Gillian Tett (Financial Times, 23/04/2020) alerta contra a estupidez de economistas ortodoxos e de militantes de direita.
Na última semana, manifestantes em todo os EUA fizeram protestos para exigir a “liberação” das medidas de confinamento adotadas pelos Estados para conter a propagação da covid-19.
Estimulados pela crença de a economia ter de reabrir para proteger a saúde das atividades econômicas das pessoas, esses protestos (muitos frequentados por ativistas antivacina e de extrema direita) tendem a render cenas de TV multicoloridas e mensagens desagregadoras nas redes sociais, que o presidente, Donald Trump promove com satisfação. Mas à medida que esses protestos crescem, desencadeando reação do setor médico americano, isso levanta uma questão: existe um limite para o quanto dever custar a contenção de uma pandemia?
Muitos, inclusive os médicos, poderão gritar “não!”. Certamente o valor de uma vida humana não pode ser medido só em termos econômicos. E a covid-19 é tão nova que é difícil submeter sua trajetória a um modelo matemático. Na Nova Zelândia, no entanto, um dos principais institutos de análise e pesquisa se aventurou a adentrar nesse campo minado moral.
Em “Quantifiying the Wellbeing Costs of Covid-19”, estudo encomendado pela entidade pró-mercado New Zealand Initiative e publicado no começo do mês, Bryce Wilkinson examina algumas escolhas fiscais relativas ao coronavírus quanto a saúde, bem-estar e custo. Concorde-se ou não com a abordagem, vale a pena ler os resultados.
Em primeiro lugar, o trabalho de Wilkinson sugere existir, de fato, um limite racional à ação – embora elevado. Usando pesquisas pré-existentes (feitas em 2017) para avaliar o que poderia acontecer se uma pandemia do estilo da Gripe Espanhola de 1918 atingisse a Nova Zelândia, ele atualizou-a para a covid-19, junto com dados do Produto Interno Bruto (PIB).
A qual conclusão chegou Wilkinson? À de que o governo da Nova Zelândia poderia justificar um gasto de até 6,1% do PIB no combate à pandemia, a fim de salvar 33.600 vidas (o número de mortes previsto pelo Ministério da Saúde do país para o caso de uma epidemia descontrolada).
O governo também poderia justificar um gasto de 3,7% do PIB para salvar 12.600 pessoas (no caso de a pandemia ser controlada mais rapidamente).
Mas Wilkinson conclui: “Gastar mais [do que essas quantias] levanta a questão de se não se poderia salvar mais vidas ao longo do tempo se esse dinheiro fosse destinado, em vez disso, à construção de rodovias e prédios mais seguros ou em outros serviços de saúde”.
Embora ele ressalte os resultados serem “altamente condicionados [a vários fatores]” e seu trabalho ser “uma contribuição ao debate público, nada mais”, Wilkinson acredita: “avaliar essas escolhas é essencial para a boa orientação de política pública e tomada de decisões, como as medidas de confinamento e de fechamento de fronteiras”.
Na verdade, o próprio governo da Nova Zelândia conseguiu evitar as implicações mais sombrias dessas escolhas. Quando chegou o coronavírus, o governo anunciou um pacote de estímulo no valor de 4% do PIB (embora Wilkinson acredite que isso vá subir). Mas o governo pôs o país num confinamento tão eficaz que o saldo de mortes é de apenas 14. A premiê, Jacinda Ardern, diz agora que o país “fez o que poucos outros conseguiram fazer” na contenção da propagação do vírus, e está se preparando para abrandar os controles.
Outra questão interessante levantada por Wilkinson: por que tão poucos economistas estão tentando calcular o custo dessas escolhas de um modo explícito? A resposta óbvia é isso pareceria quebrar tabus políticos e culturais. Afinal, tabus são poderosos pois revelam ambiguidades que preferimos ignorar.
Em muitas culturas, supõe-se a vida ser sagrada e não podemos ser avaliados por meio do dinheiro, embora isso os governos [e Os Mercados] fazem implicitamente todos os dias. Discutir dilemas envolvedno morte deixa os eleitores horrorizados.
Há outro fator também: os nichos de conhecimento. Como destaca o escritor e consultor Christian Madsbierg, a competência em determinado assunto na cultura ocidental tende a ser muito tribal: enquanto economistas falam de economia e epidemiologistas, da pandemia, poucos ousan misturar os dois campos.
Se Deborah Birx, a assessora médica-chefe da Casa Branca, oferecer orientação fiscal, haverá protestos; o mesmo acontecerá se Steve Mnuchin, o secretário do Tesouro dos EUA, quiser nos dar uma aula sobre “o achatamento da curva” de óbitos. Isso não surpreende: são necessários anos de estudo para se tornar um especialista. Mas é aí que está a dificuldade: quase todas as decisões importantes das democracias atuais exigem essa análise “que rompe as barreiras entre os nichos de conhecimento”. Sem isso, é impossível discutir as escolhas em torno de pandemia ou qualquer outro assunto.
Portanto, cumprimento Wilkinson por publicar seu modelo especulativo – ainda que polêmico – e gostaria que outros fizessem o mesmo, inclusive os Tesouros nacionais, que têm de fazer seus próprios cálculos dessas escolhas. Tabu ou não, esses números podem ao menos gerar o devido debate democrático. Nestes tempos difíceis, isso é algo de que precisamos desesperadamente.
Gastos Públicos para Manutenção de Fluxos de Renda publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com

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