terça-feira, 26 de maio de 2020

Cenário Pessimista para Bancos e Crédito

Maria Luíza Filgueiras (Valor, 18/05/2020) informa: o efeito da pandemia para bancos de atacado e investimento este ano pode chegar a uma retração nos resultados de até 277% no ano, reflexo da queda de 16% nas receitas e perda de crédito de até US$ 300 bilhões. Esse é parte do cenário mais pessimista traçado em um estudo feito pela consultoria Oliver Wyman em parceria com o banco Morgan Stanley com dados de instituições globais, incluindo Brasil.

Nesse cenário, a consultoria considera uma extensão de 12 meses ou mais para a pandemia, em que ainda há medidas de isolamento social, ritmo elevado de contágio e mortalidade, e ausência de vacina ou tratamento estabelecido. É o que traria o Produto Interno Bruto (PIB) global a uma queda de 2% este ano e empurraria os primeiros sinais de recuperação econômica para o final de 2021.

“Com essa crise entrando de sola, ninguém sabe ainda como será o próximo trimestre. Dependerá muito ainda da reação de cada governo e da coordenação disso com a sociedade e setor privado”, diz Gabriela Bertol, diretora da área de serviços financeiros da Oliver Wyman.

Em crises anteriores, os bancos de atacado chegaram a ter perdas de lucro que superam algumas projeções para a atual crise. No entanto, será nesta que o retorno médio sobre patrimônio (ROE) deve voltar de forma mais fraca. Na bolha da internet, em 2001, por exemplo, os lucros caíram 50% em relação aos resultados pré-crise e, 12 meses após sua eclosão, o ROE era de cerca de 10%. Desta vez, a projeção mais otimista fala em queda de 10% nos lucros durante a crise, com ROE em torno de 8% na retomada de atividade. “A explicação é a capilaridade dessa crise. As outras começaram em segmentos específicos e se espalharam, mas essa tem um efeito imediato já muito mais amplo”, diz Gabriela.

Outro aspecto para os bancos é o histórico relativamente recente de ajustes. A crise de 2008, que teve início justamente nas instituições de atacado e investimento, provocou mudanças regulatórias, tornando esses bancos mais robustos mas com custos fixos maiores. Em paralelo à crise naquela época, também buscaram eficiência. O resultado é que agora têm menos gordura para queimar. “Em banco de investimento, o número de pessoas já é enxuto e com posições estratégicas, então eventuais reduções de custos seriam em áreas de processos”, exemplifica João Paulo Curado, diretor da Oliver Wyman também na área de grandes empresas financeiras. “Os bancos fizeram processos de orçamento base zero, revisão de custos e tem menos margem de manobra. A tentativa que já vinha acontecendo era ampliar o lado da receita e aumentar terceirizações”, diz Gabriela.

É aqui que entram, por exemplo, as fintechs. Na última década, a consultoria calcula que cerca de US$ 10 bilhões em custos saíram dos balanços dos bancos de atacado para terceiros, gerando US$ 50 bilhões em valor de mercado. Estender esse movimento para outras áreas de negócios poderia adicionar entre US$ 60 bilhões e US$ 120 bilhões de valor, desde terceirização a investimento proprietário em fintechs. As diferentes reações e margens de manobra explicam por que os bancos que tendem a ganhar participação de mercado em crises não são necessariamente os líderes, mas aqueles mais “ousados”. Durante 2007 e 2009, os bancos que elevaram suas fatias em “sales & trading” foram aqueles entre a 6a e 10a posições no ranking de receitas pré-crise.

O estudo pondera que, justamente por não serem o centro desta crise, os bancos devem ser um colchão de liquidez para minimizar o impacto para empresas. “O mercado no Brasil tem menos players do que os Estados Unidos e, até pela dinâmica local, o relacionamento é muito calcado em crédito, na dependência de garantia firme e na opção de encarteirar debêntures, por exemplo”, diz Curado. “Num cenário como o atual, esse aspecto de crédito se torna ainda mais relevante e determina a continuidade dos negócios com os clientes quando a crise passar.”

Há uma tendência nos ciclos de crise de consolidação entre instituições. E, ainda que esse universo de bancos de atacado e investimento seja bem mais restrito no Brasil, pode haver movimentação nesse sentido também no país.

Claudia Safatle (Valor, 18/05/2020) informa: em nota técnica entregue aos senadores e obtida pelo Valor, os bancos reagem às pautas bomba que foram colocadas nas primeiras filas para votação. Há uma forte preocupação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com o projeto de lei 1.328, que suspende a cobrança de parcelas do crédito consignado, durante o estado de calamidade pública, e com o projeto de lei 1.166, que limita a taxa de juros para as operações de cartão de crédito e de cheque especial. Além da elevação da tributação da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) de 20% para 50%, dentre outras iniciativas.

O consignado é um crédito com as menores taxas de juros do mercado para a pessoa física. Em março a taxa média era de 21% ao ano.

De um saldo de R$ 397 bilhões na carteira do consignado, R$ 229 bilhões estão destinados aos servidores públicos, R$ 143 bilhões são para aposentados pelo INSS e R$ 24 bilhões são créditos concedidos a trabalhadores do setor privado. Com essa distribuição, fica claro que os aposentados e servidores são os que mais tomam crédito consignado e estes, conforme a nota, foram os setores menos afetados pela crise econômica decorrente da pandemia, pois não tiveram redução de salário.

A suspensão do pagamento de parcelas, tal como sugere o projeto de lei, “vai reduzir a oferta de crédito para milhões de famílias” e colocará em dificuldades aproximadamente 64 bancos que atuam nessa modalidade de crédito, segundo argumento da Febraban. Originalmente o PL 1.166 limitava em 20% ao ano os juros para cartão de credito e cheque especial, mas o relator da proposta, senador Lasier Martins (Podemos-RS) propôs elevá-lo para 30%.

A nota da Febraban lembra que a taxa média de juros do cheque especial, por causa de decisão do Banco Central, caiu de 11,6 % ao mês no dia 19 de março para 7,2% a mês, no dia 20. Os bancos informam, também, que o saldo da carteira de cartão de crédito, incluindo o parcelado e o rotativo é de R$ 265, 5 bilhões. Deste total, só R$ 46 bilhões são de rotativo (incluindo operações em atraso), sendo R$ 26 bilhões de compras parceladas e R$ 193,5 bilhões à vista.

“Os saldos acima demonstram que o cartão de crédito é um importante instrumento de consumo e que parte significativa da carteira não pagam juros, pois se utilizam do parcelamento sem juros e dos 40 dias para pagar”, diz a Febraban. Impor um teto nas taxas de juros desse segmento vai afetar a competição e o consumo e prejudicar os grandes varejistas, argumenta.

Já o saldo da carteira do cheque especial era de R$ 26,05 bilhões de um total da carteira de crédito de R$ 3,58 trilhões, segundo dados de março.

Esse é um produto “de conveniência e emergencial” e que tem papel importante no “consumo por impulso do comércio varejista”. Um tabelamento dos juros, nesse segmento, vai diminuir a oferta do crédito, reduzir o consumo e afetar a própria recuperação da economia.

O forte aumento da CSLL sobre os bancos – que já são taxados pela maior carga tributária do mundo – vai reduzir também a oferta de crédito em geral e aumentar o seu custo, com repercussões negativas sobre o crescimento da economia e a geração de empregos, além de ser uma medida que vai aumentar ainda mais a concentração no setor.

A elevação da alíquota da CSLL de 20% para 50% se configuraria um “confisco”, segundo avaliação de dirigentes de grandes instituições financeiras.

O resultado das medidas que o Senado quer aprovar serão, assim, um tiro no pé, pois a reação dos bancos será a de reduzir a oferta de crédito na economia que, no momento, está crescendo.

Talita Moreira (Valor, 18/05/2020) informa: a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que reúne bancos pequenos e médios e fintechs, vê retrocesso no projeto de lei que tabela as taxas de juros do cheque especial e dos cartões de crédito.

