Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), explica: a lógica política contemporânea, bem conhecida dos pesquisadores de Ciências Sociais, é a da Teoria do Escoamento Superficial (ou Escorrência).
Confrontados a uma nova opinião, voltamo-nos para as fontes e as pessoas constituintes do nosso próprio meio de convívio de referência: é uma opinião aceitável? Pode ser compartilhada? Ou deve ser rejeitada como falsa ou enganosa?
Para responder, dirigimo-nos aos outros, porque isso faz parte de nossa natureza de animais sociais. No fundo, é a coisa mais racional a fazer. Na maior parte das questões, não temos informações de primeira mão e devemos confiar naquilo parecido ser a opinião dominante.
Nós não verificamos, pessoalmente, a Terra girar em torno do Sol. Assim como não contamos os nazistas terem exterminado seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, ou as vacinas erradicaram as piores doenças da história da humanidade. Mas vivemos em sociedades, ao menos até tempos muito recentes, nas quais esses fatos foram amplamente partilhados.
O limiar de resistência face a uma nova informação ou opinião varia de pessoa para pessoa. Alguns aceitam mais facilmente porque coincidem com as convicções já cultivada, e outros têm um grau de resistência mais elevado.
Mas o certo é: quanto mais aumenta o número de pessoas ar adota uma nova ideia (idiotas como as vacinas provocam autismo ou os refugiados são terroristas, por exemplo), mais o limiar de resistência àquilo difícil de aceitar diminui.
Uma vez atingida essa massa crítica, pode ocorrer, de maneira relativamente indolor, uma comunidade inteira adotar uma opinião ou um comportamento, inicialmente, partilhados apenas por uma minoria muito restrita.
Isso se produziu muitas vezes na história do século XX. Isso se vê hoje com a internet e as redes sociais, que parecem feitos especialmente para acelerar e multiplicar as cascatas cognitivas.
Na internet, o núcleo dos duros e puros – sites, blogs e páginas de Facebook de extremistas – constitui a fonte primária das cascatas. Elas alimentam a bacia eleitoral de Trump, de Orban e de Bolsonaro.
Pode, é claro, acontecer, de tempos em tempos, algum idiota confeccionar artesanalmente uma fake news, como pode ocorrer falsos perfis e robôs automáticos contribuírem para o fluxo da corrente. Na verdade, isso acontece muito. Mas o ponto essencial continua a ser os extremistas se tornaram, em todos os sentidos e em todos os níveis, o centro do sistema. Eles dão o tom da discussão.
Se, no passado, o jogo político consistia em divulgar uma mensagem unificadora, hoje se trata de desunir da maneira mais explosiva. Para conquistar uma maioria, não se deve mais convergir para o centro, mas adicionar os extremos.
Voltando à Física, o problema é um sistema caracterizado por um movimento centrífugo fica, necessariamente, cada vez mais instável. Isso vale tanto para os gases naturais quanto para os coletivos humanos. Até quando será possível governar sociedades atravessadas por impulsos centrífugos cada vez mais potentes?
No plano econômico, a desagregação começou há 30 anos, quando a dinâmica combinada da inovação tecnológica e da abertura dos mercados começou a aumentar a desigualdade entre os indivíduos. O neoliberalismo ainda é defendido por economistas idiotas colonizados culturalmente nos Estados Unidos.
No plano da informação, o processo é mais recente, mas já bastante adiantado. Hoje, a ideia de uma esfera pública na qual todos são expostos às mesmas informações, como era antes com a leitura de jornais e o ritual do noticiário televisivo, praticamente não existe mais.
No plano político, segue-se hoje o mesmo percurso. Ela passa da lógica centrípeta que subentendia ainda projetos como a Terceira Via de Clinton e Blair ou as diferentes formas de “Compassionate Conservatism” [“Conservadorismo compassivo”] de Bush e Cameron, a uma estratégia centrífuga.
Ela galvaniza e depois adiciona os extremismos. O ponto de ruptura se aproxima perigosamente.
Ainda mais porque liberar os animal spirits, as pulsões mais secretas e violentas do público, é relativamente fácil, enquanto seguir o caminho inverso é bem mais difícil. Trump, Orban, Bolsonaro e os outros estão destinados, cedo ou tarde, a frustrar as demandas geradas e a perder o consenso dos eleitores.
Mas o estilo político, introduzido pelos populistas de direita, feito de ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas e complôs, depois te ter ficado à margem do sistema durante décadas, já ocupa o centro nevrálgico.
As novas gerações a observarem hoje a Política estão recebendo uma educação cívica feita de comportamentos e palavras de ordem capazes de condicionar suas atitudes futuras. Uma vez os tabus quebrados, não é mais possível colar de novo: quando os líderes atuais saírem de moda, é pouco provável que os eleitores, acostumados às drogas fortes do nacional-populismo, peçam de novo a camomila dos partidos tradicionais. Sua demanda será por algo novo e talvez ainda mais forte.
[Fernando Nogueira da Costa: desconheço o futuro, mas conheço o passado do nazi fascismo, ascendente durante uma Grande Depressão Deflacionária, tal como a atual. Depois de milhares de mortes inúteis, são superados e criminalizados.]
Bolsonaro destinado a frustrar as demandas geradas e a perder seus eleitores publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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