Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), avalia: o verdadeiro pesquisador é animado pela curiosidade. Ele quer romper as fronteiras do conhecimento. É uma evidência de ser preciso mais fantasia para compreender como o mundo é feito do que para inventá-lo”.
Na Física, o comportamento de cada molécula não é previsível, uma vez que cada uma delas é submetida a interações com uma infinidade de outras moléculas. O comportamento de um aglomerado, por outro lado, é previsível, pois através da observação do sistema é possível deduzir o comportamento médio.
As interações contam mais que a natureza das unidades. O sistema emergente, tomado em seu conjunto, possui características – e obedece a regras – que tornam previsíveis as evoluções.
As leis da Física se aplicam aos comportamentos humanos aglomerados. Claro, não poderemos jamais gerenciar um bilhão de pessoas como um bilhão de moléculas, mas há analogias com base nas quais alguns princípios podem ser aplicados, mesmo se forem sistemas caóticos.
Para um físico, afirmar “um sistema é caótico” não quer dizer que ele é uma bagunça e que ninguém entende nada. Significa falar de um sistema no qual uma pequena variação das condições iniciais pode produzir efeitos enormes em sua evolução.
Um sistema de seres humanos, se interagissem entre si, pode ser um sistema caótico no qual, por exemplo, uma fake news pode ser a pequena modificação inicial e produzir imensos efeitos secundários.
Até cerca de dez anos atrás, os dados para aplicar as Leis Físicas aos aglomerados humanos não existiam. Hoje, sim. Nós dispomos, até, de mais dados sobre os aglomerados humanos do que sobre a maioria dos fenômenos físicos que temos o hábito de estudar.
Em regra geral, se você analisa um gás, ou um sistema físico estatístico clássico, você tem um número de sensores muito menor do que o número de moléculas. Se você analisa o Facebook hoje, você tem quase tantos captores quanto moléculas, ou seja, usuários.
O problema passa a ser a interpretação dos dados. Aí pesa a vantagem competitiva do físico. Ele, ao contrário do político, está habituado a trabalhar com uma quantidade infinita de dados.
Não faz muito tempo, ter um espírito científico em política representava uma desvantagem. Havia, com certeza, sondagens, mas essas permitiam, na melhor das hipóteses, uma análise grosseira das orientações da opinião pública tomada em conjunto.
Cada tentativa de chegar a um enfoque mais preciso era necessariamente cara e produzia, no máximo, resultados aleatórios. O que contava em Política, no fim das contas, era a capacidade de estar em sintonia com os tempos correntes e escolher o momento certo, o que caracteriza o animal político desde Tucídides – para quem o líder é aquele capaz de “apontar, entre diferentes coisas iminentes, aquela que realmente acontecerá”.
Em um contexto como esse, qualquer projeto para instalar uma administração “científica” da Política poderia parecer risível, fruto das angústias de espíritos sem o hábito de enfrentar riscos e incertezas, dois fatores sempre característicos da experiência política. Hoje, pela primeira vez, essa situação se inverte.
Antes de intervir em um sistema é necessário compreendê-lo. Isto o homem político não sabe fazer. Ele se apoia sobre pouquíssimos elementos, algumas pesquisas de intenção e seu instinto. A Política adquire informações de base e age em função delas: por exemplo, sabe haver pessoas contra os imigrantes e tenta conquistar seus votos.
O físico, ao contrário, está acostumado a coletar o maior número de dados, ou seja, os valores das variáveis descritivas do sistema. Além disso, ele realiza quase sempre simulações, submetendo o sistema ao máximo de condições diversas, por meio de experimentos virtuais.
No caso moderno, não é suficiente saber quantas pessoas são contra os imigrantes, o político quer também saber quantas são aquelas que, sendo contra os imigrantes, querem continuar fazendo parte da União Europeia. Ou qual o ponto de ruptura dos eleitores de seu aliado são com certeza um pouco racistas, mas poderiam, diante dos frequentes excessos, voltar a marchar nas fileiras da esquerda na defesa dos imigrantes, ou da União Europeia.
Hoje, os dados para obter respostas em tempo real a essas questões, e a inúmeras outras, existem. Mas para obtê-las é preciso ser capaz de fazer três coisas:
- conduzir experiências,
- recolher dados e
- analisá-los.
Claro, os físicos não são os únicos a saber lidar com esses três desafios, mas, entre todos os cientistas, são eles que melhor desenvolveram o método das simulações. A Física Determinista acabou no começo do século XX.
Em janeiro de 1900, lord Kelvin anunciava: “Não há mais nada a descobrir, a única coisa que resta fazer é determinar medidas cada vez mais exatas”. Em dezembro do mesmo ano, Max Planck introduzia os primeiros elementos da Física Quântica, abrindo, assim, as portas de um mundo totalmente novo.
Desde então, a Física deixou de ser uma disciplina determinista no seio da qual tal causa produz necessariamente tal efeito, pois as variáveis passaram a ser aleatórias no nível mais profundo. Às vezes, nessas condições, não é possível resolver um problema de maneira rigorosa, digital. Adotam-se, então, soluções aproximativas.
Eis porque os físicos trabalham usando simulações. Faz parte, realmente, de sua maneira de pensar. São mesmo criadores um pouco perversos. Se o homem constrói um castelo de areia, o físico é aquele que depois de tê-lo construído começa a retirar grãos para ver como ele vai desabar: a partir de que momento, de que lado etc. Depois, repete a simulação milhares de vezes, até compreender qual é a regra regente da estabilidade dos castelos de areia.
Hoje, as simulações são feitas utilizando também dados reais. Se você fez a experiência, recolheu os dados e os analisou, você é capaz de identificar as correlações, quer dizer a maneira como a modificação de um parâmetro, mesmo ínfimo, tem uma incidência sobre seu conjunto. Um sistema político tem muitas variáveis e efeitos caóticos potenciais.
Só nesse instante se torna possível começar a intervir para produzir um efeito em vez de outro. Você vai chegar lá otimizando os parâmetros do sistema. Você muda qualquer coisa e melhora o resultado tendo como base o objetivo que busca alcançar.
Você quer incitar alguém a clicar em um link? Vender sorvetes de pistache? Estimular alguém a votar em você ou, ao contrário, ficar em casa no dia das eleições? Pouco importa o objetivo, há mensagens mais eficazes e mensagens menos eficazes.
Os cliques darão a resposta em tempo real e, a partir deles, você pode fazer testes continuamente e ir modificando as mensagens, no conteúdo e na forma, mantendo as características com bom funcionamento e descartando as menos eficazes.
Claramente, cada vez quando você otimiza os parâmetros, você modifica o sistema. Portanto, você deve novamente receber dados para compreender de qual maneira, para depois otimizar mais uma vez, e assim sucessivamente, em um ciclo quase infinito.
Ciência da Complexidade Aplicada à Política publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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