quinta-feira, 28 de maio de 2020

Planejamento para Recuperação Sustentável: Negócio da China

Adair Turner, presidente da Comissão de Transições de Energia, foi presidente da Autoridade Reguladora dos Serviços Financeiros do Reino Unido de 2008 a 2012. Seu último livro é Between Debt and the Devil (Entre a Dívida e o Diabo). Publicou artigo (Valor, 25/05/2020) com estudo de caso real: o planejamento para retomada de crescimento na China após a crise de 2008.

Quando a crise financeira mundial de 2008 estourou, as exportações da China desabaram, o que criou o risco de perdas enormes de postos de trabalho. Em resposta, a China pôs em marcha o maior boom de construção civil do mundo, e despejou mais concreto entre 2011 e 2013 do que os Estados Unidos em todo o século XX.

O investimento total aumentou de 43% para 48% do Produto Interno Bruto (PIB) durante esse período, enquanto a dívida total saltou de 140% em 2008 para mais de 200% em 2013 e chegou a 250% em 2017, à medida que os bancos concediam empréstimos à vontade para os governos locais, a indústria pesada estatal e incorporadoras imobiliárias.

Os empregos na construção aumentaram de 39 milhões para 53 milhões, e o emprego urbano total continuou a crescer no ritmo anual de 12 milhões necessário para absorver a migração das áreas rurais. O crescimento anual do PIB só diminuiu l de 9,6% em 2008 para 9,2% em 2009.

Hoje, a China está diante de um desafio semelhante. Como outras economias asiáticas, ela conseguiu conter a ameaça da covid-19 de forma mais eficaz do que a Europa Ocidental ou os Estados Unidos; quase todas as suas fábricas estão em funcionamento de novo, e os números de abril sobre as exportação mostram um comércio intenso com os vizinhos asiáticos. Mas, como as economias desenvolvidas ocidentais ainda estão em quarentena parcial e só devem se recuperar lentamente, a China enfrenta enormes obstáculos ao crescimento. A tentação será repetir um estímulo baseado na construção civil.

Mas o boom da construção pós-2008 teve três efeitos adversos.

O primeiro é o desperdício de investimento. Em 2017, o presidente Xi Jinping declarou que “casas são construídas para serem habitadas, não para especulação”. Até agora, no entanto, suas palavras tiveram pouco impacto: atualmente, cerca de 15% de todos os apartamentos foram adquiridos como investimentos, e muitas vezes nem estão conectados ao serviço de energia elétrica.

Em muitas cidades do interior nas quais se prevê um futuro declínio populacional, alguns desses edifícios nunca serão ocupados e, eventualmente, serão demolidos.

Outras obras de infraestrutura concluídas – rodovias e sistemas de esgoto, metrôs e centros de convenções – também excedem os requisitos futuros.

O excesso de obras financiadas com dívida, por sua vez, ameaçou a estabilidade do sistema bancário e do sistema bancário paralelo – um problema que o Banco Popular da China (o banco central) e a agência reguladora bancária passaram os últimos cinco anos tentando resolver.

Por último, o boom da construção, baseado na produção de aço e cimento com uso intensivo de carbono, elevou as emissões de CO2 de 7,4 gigatoneladas em 2008 para 9,8 gigatoneladas em 2017, o que tornou o país o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.

Idealmente, um tipo melhor de recuperação deve pressupor forte crescimento do consumo e a redução da taxa de investimento da China, que é excessivamente alta.

Os últimos dados mostram que as vendas de imóveis e a atividade de construção se recuperam muito mais rapidamente do que os serviços ao consumidor e o varejo. Os investimentos em infraestrutura por parte dos governos locais, financiados por bônus de finalidade específica, já aumentou bastante.

Mas duas grandes mudanças deveriam fazer o governo chinês olhar com mais cautela para os estímulos ao investimento. A urbanização está muito mais avançada – hoje 61% dos habitantes vivem em áreas designadas como urbanas, para 48% em 2009.

Em dez anos, a China alcançará os níveis de urbanização de uma economia avançada. A menos que modere o investimento em moradias urbanas e infraestrutura logo, ficará com enormes ativos desperdiçados e um excesso grave de capacidade na indústria pesada. Estimativas da Comissão de Transições de Energia mostram que nos próximos 30 anos sua demanda doméstica de aço pode cair 30% e a de cimento, mais de 60%.

Além disso, a população da China atingirá seu pico em meados da década de 2020, e a população em idade economicamente ativa deve cair 20% até 2050. Só na próxima década, o número de pessoas de 20 a 30 anos diminuirá em 22 milhões (12%). No curto prazo, a China ainda precisa garantir a criação de empregos diante da recessão cíclica atual. Mas o desafio a médio prazo da China é aumentar a prosperidade mesmo com a força de trabalho em declínio, o que exigirá que ela acelere a automação e o aumento da produtividade.

Portanto, os dirigentes nacionais e provinciais da China têm razão ao enfatizar a necessidade de “novas” formas de investimento em infraestrutura, com foco na tecnologia da automação, na inteligência artificial e na implantação do 5G. Mas eles devem ser realistas sobre o volume de estímulo e de criação de empregos que isso pode proporcionar de imediato.

Inovação significa que o custo da tecnologia da informação e das comunicações (hardware e software) cai continuamente em relação a outros bens e serviços. Como resultado, o plano da China de construir cerca de 700 mil estações rádio base de 5G em 2020 exigirá um investimento de apenas cerca de 200 bilhões de ienes (US$ 28,2 bilhões), em comparação com o investimento anual em infraestrutura tradicional de aproximadamente 20 trilhões de ienes. Portanto, um aumento de 1% no investimento em infraestrutura tradicional representaria tanto estímulo no curto prazo como dobrar o investimento em 5G, mas agregaria muito menos valor à economia da China a longo prazo.

A China precisa alcançar o equilíbrio correto entre manter o crescimento a curto prazo e lançar as bases para o crescimento futuro. Acelerar o avanço na direção de uma economia de baixo carbono seria uma boa maneira de fazer isso. E mesmo aqui as necessidades de investimento são pequenas em comparação com o potencial de desperdício de gastos com imóveis e infraestrutura. Dobrar o ritmo do investimento em energia eólica e solar custaria menos de 1% do PIB.

Combinado com o investimento adicional em transmissão de eletricidade de ultra- alta tensão (UAT), redes de distribuição de energia e múltiplas formas de armazenamento de energia, e com cobrar pela infraestrutura para sustentar a eletrificação do transporte rodoviário, o aumento nos gastos para alcançar uma economia de baixo carbono poderia compensar de forma significativa o declínio na demanda de exportação. Quanto ao investimento “tradicional”, normas mais estritas para a construção poderiam garantir que a China construa cidades com maior eficiência energética, em vez de apenas despejar cada vez mais concreto.

A China poderia se recuperar da covid-19 tão bem como se recuperou da crise de 2008, mas de uma maneira muito mais sustentável. Para isso, deve resistir à tentação de usar suas ferramentas tradicionais de estímulo e realizar a própria visão de sua economia futura.

Planejamento para Recuperação Sustentável: Negócio da China publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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