Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), recorda: até alguns anos atrás, ser um extremista político não era nada cômodo. Para ser um maoísta ou um nazista, era preciso ter uma fortuna familiar ou se resignar a uma vida de privações. Hoje, ao contrário, a internet abriu um mundo de oportunidades econômicas aos propagadores do ódio. [Aliás, sugiro assistir no Netflix o filme polonês “Rede de Ódio”.]
O propagandista antimuçulmano ganha 4 mil libras por mês, graças ao tráfego gerado por seus sermões incendiários. Ele recolheu 100 mil libras em um site de crowdfunding para equipar um estúdio de rádio. Steve Bannon arrecadou (e roubou) milhões de dólares em campanha para construir um muro entre os Estados Unidos e o México.
Ao contrário, na lógica das novas mídias terem o propósito de acentuarem os conteúdos capazes de suscitar as emoções mais fortes, elas criam obstáculos para os pensadores mais moderados. Eles têm dificuldade em fazer circularem suas postagens e gerar retornos financeiros satisfatórios para eles próprios e para as mídias hospedeiras.
Em um ambiente desse tipo, o comportamento dos líderes e dos partidos tende a mudar. Mesmo para os partidos ditos clássicos, a motivação para elaborar uma plataforma coerente e uma mensagem única capaz de interceptar o eleitor médio diminui, enquanto cresce a tentação de multiplicar os sinais, mesmo contraditórios, para capturar os grupos mais díspares.
Como se observa muito claramente no caso do Movimento 5 Estrelas, o líder e o partido se transformam em um algoritmo, sem linha própria definida, mas capaz de interpretar as demandas mais diversas graças à bússola dos dados.
Durante a campanha de 2016, para lá do uso dos dados, o próprio Trump se comportava no fundo como um algoritmo de carne e osso, tuitando e bombardeando o público com comentários de todos os tipos – para, em seguida, modificá-los de acordo com as reações. É o tipo “morde-e-sopra” dos populistas de direita, inclusive aqui em Terrae Brasilis.
O líder político se torna um “homem oco”: os temas de sua campanha são dados por eleitores diversos, capturados por algoritmos. Eles lhe põem as palavras na boca a serem ditas e escutadas – e criam a conversa pré-formatada.
O único valor a mais lhe solicitado é aquele comum à sociedade do espetáculo. “Never be boring” [nunca ser entediante] é a única regra à qual Trump segue rigorosamente. Produz diariamente uma “cena de teatro”, o final inacabado de uma série, obrigando o público a ficar colado na tela para assistir ao episódio seguinte.
No fundo, o mérito histórico de Trump foi sobretudo o de compreender a campanha presidencial antes ser um reality show bastante medíocre. Isso vale até hoje para o Donald em sua versão presidencial. Beppe Grillo, o comediante italiano, aplicou o mesmo método durante anos. Seus meetings eram one man show dos quais o público participava como se estivessem na sala de teatro: as pessoas se indignavam, ou se emocionavam, às vezes, mas, acima de tudo, riam muito. E tudo gratuitamente…
Hoje, os príncipes do movimento populista mundial aplicam todos o mesmo princípio, cada um com seu explosivo brilho próprio:
- os tweets chocantes de Trump,
- as encenações teatrais de populistas de direita,
- os posts de Facebook do gabinete de ódio do Bolsonaro.
Mal nós comentamos um evento, e este já é eclipsado por outro. No centro do processo, a coerência e a veracidade contam muito menos em vez da amplitude da ressonância. Cobre o espectro inteiro das opiniões – daquelas até recentemente com carimbo de esquerda radical às pertencentes à extrema-direita.
Sem nenhuma intenção de moderá-las, nem de sintetizá-las. Mas, ao contrário, radicalizando-as para em seguida adicioná-las. É a mesma lógica de um estatístico: para encontrar a temperatura média ótima, põe a cabeça dentro do congelador e os pés no forno.
Bem antes da internet e das redes sociais, Peter Gay definiu, de maneira magistral, a crise da República de Weimar como sendo um colapso do centro do tabuleiro político durante o qual os partidos moderados do centro foram substituídos pelos extremistas. Hoje, os novos instrumentos digitais simplesmente aceleram e reforçam a mesma tendência. Esta se manifesta em todos os períodos de crise com a deslegitimação das classes dirigentes, vulgo establishment tipo líderes do trio PMDB-PSDB-DEM.
Estamos assim em vias de redescobrir a maneira pelas quais as minorias intolerantes podem determinar o curso da História. “Como chegamos a uma situação em que certos livros são proibidos (ou queimados…)?”, pergunta-se Nassim Nicholas Taleb. “Certamente porque eles ofendem o comum dos mortais. A maioria das pessoas é passiva e não dá grande importância, ao menos não o suficiente para pedir a proibição”.
Mas de acordo com a experiência, bastam alguns ativistas motivados para conseguir proibir certos livros, ou pôr na lista negra certas pessoas. Isso ocorre porque uma minoria intolerante, mesmo restrita, é totalmente inflexível e não pode mudar de ideia, enquanto uma parte significativa do restante da opinião pública é mais maleável.
Nas condições ideais, e se o preço não é muito alto, esse grupo maior pode decidir alinhar-se à minoria intolerante. Dá razão a John Stuart Mill quando escreve: “para triunfar, o mal precisa só da inação dos homens de bem”.
Baseando-se nesse princípio, o físico de partículas francês Serge Galam foi um dos poucos a prever a eleição de Donald Trump. Enquanto todos os comentaristas repetiam um candidato como aquele não poder jamais ganhar e, em todo caso, uma vez as primárias republicanas vencidas, ele seria obrigado a se moderar para aproximar-se do centro, Galam teorizava o contrário.
“A vitória de Trump depende ao mesmo tempo da existência de uma pequena minoria de intolerantes e da existência de uma grande maioria de pessoas tolerantes. Elas pensam ter repelido, mas conservam os preconceitos. Trump os ativa com suas declarações provocantes”.
Concretamente, cada vez quando Trump causa um escândalo com uma afirmação controversa, ele galvaniza o núcleo dos inflexíveis e envia uma mensagem a todos os outros, fazendo assim baixar o custo da adesão aos princípios dos intolerantes.
Uma dúvida nasce do confronto de argumentos opostos. Nesse instante, um grupo pode escolher seguir Trump, guiado pelo preconceito inconsciente reativado, mas sem a necessidade de se identificar formalmente com o preconceito.
Nesse quadro, a importância da minoria intolerante é capital. Para uma dúvida possa se desenvolver, no coração da maioria flexível, é necessário o argumento radical obtenha uma massa crítica capaz de o sustentar.
Por isso, Trump e os outros populistas não podem se permitir renunciar aos seus apoios mais extremos. Esses constituem a pedra fundamental da mobilização em seu favor.
Propagadores do Ódio publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário