sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Fim do Livro Impresso? Fim da Leitura? Quem lê se destaca

Danilo Thomaz (Valor, 11/09/2020) informa: pela primeira vez, a pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural, foi a campo em 208 municípios do Brasil para conhecer não somente o leitor brasileiro, mas também o consumidor de literatura, seja no formato físico, seja em outras plataformas. A pesquisa quadrienal, em sua quinta edição, foi realizada entre 2019 e 2020 por meio de 8.076 entrevistas residenciais.

A amostra apresenta comportamentos comuns entre os leitores de literatura e os leitores de livros – aqui sem especificar o gênero – no que diz respeito à maneira de ler as obras. Sessenta e cinco por cento dos leitores de livros de literatura abandonam um título antes do fim, enquanto 66% dos leitores em geral o fazem. Vinte e nove por cento leem mais de um livro por vez no primeiro grupo, enquanto 28% o fazem no segundo grupo. A principal diferença entre os dois segmentos nesse aspecto é quanto ir até o fim com a leitura de um livro – mesmo sem gostar dele: 53% dos leitores de livros de literatura o fazem ante 47% dos leitores gerais.

A pesquisa perguntou, pela primeira vez, qual é a principal influência para o interesse pela literatura. Para 52% das pessoas, a escola e os professores foram os meios que os levaram à literatura. “Certamente a pandemia deve impactar na indicação do professor como o principal influenciador, em especial no fundamental I e nas faixas etárias entre 11 e 17 anos. Já a mãe é mais citada entre 5 e 10 anos. A torcida é para que, com o isolamento social, os pais assumam esse papel na mediação da leitura”, afirma a socióloga Zoara Failla, coordenadora da pesquisa.

Segundo o professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) José Castilho Marques Neto, consultor internacional da área de livro e leitura, a influência do professor vem, especialmente, de políticas implementadas entre 2005 e 2015. “O que aconteceu a partir de 2005, numa ação coordenada com 19 países [no Ano Ibero-Americano da Leitura], e a partir de 2006, com o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), foi uma ação para se ter essa política de Estado [voltada à leitura]. Houve muito investimento. Esse período se caracterizou por um esforço imenso dos governos de plantão, mas também da sociedade civil organizada”, afirma.

O professor de literatura brasileira da Unesp João Luis Ceccantini observa que, por outro lado, a promoção da leitura tem também perdido espaço dentro das escolas, e não apenas no governo federal, como vem ocorrendo nos últimos cinco anos. “Eu não vejo mais professor vestindo a camisa da leitura e da leitura literária, informando-se sobre como formar leitor. Isso tinha que ser uma prioridade”, afirma.

Ceccantini, que coordena o Grupo de Pesquisa CNPq Leitura e Literatura na Escola, aponta ainda para a persistência de dois problemas estruturais da educação brasileira: o baixo número de profissionais de educação que são leitores e a subutilização de materiais – no caso, livros. “No Estado de São Paulo você vê livros subutilizados. Eu vi livros mofando em banheiros, porões. Mesmo quando há bibliotecas, você vai achar livros que nunca foram abertos. Nem o que existe é aproveitado.”

Depois do professor e da escola, as adaptações cinematográficas são a principal influência para o interesse pela literatura, de acordo com 48% dos entrevistados. Todos os 14 livros mais citados tiveram adaptações para o audiovisual. É importante, no entanto, salientar que a influência da Bíblia (1o), “Dom Casmurro” (7o) e da “Turma da Mônica” (10o) se dá por outros meios, assim como de clássicos da literatura infantil, como “O Pequeno Príncipe” (2o) e “A Bela e a Fera” (14o).

Para Volnei Canônica, presidente do Instituto de Leitura Quindim, a “literatura de entretenimento” deve ser aliada na formação de novos leitores. “É necessário que esteja na escola e na família. A partir daí [deve-se pensar]: o que ofereço além disso? Quando a pessoa dá um salto [para outra literatura]?”

Canônica, que foi diretor do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura, extinto em 2019, afirma também que as editoras deveriam investir mais na promoção de autores nacionais, da mesma forma que fazem no caso de escritores estrangeiros como J.K. Rowling (terceiro nome entre os mais recentes escritores lidos), autora de “Harry Potter” (quarto livro mais citado).

“Isso cria desejo das pessoas de querer [ler aquele livro] porque está todo mundo lendo. São esses os autores [nacionais] que podem estar nas escolas, no espaço público, mas não têm esse investimento”, afirma. “Na América Latina, existem quatro ganhadores do prêmio Hans Christian Andersen [o mais importante da literatura infantil], três deles estão no Brasil: Ana Maria Machado, Roger Mello e Lygia Bojunga. Isso nos coloca num patamar de destaque.”

Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, afirma que não há consenso entre os especialistas sobre a formação de leitores no que diz respeito ao tipo de literatura que se oferece. “Muitos defendem que somente a leitura de canônicos ou da

literatura-arte pode formar o leitor de literatura. A meu ver, mesmo a leitura chamada de entretenimento desenvolve o hábito e a competência leitoras. O despertar do gosto depende da mediação. Um canônico que não desperta seu interesse pode afastá-lo do livro e da literatura.”

Quando perguntados sobre autores de que mais gostam, leitores de literatura – seja no meio físico, seja em outras plataformas – destacam nomes que, com exceção de Machado de Assis (1839-1908) e Mauricio de Sousa, não têm livros entre os 14 mais citados. É o caso de Clarice Lispector (1920-1977), William Shakespeare (1564-1608) e Paulo Coelho.

