quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Conceitos-Chave para Entendimento da Política Monetária e/ou de Administração da Dívida Pública

Alex Ribeiro (Valor, 02/09/2020), depois de o Banco Central (BC) repassar R$ 325 bilhões em ganhos cambiais para o Tesouro Nacional atravessar um período difícil na rolagem da dívida pública, em breve deverá ser a vez de o Tesouro injetar títulos públicos no Banco Central para eles serem usados nas operações compromissadas. Elas absorvem o excesso de dinheiro em circulação na economia.

A carteira de títulos livres do BC vem caindo rapidamente neste ano, devido ao grande volume de operações feitas pela Autoridade Monetária para tirar o excesso de dinheiro injetado na economia pelos gastos públicos e pelos resgates líquidos de títulos pelo Tesouro.

Em dezembro de 2019, o Banco Central tinha R$ 937 bilhões em títulos públicos livres – equivalentes a 12,9% do Produto Interno Bruto (PIB) – para fazer novas operações. Em julho, dado oficial mais recente, havia R$ 379 bilhões, ou 5,3% do PIB.

É possível, atualmente, a carteira de títulos livres ser, de fato, ainda menor. Os dados acima, disponíveis na nota de estatísticas fiscais do Banco Central, não consideram os títulos usados pela autoridade monetária como depósito de margem de garantia nas suas operações com swaps cambiais. Pela estatística mais recente, de junho, esses depósitos somavam R$ 54 bilhões.

Além disso, o BC usou uma parte expressiva dos títulos livres de sua carteira para absorver o excesso de dinheiro em circulação na economia em agosto. Até o dia 21, o Banco Central retirou de circulação R$ 105 bilhões.

O BC retira o excesso de dinheiro em circulação para impedir os juros negociados em mercado fiquem abaixo da meta da taxa Selic, hoje definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em 2% ao ano. A administração do dinheiro em circulação — a chamada base monetária — é feita por meio de operações compromissadas: o BC toma empréstimos de curtíssimo prazo no mercado vinculados aos títulos de sua carteira.

O volume de operações compromissadas vem subindo fortemente neste ano. Em dezembro de 2019, elas somavam R$ 1,128 trilhão, ou 16,4% do PIB e, em julho passado, já haviam subido para R$ 1,497 trilhão, ou 20,9% do PIB. O BC tem que absorver volumes crescentes de dinheiro que o Tesouro e outras operações, como liberação de compulsórios e prejuízos em contratos de swaps cambiais, injetaram na economia durante a pandemia.

Neste ano, o déficit primário do setor público chegou a R$ 483,773 bilhões. Isso significa o governo estar gastando mais do que arrecada e, para bancar a diferença, precisa sacar dinheiro de suas reservas financeiras – a Conta Única – para injetar na economia. O Tesouro também está com severas dificuldades para rolar a sua dívida pública. Por isso, teve que resgatar títulos, com dinheiro da conta única. Neste ano, essas operações injetaram R$ 134 bilhões na economia, até o dia 21 de agosto.

As grandes necessidades de caixa fizeram o Tesouro pedir R$ 325 bilhões em ganhos cambiais que estavam acumulados no balanço do Banco Central. Mas, à medida que o Tesouro usa esses recursos, injetando-os na economia, o Banco Central tem como tarefa absorver o excesso de dinheiro – para tanto, precisa de uma expressiva carteira de títulos livres para realizar as operações compromissadas.

A Lei no 13.820, de 2019, que disciplina as relações entre o Tesouro e o BC, diz o Tesouro poder pedir os ganhos cambiais do BC quando enfrentar severas dificuldades para rolar a dívida pública. De forma análoga, a mesma lei determina o Tesouro injetar novos títulos no Banco Central – por meio de emissão direta – quando a sua carteira livre ficar muito baixa.

Pelas regras, isso deve ocorrer quando a carteira livre representar menos de 5% das operações compromissadas e dos depósitos em margem de garantia em operações com derivativos – os swaps cambiais. Hoje, significa dizer o Tesouro terá de fazer um repasse quando a carteira cair abaixo de R$ 93 bilhões.

Mas, devido aos volumes sem precedentes de operações compromissadas feitos pelo Banco Central, é possível o aporte de recursos ser feito antes de a carteira livre cair a níveis tão baixos. Em agosto, por exemplo, o volume de novas operações compromissadas chegou a um pico de R$ 154 bilhões no dia 18. Em março, essas operações somaram R$ 177 bilhões.

Se o BC deixar a carteira cair a R$ 93 bilhões para pedir títulos ao Tesouro, poderá ficar com uma margem muito estreita para administrar o volume de dinheiro em circulação na economia.

A Lei no 13.820 permite que o Banco Central peça títulos de forma extraordinária para lidar com situações de emergência. Consultado pelo Valor, o BC não esclareceu se pretende pedir em breve títulos ao Tesouro.

A emissão de títulos feita pelo Tesouro Nacional ao Banco Central afeta a dívida bruta, pelo conceito do Fundo Monetário Internacional (FMI). Já no conceito de endividamento usado pelo BC, a dívida bruta do governo geral (DBGG) só sobe quando forem feitas as operações compromissadas. Não há impacto na dívida líquida, porque a emissão representa um passivo do BC e um ativo do Tesouro.

Conceitos-Chave para Entendimento da Política Monetária e/ou de Administração da Dívida Pública publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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