O substitutivo do senador Lasier Martins (Podemos-RS), que eleva de 20% para 30% ao ano a taxa máxima que os bancos poderão cobrar, não aliviou muito a situação. “Somos radicalmente contra qualquer tipo de tabelamento. Isso é ser antimoderno, antidisruptivo. O percentual não faz diferença. Mudaria o resultado se o Brasil perdesse da Alemanha por 4 a 1 em vez de 7 a 1?”, afirma Ricardo Gelbaum, presidente da ABBC.

O executivo ressaltou que a associação foi criada há 40 anos para incentivar a competição e a desconcentração bancária. Para Gelbaum, os bancos são parte da solução na crise atual – diferentemente do que ocorreu em turbulências anteriores – e o foco, agora, é “oxigenar” crédito para pessoas físicas e jurídicas.

O presidente do Agibank, Marciano Testa, também diz que o sistema financeiro é uma alavanca para a retomada da economia após a crise. “Se esses projetos de lei forem aprovados, teremos um retrocesso de mais de dez anos no país. Jogaremos por terra uma década de conquistas e trabalho do Banco Central”, diz. “Bancos digitais e fintechs terão problema grave e teremos concentração bancária maior ainda.”

Essa também é a visão de fontes próximas a fintechs, para quem aumentar o teto de 20% para 35% ao ano, como prevê o substitutivo para essa modalidade de empresas, não resolve o problema. De acordo com os interlocutores, o teto não cobre os riscos e os custos operacionais dos cartões.

A consequência, segundo eles, será a extinção do produto de cartão de crédito, já que bancos e fintechs tendem a não fazer novas operações e podem até cancelar as linhas já concedidas.

Outro ponto que desperta questionamentos entre bancos e fintechs é o fato de que o projeto de lei aproxima as taxas de juros do cheque especial e dos cartões com as do crédito consignado, embora sejam modalidades com perfis de risco muito diferentes.

Na avaliação de fintechs, o impacto tende a ser muito mais nocivo para elas do que para os bancos comerciais, que têm fontes de receitas mais diversificadas. Por isso, alegam, o projeto de lei prejudica a competição no setor em vez de estimulá-la.

Além do projeto que limita os juros, de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos- PR), uma proposta do senador Weverton Rocha (PDT-MA) prevê elevar de 20% para 50% a alíquota da CSLL para instituições financeiras.

“Minha tributação vai ser de 85% sobre o lucro”, afirma Testa, do Agibank, incluindo na conta Imposto de Renda, PIS/Pasep e outras contribuições.

Outro presidente de banco digital observa que as instituições financeiras têm o dever fiduciário de zelar pelo dinheiro dos depositantes, e medidas que tabelam juros comprometem a saúde do sistema. “Discutir melhorias é importante, mas não adianta obrigar os bancos a tomar uma posição de risco que não esteja alinhada com os custos”, diz. “Um problema no setor bancário é o que não se quer agora. Tem que ter parcimônia do legislador.”

Arminio Fraga é ex-presidente do Banco Central, é sócio da Gávea Investimentos e associado fundador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Ilan Goldfajn é ex-presidente do Banco Central, é presidente do conselho do Credit Suisse e diretor do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP). Ambos (Valor, 18/05/2020) defendem os bancos.

“Estamos no meio de uma das piores crises de saúde pública das nossas vidas com consequências graves sobre a economia global, e em particular a brasileira. Este momento exige responsabilidade. As consequências da crise ultrapassam o presente. Os governos, empresas e cidadãos sairão endividados. O sistema financeiro – bancos, cooperativas, instituições de pagamento, etc. – é que permite fazer a difícil ponte do presente com os recursos disponíveis no futuro. Ao oferecer crédito, intermediando os recursos de quem tem poupança para aqueles que o precisam, o sistema financeiro ajuda a manter as pessoas e a economia funcionando na pandemia.

Como quase tudo em uma economia moderna, na área financeira os preços têm um papel crucial na alocação de recursos. A taxa de juros básica da economia (a Selic, no caso do Brasil) ajuda a equilibrar poupança e investimento, dentro de um arcabouço de controle da inflação.