“Os gostos são muito variados. As escolhas se fragmentam mais. Por isso essa diferença”, afirma Ceccantini. Ele aponta também para o valor que esses autores

ocupam no imaginário do leitor brasileiro. “É ‘chique’ gostar de Machado. É ‘nobre’ ler Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). A gente está lidando mais com uma construção simbólica: qual leitor está no imaginário do leitor brasileiro?”

Ainda que os “e-books” sejam pouco populares – 57% dos leitores de livros de literatura dizem conhecer livros digitais -, as redes sociais e o WhatsApp têm se revelado novos meios de leitura. De acordo com o levantamento, 28% dos entrevistados leem contos e 26% leem poesia pelo WhatsApp. Redes sociais como o Facebook e o Instagram são o meio de leitura de poesia para 27% deles.

“As gerações que já estão surgindo com outras habilidades digitais transitam entre uma mídia e outra sem fazer perguntas nesse sentido”, diz Marques Neto. “Não brigo com suporte. Convencionou-se que rede social é [sinônimo de] ‘fake news’, e não é. Você pode fazer coisas excelentes. O que não pode é algo que não se pode fazer também no papel: literatura reducionista, capenga, medíocre.”

Marta Watanabe e Robinson Borges (Valor, 10/09/2020) informam: uma cobrança da Contribuição Social sobre Operação com Bens e Serviços (CBS) de 12% sobre livros teria impacto de 7,2% na margem das editoras e para recompor isso seria necessário um aumento de 20% nos preços das publicações, segundo cálculos do setor. Os editores e produtores de livros se dizem a favor de uma reforma tributária, mas defendem que os livros mantenham a imunidade e as desonerações atuais.

O impacto no setor deve acontecer porque o equivalente a cerca de 60% do faturamento das empresas não daria direito a crédito no cálculo da CBS, diz Marcos Pereira, sócio da editora Sextante. Mais do que o impacto no preço, porém, diz Pereira, a tributação do livro seria uma decisão que retiraria um estímulo em um país com baixo índice de leitura e contribuiria para uma “profecia auto sustentável da Belíndia”. Ele se refere ao termo popularizado pelo economista Edmar Bacha, nas comparações do Brasil com um país resultante da conjunção da Bélgica com a Índia, com leis e impostos do primeiro e com as condições sociais do segundo.

O debate sobre a tributação de livros ganhou força quando o governo federal enviou ao Congresso projeto de lei propondo a criação da CBS, em substituição aos atuais PIS e Cofins. O governo defende uma CBS não cumulativa e com alíquota única de 12%.

Houve, avalia Pereira, uma decisão política do governo, que no projeto de lei da CBS manteve benefícios fiscais dados à Zona Franca de Manaus, templos, cesta básica e venda de imóveis, mas não para livros. Representantes do governo federal têm alegado que as exceções acontecem porque o governo optou por propor alterações por meio de projeto de lei, o que não permite alterar imunidades constitucionais. Os livros têm imunidade constitucional garantida para impostos, mas não para tributos como PIS e Cofins, que são contribuições sociais. A desoneração dos dois tributos para os livros foi estabelecida por meio de aplicação de alíquota zero por lei de 2004.

Pereira refuta o argumento de que os livros são consumidos principalmente por pessoas de renda mais alta, com condições de pagar tributos. Ele cita cálculos com base em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, indicando que 45,7 % do consumo de livros no Brasil é realizado por famílias com renda até R$ 5,7 mil. O consumo por famílias com renda acima de R$ 14,3 mil responde por 23,6%. A conta citada por Pereira considerou livros didáticos e não didáticos e usou critérios diferentes de outros cálculos também baseados em dados do IBGE e que, citados por representantes da equipe econômica do governo, indicavam que mais de 70% do benefício fiscal atual é apropriado por quem ganha mais de R$ 14,3 mil por mês.

“Seria desolador taxar livros em qualquer percentual de alíquota”, diz Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Ele lembra do efeito da alíquota zero de PIS e Cofins para livros, estabelecida em abril de 2004 pela Lei 10.865. Houve uma tendência de redução nos preços, que chegou a 33% em um período de 5 anos. Houve também, diz ele, crescimento expressivo de 90 milhões de exemplares vendidos entre 2006 e 2011.

Ângelo Xavier, presidente da Abrelivros, que reúne editoras e produtores de conteúdo, lembra que o fim da alíquota zero de PIS e Cofins sobre livros irá atingir também os livros didáticos. Segundo dados de pesquisa da Nielsen feita para o setor, dos 434 milhões em exemplares de livros vendidos em 2019, total de 221,8 milhões eram didáticos. Foram eles também que responderam por R$ 2,8 bilhões do faturamento total de R$ 5,7 bilhões no ano passado. Dentro dos didáticos, destaca Xavier, o governo representou metade do faturamento no ano passado.

Uma tributação hoje, diz ele, representaria uma transferência para o Ministério da Educação de recursos que voltariam depois como arrecadação ao Ministério da Economia. E isso também impactaria, ressalta, compras de livros por Estados e municípios, num efeito aparentemente contrário à política de “Mais Brasil, Menos Brasília” que o governo quer adotar.

Fim do Livro Impresso? Fim da Leitura? Quem lê se destaca publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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