a presidente- executiva da sueca SEB, Javiera Ragnartz. “Temos o dever de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos clientes, o que significa garantir que as entidades em que investimos possam contribuir para os objetivos sociais e ambientais”, afirma.
Jan Erik Saugestad, diretor-presidente da norueguesa Storebrand, admite que fatores locais como o aumento de casos de Covid-19 e notícias negativas sobre danos ambientais “tiveram um impacto maior nos investimentos estrangeiros ao Brasil na comparação com outros países”. O executivo diz que deseja continuar a investir no Brasil e em empresas locais de sucesso, mas ressalta que alguns pontos precisam ser alcançados para que isso aconteça. Entre eles, estão a redução significativa do desmatamento; a aplicação do Código Florestal Brasileiro; e o acesso público a dados sobre desmatamento e cobertura florestal no país.
Os dados preliminares do IIF mostram que a renda fixa tem capitaneado a volta dos estrangeiros ao Brasil. Para Saugestad, no entanto, estes têm ligação direta com um fator externo: as medidas de liquidez adotadas por grandes bancos centrais, especialmente o Federal Reserve.
Apesar disso, uma recuperação sustentada da demanda estrangeira por títulos locais é improvável, acredita o estrategista de renda fixa para a América Latina do J.P. Morgan, Carlos Carranza. “Junho foi o primeiro mês com entrada de capital estrangeiro para NTN-F desde o início da crise, com R$ 7 bilhões de compras estrangeiras, levando a participação externa nesse papel para 41,6%. Nas LTN, por outro lado, a demanda externa ainda não foi retomada e praticamente não houve fluxos em junho, apesar da maior emissão”, diz o profissional em relatório recente.
Carranza observa que os “valuations” das taxas parecem pouco atraentes para os estrangeiros em relação a outros mercados emergentes. Considerando o índice GBI, que mede o desempenho dos títulos públicos, o spread entre indicador brasileiro e o dos emergentes “sugere que o desempenho do Brasil tem sido praticamente em linha com o de outros países emergentes, tendo desempenho ligeiramente superior se olharmos para além da volatilidade de março”. O J.P. Morgan mantém uma recomendação abaixo da média do mercado para os juros brasileiros.
Nem todos assumem uma posição negativa com o Brasil. A britânica Schroders, por exemplo, mantém recomendação overweight (acima da média de mercado) para a bolsa local e espera que a surpresa positiva com o ritmo de retomada da economia, ainda não incorporada em muitos valuations, ocorra após os resultados do terceiro trimestre.
“Se olharmos para a Ásia e, de certa maneira, a Europa, vemos que os problemas com o novo coronavírus estão superados. Já a América Latina está uns dois meses atrás. Por isso, quando olhamos para a recuperação das estimativas, as empresas já foram reajustadas para cima nessas regiões, mas apenas estamos começando a ver isso no Brasil”, explica Pablo Riveroll, diretor de Renda Variável da gestora para a região. “O país fica está caro por certa ótica, mas apenas porque ainda não foi reincorporada a recuperação.”
Entre os setores que podem atrair o estrangeiro, Riveroll vê potencial nos que estão ligados à nova economia e que se beneficiaram, de alguma forma, da mudança de hábitos trazidos pela pandemia, como comércio eletrônico, tecnologia da informação, ensino e saúde à distância. “Quando olhamos para o Brasil, vemos muitas empresas que estão se beneficiando e saindo mais fortes dessa crise”, afirma.
Estrangeiro descarta o Populismo de Direita no Brasil publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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