As taxas de juros dos empréstimos bancários ou aqueles feitos através do mercado de capitais são maiores do que a Selic pois refletem o risco de cada operação. Contribuem assim para que o capital seja alocado da forma mais produtiva. Em condições adequadas de concorrência, o chamado prêmio de risco reflete os custos da intermediação, inclusive de análise, e os riscos de cada operação.

Mesmo se exigindo dos bancos mais capital e provisões contra perdas adequadas, crises financeiras têm ocorrido com frequência, e em crescente magnitude. Cientes das trágicas lições da Grande Depressão, os bancos centrais entraram em campo com monumentais injeções de liquidez e crédito, evitando assim o que poderia ter sido uma nova grande depressão. Tal ação, no entanto, levou ao entendimento de que o sistema favorece os bancos e seus credores, num jogo de cara eles ganham, coroa a sociedade perde.

Além dessa vantagem indevida, prevalece desde Shakespeare uma certa raiva dos cobradores de empréstimos, e das taxas cobradas pelos bancos. Tal é o caso do sistema brasileiro, que por várias razões exibe ainda taxas de juros na ponta do tomador elevadas para padrões internacionais. Tal fato é de conhecimento geral, e vem há muitos anos sendo objeto de ações do Banco Central (por exemplo, dentro da Agenda BC+ ou BC#) e de outras áreas de governo.

O Congresso Nacional tem sido instrumental para a queda dos juros bancários nos últimos anos. Entre as ações que tiveram apoio legislativo podemos incluir diversas medidas que visaram a melhoria da qualidade das garantias (fator fundamental no mundo inteiro para o custo do crédito), incentivo a concorrência bancária, mais eficiência e menores custos no sistema, entre outros esforços. Como resultado, as taxas caíram bastante e exibem tendência de queda, mas ainda permanecem elevadas.

Na atual crise é natural a preocupação com o custo e a disponibilidade de crédito para as pessoas e empresas. O Congresso nacional tem se esforçado para atender essa demanda da sociedade. Mas há que se ter todo cuidado com as consequências indesejadas de várias das medidas que estão tramitando, que não somente podem trazer resultados contrários ao desejado, como também podem fragilizar o sistema financeiro. Exemplos recentes são o PL 1328/2020 que suspende por 120 dias o pagamento das parcelas mensais do empréstimo consignado, incluindo para os servidores e aposentados que não tiveram redução de salário (esses últimos representam R$ 370 bilhões de um total de R$ 393 bilhões); o PL 911/2020 que aumenta a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 20% para 50% (levando a uma das maiores alíquotas do país e do mundo); o PL 1116/2020 que fixa um teto de 20% ao ano para as taxas de juros do cheque especial e congela os limites de crédito; e o PL 675 que proíbe aos bancos negativar o cliente que parou de pagar, devendo suspender as execuções judiciais cíveis propostas contra consumidores, retroativo a 1o de janeiro 2020, anterior à pandemia no Brasil.

As consequências dessas pautas são graves. A tentativa de regular preços e congelar as quantidades disponíveis levará à contração do crédito, na medida em que o sistema tenta evitar prejuízos que possam ameaçar a sua sobrevivência. Esse mecanismo de defesa aprofundará a recessão e aumentará o desemprego na crise, ao contrário do pretendido. Aumento de impostos vai na contramão das medidas adotadas no resto do mundo, reduzindo o capital disponível aos bancos e encarecendo o crédito.

Algumas dessas medidas podem piorar a concentração no mercado. Melhor seria perseverar com a agenda estrutural e sustentável.

Talvez o maior risco associado a essas medidas seria fragilizar o sistema financeiro, nesse momento crítico. O Brasil tem hoje um sistema bancário bem capitalizado e bem provisionado. Ainda bem. Só nos faltava acrescentar uma crise bancária às crises sanitária e econômica que já nos assolam.”

Cenário Pessimista para Bancos e Crédito publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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