Carlos Luque é professor da FEA- USP e presidente da Fipe. Simão Silber é professor da FEA-USP. Francisco Vidal Luna é professor da FEA aposentado. Roberto Zagha foi professor assistente na FEA-USP nos anos 1970 e no Banco Mundial a partir de 1980, onde encerrou a carreira em 2012 como Secretário da Comissão sobre o Crescimento e o Desenvolvimento, e diretor para a Índia. Luque, Silber, Luna e Zagha (Valor, 04/09/2020) escrevem, como é habitual, um artigo interessante.
“Nos últimos 25 anos o Brasil teve as taxas de juros mais altas do mundo, com custos exorbitantes: desequilíbrio da dívida pública, déficits fiscais elevados, redução do investimento privado e público, investimento direto estrangeiro elevado na aparência, mas na realidade fluxos financeiros especulativos, redução do crescimento e manutenção de taxas de câmbio apreciadas que desindustrializaram precocemente o país.
Taxas de juros altas foram necessárias nos anos que seguiram o Plano Real em 1994, até 2003. A crise asiática de 1997 se alastrou à Rússia e Argentina e desestabilizou os mercados de capitais internacionais durante 1997-2001. Precipitou saídas de capitais e pressionou a taxa de câmbio. As perspectivas de vitórias de Lula e temores relativos à futura condução de política macroeconômica aumentaram essas pressões. Com instabilidade financeira, expectativas voláteis, reservas cambiais modestas e memórias ainda frescas da hiperinflação corria-se o risco da volta da inflação.
Por que taxas de juros tão altas depois de 2003? Acontecimentos recentes permitem um olhar novo às teorias que dominaram a discussão, muitas das quais não resistiram ao tempo e aos fatos:
Histórico de Moratórias.
Em uma apresentação ao BC em 2005, os economistas Rogoff e Obstfeld atribuíram à episódios pregressos de inflação elevada e moratórias (7 desde 1824) o fato de que – mesmo a níveis de endividamento baixos – o Brasil deva pagar um prêmio alto para compensar a percepção de risco dos credores. A teoria é popular, mas duvidosa. A inflação está controlada há 25 anos. Os mercados financeiros têm uma memória extraordinariamente curta. É improvável que o país esteja pagando por moratórias ocorridas 200, 100 ou 30 anos atrás. Finalmente, o panorama de juros no Brasil mudou radicalmente nos últimos três anos sem que nossa história tenha mudado.
Taxa de Poupança Baixa.
Outra teoria popular é que juros altos são o resultado de poupança baixa. O brasileiro gosta de gastar. A ideia é simples: a taxa de juros equilibra a poupança e a demanda de fundos para investimentos. Se a poupança fosse mais alta, a taxa de juros cairia. Uma perspectiva keynesiana é que a poupança depende da renda e que o investimento gera a sua própria poupança.
Uma taxa de juros alta reduz o investimento e, portanto, a poupança. Confirmando essa tese, a taxa de poupança no Brasil se manteve estável nos últimos 30 anos apesar de variações consideráveis na taxa de juros real.
Políticas Fiscais.
Dívida pública elevada é outra explicação frequente. O mecanismo é simples e intuitivo. As necessidades de financiamento do setor público competem com o setor privado na obtenção da poupança, assim pressionando a taxa de juros. E quanto maior a dívida pública, maior é o risco de default e maior será a taxa demandada pelos compradores da dívida pública. Apesar de sedutora, a experiência dos últimos anos enfraquece essa hipótese. Desde 2016 a dívida pública quase dobrou e a taxa de juros caiu dramaticamente.
Incerteza jurisdicional.
Para Arida, Bacha e Lara Resende juros altos são resultado de fraquezas jurídicas no Brasil relacionadas à implementação de contratos e proteção dos direitos de propriedade. Entidades brasileiras (bancos, o governo, grandes empresas) conseguem se endividar no exterior a taxas de juros e maturidades equivalentes às internacionais, enquanto que os mesmos credores, quando baseados no Brasil, não oferecem os mesmos termos às mesmas entidades. A diferença é que estes contratos são feitos em jurisdições diferentes, e, portanto, que há algo inerente à jurisdição brasileira que faz com que os credores imponham condições mais onerosas.
O problema dessa teoria é que muitos países em desenvolvimento têm sistemas jurídicos e proteções legais mais fracas que as encontradas no Brasil e, ainda assim, têm taxas de juros muito mais baixas. Mais importante ainda: os juros caíram drasticamente desde 2017, inclusive a diferença entre taxas domésticas e internacionais, sem mudanças no sistema jurídico do país.
Equilíbrios Múltiplos.
Uma explicação interessante surgiu num artigo de 2004 onde Olivier Banchard identificou condições nas quais o regime de metas de inflação pode ter efeitos contrários ao desejado. Se a dívida pública for elevada, um aumento da taxa de juros pode criar expectativas de que a dívida se tornará insustentável. Isto aumentaria o risco dos títulos públicos e assim estimularia a saída de capitais, o que desvalorizaria a moeda e alimentaria a inflação. Assim, um aumento na taxa de juros com o objetivo de reduzir a inflação acabaria aumentando a inflação.
Desta ideia surgiu a hipótese de que uma política de juros altos pode ter efeitos contrários aos desejados. O que seria necessário é uma política fiscal que “domina” a política monetária para reduzir a inflação. Uma taxa de juros mais baixa não teria reduzido a inflação, mas a teria mantido ao nível inicial mais baixo.
Muitos economistas descartaram a hipótese da dominância fiscal e “equilíbrio múltiplo” como curiosidade teórica. Mesmo que haja convicção, é difícil para o BC aceitar o risco de fazer a “aposta” que um “bom equilíbrio” possa existir, em parte porque o BC não controla outras variáveis econômicas que também influenciam a taxa de juros. Em 2014, Francisco Lopes sugeriu baixar as taxas de juros de maneira “experimental”, passo a passo, observando as reações da economia e reagindo de acordo. Essa sugestão foi posta em prática em 2017 com excelentes resultados.
Conclusão: a teoria de “equilíbrio múltiplo” nos lembra que a taxa de juros é um preço administrado. Como todo preço administrado, às vezes é colocado em um nível excessivamente alto, e às vezes em um nível excessivamente baixo. O BC e outros bancos centrais modernos fazem análises e estudos exaustivos e desenvolvem metodologias sobre a melhor forma de fixar a taxa de juros e em qual nível. Mas ultimamente são seres humanos, com suas ideias, teorias e vieses, que acabam decidindo as taxas de juros.
A experiência brasileira de juros altos nos alerta que a teoria econômica envolve a própria natureza humana, cercada por todas as incertezas inerentes ao ser humano. Por mais sofisticados que sejam, os modelos econômicos não podem ser seguidos como fórmulas exatas. Os instrumentos de política econômica devem considerar essas incertezas. Um banco central independente, especialmente com o único mandato de conter a inflação, deve levá-las em conta para evitar o risco de impor custos exorbitantes à economia e sociedade.”
Causas e Consequências dos Juros Altos no Brasil publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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